sexta-feira, 17 de outubro de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Cro-Mags, Manuel Göttsching, KISS e Shuggie Otis

Cro-Mags
A banda andou tocando pelo Brasil, o que foi o suficiente para me fazer relembrar The Age Of Quarrel (1986), clássico do hardcore. É a cara da cena de Nova Iorque. Adoro o som de bateria desse disco, assim como a interferência do thrash metal nas guitarras. 

Manuel Göttsching 
Inventions For Electric Guitar (1974), o nome do disco já me causa interesse de imediato. E não dá pra dizer que ele superdimensiona a proposta. É a guitarra no centro das experimentações do krautrock, soando não somente elétrica, mas eletrônica, através de looping e delays ritmados. Frases são repetidas à exaustão até formarem motivos viajantes e até mesmo “dançantes”. Quando sola de forma mais “tradicional” ele também demonstra destreza. Experimental e muito bom! Por sua vez, seu álbum E2-E4 (1981), agora não mais centrado na guitarra e abusando de sequenciadores e teclados, é a pura música eletrônica (embora em estágio embrionário). Dançante, reluzente e repetitiva. Eu gosto. 

KISS
Ace Frehley morreu e de imediato botei o Alive! (1975) pra ouvir. Nunca fui dos meus discos prediletos, mas ele influenciou tantos ídolos a começarem a tocar guitarra que prestar minha homenagem foi propício. Tom Morello, Dimebag, Slash, Alex Skolnick e Mike McCready (que roubou frases do solo de “She”) são alguns. Embora considere a sonoridade do álbum meio “magrinha”, as performances (de todos) e repertório são maravilhosos.

Shuggie Otis 
Fiz uma dobradinha de audição de álbuns desse artista pouco lembrado, embora ele apresente tudo que um público jovem diz adorar: groove e psicodelia. Quantos fãs da proposta “retrô” do Bruno Mars já ouviram o Freedom Flight (1971)? Aqui ele arrebenta nas guitarras, parecendo apontar para o que o Prince viria a fazer (a capa induz a esse raciocínio). Por sua vez o Inspiration Information (1974) é mais cancioneiro, sobressaindo um aspecto lírico dentro da soul music. Tem cada arranjo! Ambos álbuns são maravilhosos. 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Fleetwood Mac, Death, Ralph Vaughan Williams, Boris e Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim & Época de Ouro

Fleetwood Mac
Vi um vídeo do Nuno Mindelis sobre o Peter Green e ele mencionou preferir ouvir as performances ao vivo do guitarrista do que em estúdio. Pensando nisso fui conferir o Shrine ‘69. A constatação é de que é difícil se contrapor ao Nuno. O Peter Green soa faiscante e sublime. É o guitarrista mais elegante do blues britânico. E que timbre, não!

Death
The Sound Of Perseverance (1998). Disco derradeiro do Death. Impressionante pensar a evolução do grupo e como, com isso, eles contribuíram pra evolução do gênero. E sem deixar de ser uma cacetada.

Ralph Vaughan Williams
Quando pensamos na música pop inglesa sempre mencionamos o quão eles são sofisticados nos arranjos e melodias, por vezes usando orquestrações. Pensando nisso, fui pesquisa a música erudita inglesa da primeira metade do século XX e cheguei no Ralph Vaughan Williams. Ele foi um grande compositor, tendo produzido balés, óperas, sinfonias, música vocal, além de ter sido um pesquisador da música folk inglesa. Por acaso vi que o Fantasia On A Theme By Thomas Tallis (1910) era uma das obras prediletas do David Bowie, o que me levou à motivação inicial da audição. Tá tudo aqui mesmo. Lindíssimo.

Boris
Amplifier Worship (1998). O nome do álbum já aponta o que esperar. O som de guitarra é avassalador, saindo com pressão física dos alto-falantes. Um dos melhores timbres de guitarra em disco. Tem drone, tem sludge. Alguns dos vocais mais poderosos do Boris está aqui. Definitivamente esse é meu tipo de worship.

Elizeth Cardoso, Zimbo Trio, Jacob do Bandolim & Época de Ouro
Eu sei que as vezes eu pareço bagaceiro (e sou mesmo), mas eu também sei ser apreciar a elegância. Época de Ouro. Gravação de 1968. O fino da música brasileira, via alguns de seus melhores instrumentistas e a grande interprete da canção popular. Um dos grandes registros da música brasileira. Um documento. Formidável. Separe uma bebida.

sábado, 4 de outubro de 2025

DISCOTECA DA MARIA (ou Discos Para Ouvirem Com Seus Filhos)

Quando minha filhinha nasceu - e lá se vão 5 anos - comecei uma série de postagens no Instagram chamada “Discoteca da Maria”. Era uma fotinha dela e algum disco que por acaso ouvia com ela. Mas ela foi crescendo, a dinâmica familiar foi exigindo novos desafios, os posts foram ficando menos recorrentes e, deste modo, parei com as postagens. De qualquer modo, gostaria de deixar salvo os textos aqui, já que toda rede social tem seu fim e, aparentemente, ao menos esse blog continua vivo. Vale também por compartilhar experiências sonoras que outras pessoas também podem ter com seus filhos. Fica a dica!


Os Saltimbancos (1977)
Clássico da música infantil, com composições do Chico Buarque e interpretação de nomes como Nara Leão, Miúcha e MPB4. Uma história lúdica repleta de personagens carismáticos. Ótima pedida para começar a "Discoteca da Maria".

Chet Baker - Chet Baker Sings (1954)
Longe de mim querer resumir este clássico do cool jazz como um mero disco de sonequinha. Mas com interpretação singela do Chet - tanto no trompete quanto com sua voz plena -, além dos timbres sonhadores de celesta, o resultado é de fazer qualquer um ninar.

Ramones - Rocket To Russia (1977)
Se tem uma abordagem estética dentro do rock que pode agradar em cheio uma criança (ou um neném) é a dos Ramones, sendo Rocket To Russia o aperfeiçoamento sonoro da banda, com composições diretas na essência do punk rock 77, mas com a tão bem vinda influência nas melodias (e mesmo no astral) das girls groups dos anos 60. Álbum perfeito!

Kendrick Lamar - To Pimp A Butterfly (2015)
Além da "discoteca básica" que tanto adoramos, acho legal que a Maria cresça em sintonia com o seu tempo. Por isso trago hoje um "clássico recente". To Pimp A Butterfly coloca na crista da onda um rapper que não mede esforços na arte de rimar. Isso através de uma versatilidade sonora absurda. É a música popular contemporânea de riqueza estética e social.

The Smiths - The Queen Is Dead (1986)
Os ingleses tem um dom especial para o rock mais melodioso. Na década de 1980, isso fica acentuado no Smiths. Somando o lirismo do Morrissey com as guitarras e arranjos majestosos do Johnny Marr, o resultado é uma obra que dilacera e massageia o ouvinte. É um bom disco pra Maria relaxar. Além disso, se for pra ser hipster (só isso justifica esse tricô), que ela ao menos saiba que o indie não começou com o Arctic Monkeys.

Elza Soares - A Mulher do Fim do Mundo (2015)
Convenhamos, ninguém imaginava que aos 85 anos, com mais de meio século de carreira, a Elza Soares fosse lançar um de seus melhores trabalhos. Mas lançou! E foi (é) emocionante ver ela recebendo todos os méritos em vida. Esse álbum traz a veterana cantora ao lado dos maiores compositores e instrumentista da música brasileira contemporânea. Um repertório forte, com arranjos criativos e muita alma na interpretação. Para a Maria, que nasceu no fim do mundo, a Elza é um entre tantos exemplos de mulher.

The Beatles - Magical Mystery Tour (1967)
Sábado passado, quando fizemos o mesversário da Maria com o tema Beatles, me questionei qual seria o disco do quarteto com maior apelo infantil. De imediato pensei no Magical Mystery Tour (1967), curiosamente o álbum menos aclamado do grupo pós "Rubber Soul" (1965). Com ele é fácil imaginar a Maria dormindo ouvindo a linda "The Fool On The Hill", vibrando com "I Am The Walrus", dançando e cantando "Hello, Goodbye", descobrindo a psicodelia em "Strawberry Fields Forever", se apaixonando pela melodia de "Penny Lane" e fazendo de "All You Need Is Love" um hino da nossa família.

Caetano Veloso - Velô (1984)
A Maria ouve música desde que nasceu, mas a primeira canção que ela realmente demonstrou adorar foi "O Quereres" do Caetano. Provavelmente esse gosto veio na base da insistência, visto que ela ouvia a música todos os dias na abertura da novela A Força do Querer. Essa predileção deu ao álbum Velô novo valor. Aliás, ele vem sendo reavaliado há tempos. Por anos ele foi considerado um disco que envelheceu mal ao trazer Caetano surfando na estética sonora do rock nacional oitentista. Hoje isso não é mais um problema, é até um charme. Fora que não dá pra ignorar uma obra que traga composições como "Podres Poderes", "O Homem Velho", “Comeu”, "Grafitti", “Shy Moon”, "Língua" e a própria "O Quereres".

The Who - Live At The Isle Of Wight (1970)
Ao ver essa "performance destruidora" da Maria com sua guitarra de brinquedo, lembrei imediatamente do Pete Townshend, que promovia com o The Who a aniquilação dos instrumentos, fazendo da quebradeira uma instalação humana anárquica e cacofônica. Entretanto, vale dizer que o Who nunca se resumiu a isso. A entrega dos quatro integrantes era intensa e precisa, o que dava ainda mais força para canções formidáveis por natureza. Junto de execuções furiosas, há composições extremamente arrojadas. Já que no momento não podemos ir em shows, ao menos em casa estamos assistindo a maior banda em cima dos palcos de todos os tempos.

Cidadão Instigado - Uhuuu! (2009)
"Olhos, dedos, mãos, pés, me mostram que Deus é uma viagem". É com "ensinamentos" como esse que vejo nas divertidas, lúdicas e absurdas canções do Cidadão Instigado um prato cheio para a imaginação da Maria. Isso musicalmente coberto por elementos de música brasileira, brega, psicodelia e rock alternativo.

Bob Marley - Catch A Fire (1973)
Há 40 anos o maior pop star do terceiro mundo morria. Por isso hoje coloquei o Catch A Fire pra Maria ouvir. É um álbum que alinha timbres, levadas e interpretações vagarosas à temáticas conflituosas dos guetos. São canções de resistência, não de cachoeira. Ainda que a Maria esteja longe de entender isso, farei um esforço para que essa percepção fique clara e que ela não caia na armadilha de que reggae é música de ecoturismo.

Bob Dylan - Highway 61 Revisited (1965)
Num mundo onde a perversidade não é barreira para a ascensão individual, conhecer obras como a do Bob Dylan é ter um porto seguro para o equilíbrio pessoal. Claro que a Maria ainda não consegue desfrutar de toda a proficiência lírica e musical que fez do artista o único ganhador do Nobel, Pulitzer, Oscar, Grammy e Globo de Ouro, mas familiaridade se adquire aos poucos. Maria e Bob Dylan compartilham o mesmo tempo.

A Flauta Mágica (Wolfgang Amadeus Mozart)
A música erudita é hoje vista com grande distanciamento pelo público comum. E isso cada vez mais se acentua através de uma juventude acadêmica que, com o intuito de valorizar estéticas sonoras populares, julga antigos compositores como meros produtos do eurocentrismo branco. Por outro lado, a narrativa de decadência cultural contemporânea é altamente reacionária e estúpida. Diante disso, edições a preços populares em bancas de jornal de grandes Óperas e, mais recentemente, de biografias direcionadas ao público infantil de personalidades como o Mozart, podem servir para formar ouvintes conscientes dos caminhos estéticos da música. Aqui em casa, aos ouvidos da Maria, o sagrado e o profano tocam no mesmo piano. Hoje foi a vez dela conhecer as notas agudas da Rainha da Noite.

Marisa Monte - Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão (1994)
Crescer na década de 1990 diante da MTV era receber uma ebulição de energia rockeira brasileira vinda dos Raimundos, Nação Zumbi, Planet Hemp, Sepultura, dentre outros. Do outro lado dessa zona, chamava atenção o desabrochar da Marisa Monte com o Verde, Anil. Além da sua performance vocal maravilhosa, haviam ótimas composições do Carlinhos Brown e Nando Reis, regravação de Paulinho da Viola, Jorge Ben, Velvet Underground e Jamelão (com direito a participação da Velha Guarda da Portela), músicos como Naná Vasconcelos, Gilberto Gil, Romero Lubambo, Dino 7 Cordas, Arthur Maia e Marcos Suzano assinando a ficha técnica, além da produção do Arto Lindsay. Crescer ouvindo isso é um privilégio que eu não vou privar a Maria de ter. Para o bem e para o mal, esse álbum representa uma renovação da MPB.

Tim Maia - Racional, Vol. 1 e 2 (1975 - 1976)
Ontem a Maria tava sentadinha, toda de branco, pançuda e com seu colar de âmbar. Me veio a imagem do Tim Maia na fase Racional. Confesso que, por mais que estes álbuns tenham com o tempo adquirido um status cult, eles nunca estiveram entre os meus prediletos. Acho a temática muito repetitiva. Por outro lado, a voz do Tim, os grooves, arranjos e melodias são certeiras. Nesta fase da Maria, onde o mantra lírico do "Universo em Desencanto" não diz nada, os pontos positivos musicais se sobressaem.

Neil Young - Harvest (1972)
Ontem, este clássico do Neil Young completou 50 anos do lançamento. Pensei em ouvir e logo recorri ao Spotify, esquecendo da polêmica da semana, onde numa briga entre Neil Young x Joe Rogan x Spotify, quem perdeu foi consumidor (pra não dizer os direitos democráticos em geral), que não tem a opção de escolher o que ouvir. Fora que era óbvio que o lado menos rentável do cabo de força iria levar a pior. Felizmente, esse tiro no pé dado pelo Neil Young não atingiu a Discoteca da Maria, sendo que ao lado da minha filha eu pude desfrutar de algumas das mais lindas e confessionais baladas do rock, aqui imersas na estética folk tão comum aos singer-songwriters que explodiram na primeira metade da década de 1970. Álbum especial.

Rush - Moving Pictures (1981)
A Maria ganhou uma bateriazinha de presente. Foi o suficiente para eu me empolgar, já que foi o primeiro instrumento que me apaixonei. Claro, já que é enorme, barulhento, "primitivo", instintivo... Toda criança deve adorar! Colocar ela pra ouvir (e assistir) as performances do Neil Peart me pareceu apropriado. Sua linguagem musical fez dele o pai da bateria rock moderna. Sua técnica alinhada à criatividade composicional é muito bem representada no clássico Moving Pictures, disco que tive a felicidade de assistir sendo tocado pelo trio em sua última passagem pelo Brasil. O álbum é uma pérola que traz o rock progressivo para a década de 1980, soando ainda hoje virtuoso, instigante e primoroso. Neil Peart já faleceu, mas quem sabe não está nascendo uma grande baterista.

The Rolling Stones - Stones at the Max (1991)
Das minhas memórias musicais, talvez a primeira seja de assistir o Stones at the Max em VHS com meus pais. Eu era apenas um remelento e tinha motivos de sobra para me encantar com a figura do Keith Richards ou Mick Jagger, mas quem chamou minha atenção foi aquele velhinho (e naquela altura ele já parecia um vovozinho) escondido atrás de uma pequena bateria num show gigante, com direito a palco imenso, fogos de artifício, enormes bonecos infláveis e platéia lotando o estádio. Seu estilo discreto, muito mais jazzistico que rockeiro, nunca tocando o chimbal junto com a caixa (algum outro batera faz isso?), foi o motor dos Stones até hoje. Meus pais assistiram ele ao vivo e eu também. Pra geração da Maria, fica o privilégio de ouvir suas gravações. Não tenho mais videocassete pra reproduzir a sobrevivente fita, mas felizmente o show tá completo no YouTube e pude mostrar pra Maria. Assista você também.

Iron Maiden - Iron Maiden (1980)
Não adianta, tem coisas que ou a gente gosta desde quando é pirralho ou nunca vai passar a gostar. Heavy metal é um exemplo. Nem tente começar ouvir Judas Priest aos 30, o tempo já passou pra você. Pensando nisso, botei a estreia do Iron Maiden pra Maria escutar. É um clássico da NWOBHM, de produção crua, mas que salta aos ouvidos devido o frescor da banda em composições arrebatadoras. E embora eu nunca vá impor os gostos da Maria, não posso negar que acharia legal se daqui alguns anos ela me pedisse uma camiseta com o Eddie estampado, aprendesse as linhas de baixo do Steve Harris e dissesse que a fase Paul Di'Anno é melhor que a do Bruce Dickinson.

Jeff Beck - Wired (1976)
Antes mesmo de ouvir o Jeff Beck, eu já conhecia sua fama de "guitarrista dos guitarristas", ídolo dos ídolos (vejam o que Clapton, Page, Gilmour, Brian May e tantos outros escreveram sobre ele). Assim, lá pelos meus 14 anos, comprei o álbum Wired. Fui ouvir e não entendi nada. Acostumado com outras sonoridades, eu sequer reconhecia a guitarra no disco (de verdade, alguns timbres e melodias me eram tão incomuns que na época associei a sintetizadores, sei lá). Larguei na prateleira. Demorou anos pra eu perceber seu estilo rico e inventivo, de fraseado, timbres e bom gosto próprio. Daí pra frente virou uma obsessão, como acontece com todos que mergulham na sua música. Fiz do seus discos e vídeos um manual do instrumento, que por inquietação dele, se manteve em transformação e relevância.
Quando tanto o Paul McCartney quanto o Jeff Beck anunciaram shows no Brasil em 2010, após décadas sem se apresentar no país e o dinheiro só me permitia ir a um dos dois espetáculos, não tive dúvidas, fui ver o guitarrista naquela que foi a mais exuberante performance de um instrumentista que já assisti. Nunca vou esquecer o que ele fez com o slide em "Angel" e com a alavanca em "Nessun Dorma", a última do show, onde sua guitarra ecoou no Via Funchal se assemelhando a uma voz do além.
Tempos atrás eu criei um perfil aqui no Instagram só para postar guitarristas (@um_guitarrista_por_dia). Adivinha com qual decidi começar a página?
Hoje vou ouvir com a Maria o disco que tanto me causou estranhamento quando adolescente. Chuto que ela nem vai ligar, se distraindo com algum brinquedo. Mas se for pra no subconsciente dela existir um som de guitarra, que seja a do Jeff Beck.

Pink Floyd - The Dark Side Of The Moon (1973)
Criar a Maria exige tempo e disposição, visto que é muito fácil seu tédio ser alimentado por atividades de baixo valor. Dito isso, tento (e nem sempre sou bem sucedido) propor dinâmicas que mantenham a Maria entretida o suficiente para que a alienação das telas não seja um recurso fácil. E para isso nem sempre é necessário propor complexas brincadeiras. Por exemplo, dias atrás, apaguei as luzes - deixando apenas uma lâmpada azul acesa -, joguei as almofadas no chão e deitamos ao som do Pink Floyd. Um cenário de caricatura viajandona, mas que foi de honesta contemplação do som, do momento e, principalmente, da companhia.
Ontem o Dark Side Of The Moon completou 50 anos do lançamento. Vou evitar chover no molhado ao apontar suas qualidades. Me limitarei a dizer que ouvi-lo inteiro continua sendo uma experiência emocionante.

Terno Rei - Gêmeos (2022)
Ontem listei meus discos prediletos de 2022, deixando de fora aquele que certamente mais ouvi: Gêmeos do Terno Rei. É um álbum que, ao menos para mim, não instiga grandes nuances. É "apenas" o pop rock em seu formato mais assertivo, inclusive, como há tempos não se ouvia no Brasil. Até por conta disso, ele fez a trilha sonora de brincadeiras com a Maria e de tardes com a Reninha. Canção por canção, refrão por refrão, melodia por melodia... quem ouviu gostou.

Titãs - Cabeça Dinossauro (1986)
Desde sempre carrego em mim obsessões musicais. Quando criança, adorava os Titãs por conta do estilo provocativo dentro de um rock brasileiro por vezes solar demais. Juntos eles pareciam uma gangue (de intelectuais, acadêmica, mas ainda assim afrontosa). Embora tenha me desligado do grupo na(s) última(s) década(s), ainda tenho uma predileção por discos como o Cabeça Dinossauro, álbum que elevou a qualidade de produção, lírica e estética do rock nacional. Reouvindo motivado pela reunião da banda, não foi minha surpresa ver a Maria sorrindo e cantando junto com "AA UU". O apelo infantil (e isso nunca pode ser entendido como demérito) se mantém intacto.

ACHADOS DA SEMANA: The Replacements, Invisible, Oneida e Claus Ogerman

The Replacements
Tim (1985). Simplesmente um disco de rock n’ roll perfeito. Se comunica com o punk e o alternativo, mas também é muito melodioso. São canções espetaculares. A performance do grupo é calorosa. A empolgação foi tanta que peguei o Pleased To Meet Me pra reouvir (1987), um disco ainda muito bom, mas menor. Ele apresenta certo arrojo que atenua a energia. Mas só da banda ter feito uma música chamada “Alex Chilton” já vale o álbum. Como pode eles nunca terem sido grandes? No Brasil então…

Invisible
El Jardin De Los Presentes (1976). Minha paixão ao Spinetta refloresceu nas últimas semanas. Que disco espetacular! É progressivo, sofisticado, lírico e tipicamente “argentino”. Tem cada harmonia, cada guitarra! Amo “Ruído de Magia”.

Oneida
Each One Teach One (2002). Honestamente nem sei como cheguei nesse disco. Fui ouvir no escuro e, por sorte, estava em sintonia com que saiu dos falantes, caso contrário não conseguiria embarcar no som altamente repetitivo que eles propõem. A primeira metade são como jams em looping que trazem elementos de psicodelia e krautrock. Isso com uma timbragem orgânica e abrasiva. A segunda parte é mais convencional, lembrando o que o King Gizzard viria a fazer anos depois. Bem legal.

Claus Ogerman
Conheço o trabalho do Claus Ogerman ao lado do Tom Jobim, Frank Sinatra, Bill Evans, George Benson, dentre outros, mas nunca tinha parado pra ouvir seu trabalho “solo”. Cheguei no “Preludio & Chant” (1982), escrito pra violino e piano. É lindíssimo. Uma peça que vai muito além do seu requinte estrutural, chegando de fato na linha direta da emoção.

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

TEM QUE OUVIR: TV On The Radio - Desperate Youth, Blood Thirsty Babes (2004)

O cenário indie/alternativo da virada do milênio foi tomado por dezenas de bandas que, por mais legal que fossem, surfaram em tendências retrôs alçadas pelo Strokes. Deste modo, quando o TV On The Radio apareceu, logo percebeu-se um frescor estético dentro da cena. Desperate Youth, Blood Thirsty Babes (2004), estreia da banda lançado pela Touch And Go, assinala para novos tempos. 


Surgidos em Nova York logo após o 11/09, o grupo trazia em sua formação o Tunde Adebimpe e Kyp Malone (ambos intercalando vozes e programações) e Dave Sitek (teclados, guitarras e programações). Uma formação pouco usual tanto na instrumentação, quanto na presença de dois homens negros na linha de frente. 

Logo no inicio de "The Wrong Way" já somos sacudidos com saxofones berrantes (tocados pelo Martín Perna), um baixo saturadíssimo e batida rock n' roll dançante (ao menos se não tivesse imersa em timbres gordurosos). Um art-punk aventureiro com ecos de Pere Ubu. 

"Staring At The Sun" - já presente no EP que eles haviam lançado anteriormente -, é o cartão de visitas para o grupo. Um composição memorável por natureza, mas arranjada de forma nada ortodoxa, abrindo mão de uma batida consistente, focando na força do baixo, guitarras (tocadas pelo Nick Zinner) e da sobreposição das vozes, cada uma em sua tessitura, sendo a do Malone docemente aguda. 

O equilíbrio que eles fazem de timbres abrasivos em arranjos espaçados/crescentes/dinâmicos é criativo e instigante, chegando em ponto de perfeição na bela "Dreams". Aqui mais uma vez há um ótimo contraponto das vozes. 

Poucos timbres de baixo soam mais corrosivos que o de "King Eternal". Sua bateria organicamente programada e os acordes angustiantes numa guitarra distante formam a cama para ótima melodia e interpretações vocais. Parece algo que o Radiohead na época do Kid A faria caso não tivessem orçamento.

E quando parece que o disco já chegou no auge da abstração estética, "Ambulance" oferece um canto à capela sui generis. É rítmico, paranoico, harmonioso, estranho e melódico.

As guitarras vibrantes de "Poppy" até tentam esconder, mais a batida mecânica parece fazer uma ponte com o krautrock. Redundantemente ainda tenho que reforçar o arranjo vocal maravilhoso, principalmente no meio e final da canção. Espetacular!

Instrumentalmente soando um encontro do Suicide com o PiL e John Cale (o elemento "drone"), "Don't Love You" brilha em beleza e performance. Mesmo com as referências apontadas, ela revela enorme frescor.

O experimentalismo guitarristico em "Bomb Yourself" pessoalmente muito me agrada. Sujeira nas seis cordas em cima de uma batida hipnotizante é tudo que eu preciso.

"Wear You Out" fecha o disco em mais um casamento perfeito entre as vozes do Tunde Adebimpe e Kyp Malone. Há algo de dub na construção da canção. Incialmente enxuta em elementos, ela evolui para caminhos majestosos.

Aventureiro como poucos discos de rock do período, o TV On The Radio se consolidou no cenário alternativo, virando daqueles grupos queridinhos dos que estavam com ouvidos atentos. 

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Erlon Chaves, Vinnie Moore, Tenorio Jr., U.D.O. e Índio Cachoeira

Erlon Chaves 
Erlon Chaves e sua Banda Veneno (1971). Escutei o álbum deste ótimo arranjador, que trabalhou com Wilson Simonal e Elizeth Cardoso, acompanhou a Elis Regina, foi regente da TV Tupi, além de ter namorado uma tal Miss Brasil chamada Vera Fischer. Esse disco tem a típica brasilidade amada por DJs e a classe média paulistana (e que nem por isso é ruim): balanço, metais, orquestrações pulsantes, som de pressão orgânica, performances carismáticas e versões divertidas para composições conhecidas. Agora, ficou uma dúvida pra mim: quem toca guitarra em “Oh Happy Day”? Achei a cara do Lanny Gordin. 

Vinnie Moore
Meltdown (1991). Tô numa fase de voltar a se importar com guitarra, aí vai num vídeo do Marcelo Barbosa que ele comenta gostar muito desse disco, então fui conferir. É bacana mesmo. As composições tem uma base sólida de riff que faz com que todo o virtuosismo do guitarrista não fique jogado ao nada. 

Tenorio Jr.
A história do Tenorio Jr. é daquelas que estava adormecida em mim. Na realidade, em todos nós. Deste modo, foi chocante saber que finalmente seu corpo foi identificado após meio século do desaparecimento. Infelizmente, o que de fato aconteceu na noite do seu sumiço continua em aberto. Como forma de relembrar esse brilhante pianista brasileiro, ouvi seu ótimo álbum Embalo (1964). É um tremendo disco de samba jazz, com direito a ótimas performances não somente do Tenório, mas também do Paulo Moura, Milton Banana, J. T. Meirelles, dentre outros. 

U.D.O.
Vi uma postagem do Terry Painkiller afirmando categoricamente que o Udo é o maior melodista do heavy metal. Abaixo havia um comentário do Vitor Rodrigues (ótimo vocalista, ex-Torture Squad) concordando com a afirmação e mencionando alguns discos referências neste sentido, sendo o Holy (1999) um deles. Fui conferir. Por mais que goste do eterno vocalista do Accept, acho que eles foram muito apaixonados na opinião. Não que o Udo não tenha suas qualidades, mas não há sequer espaço dentro das composições e da estética adotada pelo artista para proporcionar tanta variedade melódica. As harmonias não muito fechadas e seu timbre arranhado apresenta certa limitação de tessitura. Isso posto, achei o Holy um tremendo disco de heavy metal. 

Índio Cachoeira
O Ricardo Vignini fez um post muito bacana lembrando do álbum Violeiro Bugre (2008), financiado através da Lei Rouanet. Mencionou a importância do disco e de como um motorista de ônibus conseguiu por em prática o projeto graças a esse incentivo. Logo me ocorreu a ideia de listar uns 10 álbuns que só existem por conta da lei. Enquanto não faço a pesquisa, escuto esse disco lindíssimo do Índio Cachoeira.


sábado, 13 de setembro de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Luis Alberto Spinetta, Sacred Reich e Quinteto Ternura

Luis Alberto Spinetta
Only Love Can Sustain (1980). Gosto muito do Spinetta, mas confesso que não tinha escutado esse disco. Mas o Tavares (sim, o ex-Fresno) mencionou esse com um dos 5 discos da sua vida e eu usei como desculpa para ouvi-lo. É uma maravilha, bem AOR à la Steely Dan. Inclusive, na ficha técnica tem algumas estrelas que vão além dos músicos argentinos, vide Abraham Laboriel, Terry Bozzio, Alex Acuña e Paulinho da Costa. 

Sacred Reich
Quando meu eu interior escuta o chamado do Deus Metal. Falando sério, que paulada são os Ignorance (1987) e o espetacular The American Way (1990). A banda tem uma energia tão feroz que nem parece que o que eles tão tocando tem grande complexidade. A cozinha é impressionante. Sem dúvida dois dos melhores discos da história do thrash metal.

Quinteto Ternura 
Quinteto Ternura (1974). Curioso como o hype em cima das “brasilidades da música preta brasileira” ainda não embarcou esse disco. Talvez até pelo refinamento dos arranjos (alguns assinados pelo Arthur Verocai). No apoio estão instrumentistas como Mamão e Luiz Claudio. Obra-prima do soul brasileiro.