PAÍS DO BAURETS
quinta-feira, 26 de junho de 2025
ACHADOS DA SEMANA: Thin Lizzy, Beach Boys, Allan Holdsworth, “Playlist de Techno”, Clutch, João Donato e Dinosaur Jr.
domingo, 8 de junho de 2025
TEM QUE OUVIR: Françoise Hardy - Tous les garçons et les filles (1962)
Ao pensarmos no desenvolvimento da música pop/jovem, a primeira metade da década de 1960 merece um foco especial. Na Inglaterra tínhamos Beatles, Stones, Who, Kinks e mais uma dúzia de grandes grupos; nos EUA a Motown e a Stax, assim como as girl groups, pavimentaram a linguagem do r&b e da soul music; mesmo no Brasil, a Jovem Guarda criou o primeiro fenômeno do rock/pop brasileiro. Não menos importante está a França, que com seu charme envolto as musas do cinema e da moda, deu origem ao yé-yé, um estilo musical com elegância cinematográfica, influências jazzisticas e pompa do "pop barroco", renovando a canção francesa (chanson).
Inúmeros mulheres contribuíram para o gênero. Uma mais linda que a outra: Brigitte Bardot, France Gall, Jane Birkin, Sylvie Vartan... Françoise Hardy teve uma carreira musical mais certeira, a começar pelo seu debut autointitulado, posteriormente conhecido como Tous les garçons et les filles (1962, atente-se, antes dos Beatles estrearem).
Se as maiores estrelas do gênero eram mulheres, por sua vez, assim como acontecia em qualquer indústria daquele período (e, infelizmente, até hoje), eram os homens que controlavam as produções. Mas no caso de Françoise, logo de cara ela assinou as canções, tirando do conteúdo a submissão e "inocência sexualizada" tão explorada no gênero, substituindo pela visão de uma jovem garota sobre o amor (também com inocência e sensualidade, mas com um tom muito mais pessoal).
"Tous les garçons et les filles" abre o disco já expondo o principal sucesso do disco, da cantora, do período. O canto discreto/tímido para uma melodia lindíssima cria todo um cenário de um mundo mais belo.
"Ça a raté" é o puro rock do período. Um rockabilly nada "billy", mas muito francês.
Há um tom misterioso em "La fille avec toi". O canto singelo, sem esforço, somado a imagem da capa, é o suficiente para nos fazer se apaixonar pela Hardy. Atenção para seu "yé-yé" cantado ao final.
A instrumentação simples que domina boa parte do disco (um violão rítmico que mais parece uma vassourinha (?), uma guitarra de crueza calorosa e um baixo saltitante) soa quase cômica em "Oh oh chéri" (Bobby Lee Trammell). Canção muito carismática, mesmo com tão pouco. Esse arranjo enxuto se contrapõe as grandes produções do yé-yé, transparecendo exuberância na simplicidade. O mesmo vale para "II est tout pour moi", essa com uma "bateria" (aka caixa) de captação magrinha, não querendo se sobressair ao que verdadeiramente importa: a Françoise Hardy.
Embora com trejeitos do surf rock, "Le temps de l'amour" tem o romantismo de uma livraria-café na Champs-Élysées da década de 1960. Quase me vejo andando com a Jean Seberg por lá. Desperta meu romantismo.
Adoro esse som reverberoso ao mesmo tempo que parece cantado ao pé do ouvido em "J'ai jeté mon coeur". A voz é tão charmosa que até esquecemos de admirar a irresistível guitarra.
A divertidinha "II est parti un jour", o "blues francês" "J'suis d'accord", a balada lindamente interpretada "C'est à l'amour auquel ja pense" fecham o disco.
O sucesso de Françoise Hardy transcendeu a França, o modismo, o yé-yé e as décadas. Da Rita Lee ao Beach House, passando por Eurythmics, Air, Avalanches e Beck, todos beberam dessa fonte. Ela lançaria outros álbuns tão bons quanto posteriormente (ou até melhores), mas é sempre bom começar do começo.