quinta-feira, 29 de maio de 2025

TEM QUE OUVIR: Sufjan Stevens - Illinois (2005)

Em tempos onde a qualidade composicional foi posta em dúvida, Sufjan Stevens se destacou amparado justamente por esse talento. Em 2005 ele deu inicio a um projeto ambicioso - que posteriormente abandonaria - de traçar a cada disco um panorama dos 50 estados norte-americanos. Apesar da ideia fracassada, Illinois (Sufjan Stevens invites you to: Come On Feel The Illinoise) - trocadilho em homenagem ao Slade -, abordando seu estado natal, Michigan, é indiscutivelmente uma pérola deste século.


Seu inicio introspectivo é convidativo ao revelar a voz graciosa do Sufjan em "Concerning The UFO Sighting...". Assim como o suposto OVNI avistado por policiais de Illinois, seu primeiro contato impressiona.

Uma das grandes marcas do álbum são seus arranjos quase sinfônicos (não o são por recurso). Com tímpanos iniciais, coro de vozes, flautas, oboé, dentre outros instrumentos tocados exclusivamente pelo Sufjan, "The Black Hawk War" é encantadoramente majestosa.

Num 5/4 progressivo, "Come On! Feel The Illinoise!" relembra Chicago como centro do novo mundo. Musicalmente ela aproxima o folk do indie pop e, até mesmo, de estruturais composicionais do Steve Reich, vide o uso do vibrafone em frases repetitivas sobrepostas. Há ainda uma citação a The Cure numa linha de sax. Isso tudo, mais uma vez, sem perder a graça.

O lindo violão dedilhado, as notas do piano e o canto delicado em "John Wayne Gacy, Jr.", com terna tristeza, trata da infância de um assassino em série local. Impossível passar indiferente

Com contraponto de banjo, baixo, guitarra, violão e violinos, além de metais belissimamente arranjados, "Jacksonville" é folk-prog envolvente.

A música country é a base de "Decatur, or, Round Of Applause For Yout Stepmother", aqui inserindo além do banjo e da guitarra, um típico acordeom. Sua vozes ao final por sua vez tem algo de chamber pop à la Beach Boys. As pausadas ao fundo traz a sensação de performance ao vivo e espontânea.

Embora de sonoridade cristalina, um contraponto deste álbum ao que se era produzido no período está em seus timbres completamente orgânicos, sem recurso humano ou equipamento caríssimos. Nada disso faz com que ele não chegue a momentos grandiosos, vide a riqueza de "Chicago", de arranjo orquestrado triunfante. Brian Wilson adoraria.

Ambientado num dia de feriado em homenagem a um herói local, a acústica "Casimir Pulaski Day" soa como um hino tipicamente americano, mas mais bela (e triste) ao abordar a uma doença terminal de uma garota. 

Outro herói local homenageado é o Superman, agora em "The Man Of Metropolis...", única canção em que a guitarra fala alto no disco.

É de se destacar o apelo/bom gosto melódico somado ao arrojo quase erudito embutido em canções como "Prairie Fire That Wanders About". Isso se revela também em "The Predatory Wasp Of The Palisades Is Out To Get Us!", canção pop, mas com elementos da música minimalista em sua composição. Atenção ainda para, obviamente, os nomes surreais que batizam as faixas.

Trafegando em torno de cidades fantasmas, "They Are Night Zombies!!" é um folk-progressivo intrincado. Sua construção é riquíssima. 

Interessante perceber o elemento cultural do cristianismo no tema de "The Seer's Tower", algo que reverbera em diversos ponto do disco, mas que aqui, através do arranjo pra piano e coro, toma um rumo sacro.

A longa "The Tallest Man, the Broadest Shoulders Part 1" tem como base para seu complexo desenvolver a sonoridade de bandas marciais de colégio. Seu rebuscado arranjo mais uma vez traz a influência da música erudita e do rock progressivo para um contexto indie 00's.

Há ainda no disco algumas vinhetas que complementam o todo e que, mesmo isoladamente, impressionam por sua categoria. Destaque para "To The Workers...", de piano arpejado, guitarra com reverb e tremulo de mola, bateria imagética e trompete melancólico.

Completamente calcada na música minimalista do século XX, "Out Of Egypt..." é um desfecho complexo/abstrato/delirante para um álbum que não subjuga o ouvinte.

Não são muitos os artistas deste século que nos fazem convencer que 22 duas faixas e 74 minutos num disco conceitual são realmente algo a não se perder. Sufjan Stevens nos apresentou o seu mundo e, posteriormente, nos manteve nele através de outros ótimos álbuns. Álbum tão ambicioso quanto convidativo.

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