sexta-feira, 29 de agosto de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Fleetwood Mac, Terje Rypdal, High On Fire, Emílio Santiago e Edson Gomes

Fleetwood Mac
Tudo bem, todo mundo sabe que o Rumours (1977)
é fantástico, mas acho que vale pontuar que o Fleetwood Mac (1975) é tão bom quanto. Um dos grandes discos da história do pop rock, tanto pelas maravilhosas composições, quanto pela sonoridade orgânica e performances inspiradas. Lindsey Buckingham chegou querendo mostrar serviço. Estão aqui algumas das suas melhores guitarras.

Terje Rypdal
Conceituado guitarrista norueguês. Não sei quem influenciou quem, mas a linguagem que o Jeff Beck veio a desenvolver (trabalhando alavanca, bends expressivos, dinâmica e uma sonoridade quase etérea) já é explorada no After The Rain (1976), lançado pela ECM (com essa capa e proposta, só poderia ser). Que guitarrista expressivo! Vale muito a audição pra quem toca guitarra.

High On Fire
Death Is This Communion (2007), disco poderoso dessa banda que tão bem faz a ponte entre o stoner e o sludge. A produção é do Jack Endino. Pesadão. Bom pra ouvir na academia. 

Emílio Santiago
Vire e mexe surge entre amigos o papo de “melhores” cantores da música brasileira. Percebo que, finalmente, o nome do Emílio Santiago começa a ser citado. Nada como a lacuna para passarmos a valorizar que no dia a dia fazia do canto popular uma arte da maior grandeza. Pensando nisso, eu também andei revistando seu repertório, passando pelas Aquarelas Brasileiras, mas principalmente me concentrando no elegante Amor de Lua (1981), com direito a ótimas harmonias e melodias. Poucos cantam samba com o lirismo interpretativo do Emílio. Ouvi também o Mais Que Um Momento (1983). muito mais pop, com direito a grandes grooves e tremendos arranjos de metais, vide “Desfigurado”, “Todos os Tons” e a faixa título do álbum. Tudo proporcionado com ajuda de nomes como Serginho Trombone, Oberdan, Paulo Braga, Márcio Montarroyos, Lincoln Olivetti, Robson Jorge, Jamil Joanes, Junior Mendes, Piska, Paulinho Tapajós, Sergio Della Monica, dentre outros. Impressionante né?

Edson Gomes 
Há tempos eu venho observado um hype - sem juízo de valor - ao Edson Gomes, um outrora indiscutíveis lenda do reggae brasileiro restrito a um nicho de ouvintes, mas que agora parece tá angariando novos públicos (inclusive de classe média branca). Bom pra ele. A comprovação disso veio com a confirmação de um show dele no Lollapalooza. Inimaginável por mim há 5 anos atrás. Dito isso, não nego que nunca fui seu público, embora o conheça há muito tempo. Mas peguei pra escutar o Reggae Resistência (1988) e Campo de Batalha (1992) pra ouvir. São seus álbuns mais escutados no Spotify. De cara me animou o nome dos discos, fugindo do estereótipo “reggae cachoeira” que impregnou o estilo no Brasil. Não há como não valorizar o conhecimento de causa e honestidade que o Edson Gomes imprime no seu som. Os álbuns são bons, principalmente devido às composições e performances. Na produção falta uma atmosfera difícil de descrever, mas que somente os jamaicanos parecem conseguir extrair (nem mesmo os ingleses conseguem). É muito legal ouvir com guitarra em mão, solando em cima. Feliz por conhecer melhor a música do Edson Gomes, um legítimo representante do reggae brasileiro. 

sábado, 23 de agosto de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Divine Heresy, Shack, Lou Reed e Boris

Divine Heresy
Bringer Of Plagues (2009). Cheguei a conclusão que o Dino Cazares é um dos grandes guitarristas base da história. Sua pegada, precisão e timbre é impressionante. Dito isso, é um disco meio besta, que vai interessar só quem curte um “metalzão pra puxar ferro”. Eu curto!

Shack 
Tava escutando o Waterpistol (1995) e cheguei a conclusão que quanto menos badalada é uma banda de britpop noventista, melhor ela é. Basta olharmos para os medalhões e ver em que posição está o Suede no clamour popular. Voltando ao disco, há excelentes e versáteis canções. Tem faixas com groove à la “Live se tivesse dado certo” (“Sgt. Major”), baladas psicodélicas lindíssimas (“Stranger”) e muito de jangle pop. Me empolguei tanto que fui até ouvir o H.M.S. Fable (1999) na sequência. Mais um tremendo álbum, soando entre o power pop do Teenage Fanclub e o alt-country do Wilco, mas com doses de psicodelia. Banda subestimada.

Lou Reed
O Barcinski fez um disco mencionando seus discos prediletos do Lou Reed e eu aproveitei pra ouvir algumas coisas. Achei curioso como o Sally Can’t Dance (1974), de algum modo, em termos de sonoridade, me remeteu aos discos que o Raul Seixas fez no final da década de 1970. Vale dizer que tanto o Lou quanto o Raul se destacam mais pela letra e atitude que pela qualidade vocal. Em comum a ambos também estão os vícios. Voltando a música, vale dizer que o guitarrista Danny Weis arrebenta por todo o disco. Falando em guitarra, ouvi também o clássico The Blue Mask (1982), onde o Lou e o grande Robert Quine distribuem excelentes guitarras em perfeita interação. É discaço! Por sua vez, é o Bob Kulick que toca no ótimo Coney Island Baby (1975). Tô começando a achar que o Lou Reed está pra guitarra no “rock alternativo” assim como o Ozzy tá pra guitarra no heavy metal. Pensa bem, faz muito sentido. 

Boris
O Boris vai tocar no Brasil e eu resolvi dar uma repassada por alguns discos. Lembrei que o Fantano falou sobre o Feedbacker (2003) ao mencionar pérolas do post-metal e fui ouvir com maior atenção. É o tipo de proposta que demora pra decolar. Muito feedback (só poderia), distorções volumosas (captadas de maneira orgânica), drones e progressões lentas. Para alguns pode ser um marasmo, mas também pode ser agradavelmente inebriante.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

TEM QUE OUVIR: Syd Barrett - The Madcap Laughs (1970)

A loucura sempre foi um chamariz no campo artístico. Se não gera clamor comercial de imediato, com o tempo traz atenção e prestigio para artistas tidos como malucos no seu tempo. Isso aconteceu com Van Gogh e, no meio musical, com tantos outros, vide Brian Wilson, Peter Green, Skip Spence, Daniel Johnston, Arnaldo Baptista e Lanny Gordin. Agora, se antes de um surto psíquico, o artista consegue mudar os rumos do rock com um trabalho aclamado, como o clássico debut do Pink Floyd - The Piper At The Gates Of Dawn, de 1967 -, ai o culto é quase imediato.

Estando no centro criativo da ebulição contracultural que foi o rock psicodélico, Syd Barrett foi um dos que mais abusou do uso de LSD, despertando comportamentos erráticos, até chegar o diagnóstico de esquizofrenia, que o afastou não só do Pink Floyd, mas da música. Não sem antes - com ajuda dos amigos David Gilmour e Rogers Waters -, gravar um álbum solo, o experimental The Madcap Laughs (1970).

É um equivoco ouvir esse disco esperando grande acabamento. Isso não se dá nem por escolhas estéticas, nem pela capacidade técnica do Syd. Ainda assim, as canções revelam brilhantismo melódico/lírico mesmo diante de gravações caseiras lo-fi (se assemelhando a demos). Isso é exposto logo na canção que abre o disco, "Terrapin", um blues folk tão simples quanto irresistível.

Acompanhado por parte do Soft Machine - incluindo o o Robert Wyatt, que arrebenta com suas levadas nada uniformes na bateria -, "No Good Trying" soa como um sonho vertiginoso que não dá para saber onde vai desaguar. Adoro o canto falado do Syd. O grupo o acompanha também na simpática "Love You". Vale perceber aqui a crueza da gravação, que mesmo diante de ótimos músicos, revela a organicidade de uma jam feita as pressas.

A guitarra abelhuda e brilhante do Syd domina "No Man's Land". Quantas bandas de indie rock não gostaria de tirar esse som? 

Poucas canções falam tanto sobre Syd quanto "Dark Globe". Sua letra é estranha, meio delirante, muito emotiva. Tanto que seu canto aqui surge de maneira mais voraz, acompanhada por um violão de acordes martelantes. 

"Feel" guarda as mesmas características. Seu desenvolvimento é imprevisível, sendo que os acordes no meio parecem improvisados, de tão tortuoso que são os caminhos harmônicos. A letra e a performance comprovam esse senso de improviso. 

Com desafinações e até um erro inicial, "If It's In You" é o canto do cisne de uma mente em ebulição. Um registro mágico.

É legal ouvir Syd e Gilmour unidos em "Octopus", quase apontando o que aconteceria se eles tivessem tido mais tempo de trabalharem juntos no Pink Floyd. O mesmo vale para "Long Gone", sendo que aqui é a mão do Roger Waters que aparece com maior força.

"Golden Hair" é uma pérola. Seu violão soa quase como um drone. A melodia é tão linda quanto dramática e assustadora. A música parece reverberar no nosso subconsciente. A letra é baseada num poema do James Joyce. Maravilhosa!

Já a derradeira "Late Night" é marcada por um slide ébrio tocado com um isqueiro. 

Confeccionado pela Hipgnosis, com uma foto do Mick Rock, a capa resume bem o estado do Syd: um jovem solitário pela dificuldades impostas por suas ações e condição. Posteriormente, ainda foi lançado outros discos, grande parte com sobras de estúdio. Syd Barret ficaria recluso, levando uma vida silenciosa até sua morte em 2006 aos 60 anos, carregado durante esse período o fardo de "diamante louco".

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Paulo Moura, Arlindo Cruz & Sombrinha, Mötley Crüe, Raul Seixas, Santana e Virgin Prunes

Paulo Moura
Não sabia o que ouvir antes de dormir, Paulo Moura pareceu boa opção. Peguei o Mistura e Manda (1983), que eu nunca tinha escutado. Raphael Rabello é quem comanda o violão de 7 cordas, voando alto nos ótimos choros. Além de toda riqueza, há também solaridade de espírito. Disco lindíssimo.

Arlindo Cruz & Sombrinha
Samba é a Nossa Cara (1997). Arlindo Cruz morreu e eu lembrei desse disco que conheci num post do Tônico Manoel. Lançado no auge do pagode noventista, esse álbum tem o astral do período, mas com um acabamento/instrumentação/lirismo mais tradicional. A interação dos sambistas é esplêndida. O fino do gênero lançado numa época erroneamente mal vista.

Mötley Crüe
Tudo bem, é uma patifaria, é datado… mas Dr. Feelgood (1989) é um tremendo disco de rock n’ roll. Talvez o último suspiro do hair metal. Mick Mars tocando muito, produção inventiva do Bob Rock, composições cativantes. É o suficiente.

Raul Seixas
Motivado pelas comemorações de seus 80 anos, sua série biográfica e a exposição em sua homenagem, tenho escutado muito Raul Seixas, um dos artistas da minha vida, que gosto até do que é ruim (por questões emocionais). Sua década de 1970 é toda espetacular, mas gostaria de destacar o negligenciado Por Quem Os Sinos Dobram (1978), onde ao menos 3/4 do repertório é espetacular. A década de 1980 já é mais problemática mesmo, mas sempre com algum achado no meio de cada disco. Abre-te Sésamo (1980) é o mais redondo mesmo. Eu recomendo ouvir tudo, mas da fase oitentista por sua conta em risco.

Santana
Tava escutando o álbum Santana (1969), o debut do guitarrista, justamente admirando o timbre e fraseado dele. Me veio na cabeça “que pena que ele migrou pro som fraquíssimo do Supernatural (1999)”, só que me dei conta que nunca ouvi o disco na íntegra. Fui ouvir e não achei tão ruim. Na verdade achei um bom álbum pop. Muito bem tocado (as baterista são ótimas), arranjado, mixado e com canções verdadeiramente memoráveis. Fora que é curioso pensar que esse foi o momento com menos solos de guitarra (auge do britpop, new metal, post-grunge e rock alternativo), mas o Santana alcançou enorme sucesso sem poupar solos. E ele tava tocando demais. O fraseado e o timbrão ainda estão lá. Grata surpresa, derrubando meus próprios preconceitos.

Virgin Prunes
Vi certa vez o Massari falando muito bem dessa banda irlandesa muito influente pro cenário punk/gótico/alternativo do país. Pelo que entendi, o guitarrista é irmão mais velho do The Edge. O álbum …If I Die, I Die (1982) pareceu um destaque, então fui conferir. Achei de certa forma bem experimental. As canções não tem forma e arranjos convencionais, com direito a bateria tribais e guitarras fazendo somente ruído. Algumas faixas parecem remeter a um tipo de canto folclórico por mim desconhecido (vide “Sweethome Under White Clouds”). Não fez minha cabeça, mas vale conhecer.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Bandas/Artistas da Palestina

Esse período da história vai ser lembrado - dentre outras coisas - pelo silêncio diante do massacre em Gaza, onde o povo palestino está sendo alvo de um genocídio por parte de Israel e seu governo colonialista e racista.

Se o males do sionismo já são conhecidos há décadas, agora eles vem ganhando proporções indefensáveis até por aqueles que antes faziam. O número de mortos de civis palestinos - e bote na lista crianças, mulheres, idosos, médicos, professores, jornalistas -, além de ataques a postos de abastecimento de alimentos e de energia, aniquilam qualquer aparência democrática e civilizatória de Israel.

Artistas dos mais variados - Massive Attack, Kneecap, Brian Eno, Roger Waters, Eric Clapton, Bob Vylan, Damon Albarn, Dua Lipa, FBC - em maior ou menor grau, já se manifestaram pró-Palestina, mas tantos outros ficaram em silêncio ou, pior, apoiam o sionismo.

Dito o que tinha pra dizer, trago aqui alguns artistas da música palestina. Confesso ter sido uma pesquisa superficial, mas suficiente para valorizar, apreciar e humanizar uma população tão sofrida, honrosa e rica.

Tamer Abu Ghazaleh, Maryam Saleh, Maurice Louca, Ghazaleh - Lekhfa (2017)
Certa vez vi uma lista com o disco melhor avaliado de cada país pelo RYM. Da Palestina era esse. Pelo que vi, somente o Tamer Abu Ghazaleh é palestino, mas além de ser cantor/compositor/multi-instrumentista, ele é um agitador cultural. A sonoridade deste disco é espetacular e bastante particular. Tem algo de "blues árabe eletrônico" (na falta de uma definição melhor). Que instrumento de corda é esse? Muito bem produzido e com cantos belíssimos e, de certa forma, bastante palatável até por quem não tem familiaridade com esse tipo de sonoridade. Ultra recomendado.

Kamilya Jubran
A pergunta que fiz acima, sobre qual instrumento de corda acústica ali ouvi, pode ser respondido aqui, já que a Kamilya Jubran é uma formidável instrumentista que domina muito bem o oud (da família do alaude) e o qanun. Ela já fez colaboração tanto com o Tom Morello quanto com o Calle 13. Embora toque instrumentos tradicionais, sua música parece tomar rumos nada ortodoxos. Temas de autodeterminação rondeiam suas composições.

Le Trio Joubran
Procurando sobre tais instrumentos, cheguei a esse trio virtuoso, que explora os oud em totalidade. Não por acaso, já que consta que os três são filhos de um renomado fabricante do instrumento. Quem toca guitarra deve conferir com atenção. 

Nai Barghouti
Aqui o caldo entorta de vez. Uma espetacular cantora de voz lírica que caminha entre o jazz, o erudito e a tradição da música árabe. Seu virtuosismo é explicito.

Faraj Suleiman
Talentoso pianista/cantor/compositor. A canção abaixo foge de qualquer estereótipo que alguém possa fazer da música palestina. Na real é quase um "neo-tango" com traços de música francesa. Muito bem tocado e gravado. O clipe é muito bonito também, contendo colaboração do Banksy (olha aí mais uma provável ponte do Massive Attack com a Palestina).

Ramallah Underground
Dado o enorme nível de tensão sofrido na Faixa de Gaza, não é de se estranhar o surgimento de uma nova geração que dê voz através do rap para as mazelas ali sofridas. Esse grupo é um dos precursores deste movimento. Há um hibrido sonoro com a música do oriente médio. É interessante e, acima de tudo, necessário.

Sama' Abdulhadi
Antes de começar essa lista, nem cogitei que acharia algum DJ de techno palestino. Mas tem e é uma mulher. E ela, por mais que tenha enfrentado problemas em seu país, é muito ativa em defesa a sua autodeterminação. E pra melhorar: seu som é bem legal e encorpado.

Rasha Nahas
Mais uma talentosa artista. Linda voz e repertório variado, indo de canções pop orgânica muito bem feitas, até um rock sujo. É quase uma PJ Harvey palestina. E toca guitarra! Bem legal.

Al-Bara'em
Inclusive, procurando bandas de rock da palestina, cheguei nesse grupo da década de 1960. O som não é nada demais, mas vale pela curiosidade.

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

TEM QUE OUVIR: Meshuggah - Nothing (2002)

Quem acompanha o metal no século XXI não passou ileso pelo djent (também conhecido como math metal). Se para o público comum termo/subgênero não significa nada, dentro do segmento dos sons pesados ele ditou diversas tendências. Grupos como Animals As Leaders, Periphery, Polyphia, TesseracT e, até mesmo, novas estrelas do cenário como Spiritbox e Sleep Token, para o bem ou para o mal, incorporam essa estética ao seus estilos.

E do que se trata o djent? Pra começar, o nome do gênero é uma onomatopeia do som de suas guitarras. Ou seja, aquele som abafado de palm-mute, somado a timbres de afinação baixa distorcidos apertando frequências altas. A produção digital moderna também é uma forte característica. Entenda com isso um peso cristalino, grave e comprimido, além de milimetricamente editado. Confuso? Melhor então partir pra audição, sendo Nothing (2002) do Meshuggah uma tremenda introdução.

Os suecos do Meshuggah foram não somente responsáveis por desenvolver o gênero desde seu estado embrionário, como chegaram num nível de excelência impressionante, tornando-se referência do estilo. Mesmo o nome djent quem deu foi o guitarrista do grupo, o estranho Fredrik Thordendal, que equiparado de guitarras de 8 cordas (!!!), desenvolveu um estilo monolítico, onde mais que velocidade e quantidade de notas, prevalece a precisão, densidade, pegada e a interação rítmica complexa com o brilhante baterista Tomas Haake. 

Nothing é o quarto lançamento do grupo, mixado as pressas antes de entrarem num Ozzfest que lhe renderia maior popularidade. Insatisfeitos com a produção, em 2006 chegaram a fazer nova mixagem, masterização e, até mesmo, a regravar algumas guitarras e baterias. Honestamente, acho que a versão original de 2002 serve como um recorte mais preciso do tempo.

"Stengah" abre o disco já virando o ouvinte do avesso com um riff de duas notas (uma delas com bend lentamente doentio), além de ataques enlouquecedores nos pratos. A primeira impressão é de confusão por conta de ritmo aparentemente desconexo. Mas na base da insistência, a força da proposta vai perfurando nossa massa cefálica até nos levar a um aflorar epilético. Vale se atentar ao solo de guitarra, trazendo ecos fusion influenciados pelo Allan Holdsworth. 

"Rational Gaze" foi o single do álbum, o que não quer dizer grande coisa, já que ela não é nada palatável para o ouvinte de primeira viagem. Mas é um cartão de visita que cativa através de seus riffs ritmicamente complexos seguidos de pauladas num prato china e bumbos tão lineares quanto um ovo rolando ladeira abaixo. Por mais berrada que seja a voz do Jens Kidman - e com letras com mensagens indecifráveis -, seu refrão aqui é memorável. A faixa se desenvolve de maneira espantosamente violenta, outside (que raio de solo é esse!) e estranha. Performance sinistra!

As polirritmias e compassos ímpares típicos do grupo (e do djent) joga o ouvinte pra trás logo no inicio de "Perpetual Black Second". O ritmo pra eles é um elemento tão fundamental que até mesmo a linha vocal prioriza o ataque rítmico em detrimento a melodia. O resultado é de enorme impacto.

Há um groove torto e irresistível no meio de toda essa loucura, vide o que acontece em "Closed Eye Visuals", faixa de caminhos progressivos, com direitos a arpejos climáticos num timbre limpo de guitarra lá pelo meio da faixa.

Tomas Haake cria motivos jazzisticos com seus tambores no inicio de "Glints Collide". Sua performance por toda a canção é amedrontadora. O mesmo vale para "Organic Shadows", sendo que aqui as guitarras se entrelaçam ao groove de maneira ultra robusta.

"Straws Pulled At Random" parece feita para despirocar. Por mais complexo que seja, o resultado sonoro é muito vibrante. Atenção para seu bonito/melódico/climático solo de guitarra ao final, servindo de contraponto para o peso da base.

"Spasm" não poderia ter outro nome, já que ela leva a isso mesmo. Isso somado a disritmia. Mais uma vez o elemento jazzistico se faz valer na performance do Tomas Haake. Já a voz falada parece ter raiz no metal industrial.

As derradeiras "Nebulous" e "Obsidian" basicamente preservam o peso e inventividade que acompanha todo o disco. São exemplos do frescor inventivo que o Meshuggah trouxe para o comumente ortodoxo mundo do heavy metal.

Esse álbum definitivamente não vai agradar a todos, mas vale conferir por conta de sua intensidade alinhada ao vanguardismo. Muito do que tornou tendência, já era feito aqui. É possível que quem curte música experimental embarque mais que os tipicos headbangers, até porque é difícil balançar a cabeça ao som do Meshuggah.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

ACHADOS DA SEMANA: Ney Matogrosso, Pedrinho da Flor, Muzzarelas, Grandaddy e Jackyl

Ney Matogrosso
Assisti semanas atrás Homem Com H, o ótimo filme sobre o Ney Matogrosso, o que inevitavelmente me fez querer relembrar seus trabalhos, a começar pela sua estreia solo, Água do Céu - Pássaro (1975), meu disco solo predileto dentre entre os que ouvi. É psicodélico, experimental e recheado de grandes canções. Sua voz tá ótima, assim como as performances do Bruce Henry (baixo), Claudio Gabis (guitarra), Márcio Montarroyos (sopros). Vale dizer que a produção é do Billy Bond. Um dos grandes discos do rock brasileiro. Por sua vez, Bandido (1975) me pareceu um álbum bem menor, embora “Bandido Corazón” seja uma pérola pop irresistível. Álbum cheio de latinidade e, dentro dessa proposta, funciona. Pena que a produção não traga mais calor sonoro. Pra finalizar, assisti pela primeira vez o A Flor da Pele (1990), trabalho feito em parceria do Raphael Rabello, espetáculo de beleza, lirismo e qualidades interpretativas latentes. O repertório também é uma preciosidade. Soa inevitavelmente triste por conta do decorrer da vida do violonista e da epidemia da AIDS que circulava as relações de amor e amizades do Ney.

Pedrinho da Flor
Na Luz das Estrelas (1988). Álbum de samba (pode chamar de pagode também) lindíssimo, com canções, arranjos e performances impecáveis. Daqueles pra por ao acordar num domingo ensolarado enquanto acende a churrasqueira. A capa é um charme à parte. Muito bem gravado.

Muzzarelas
Jumentor (1996). Longe de ser uma maravilha, mas esse álbum é o típico disco que se escutado na época certa, forma toda uma identidade sonora. Punk rock eficiente, de produção crua que acho particularmente maravilhosa, com chimbal comendo na cara, caixa com som de caixa (raridade) e baixo espancado com a palheta soando como um peido (é um elogio). Infelizmente desapareceu esse tipo de sonoridade orgânica tipicamente do cenário alternativo brasileiro dos anos 90.

Grandaddy
The Sophtware Slump (2000). O Barcinski falou recentemente sobre esse disco e fui ouvir. Ele parece capsular muito do que era o rock alternativo pré-Strokes, trazendo ecos de Radiohead, Flaming Lips, Wilco e, com menor glamour, dos post-grunge. É um disco bonito, conceitual e cheio de elementos sonoros atraentes.

Jackyl
Jackyl (1992). Um disco de hair metal perdido no tempo, com pitadas moderadas de AC/DC e um vocalista de voz irritante/cômica. Não sei porque tinha salvo isso pra ouvir, mas provavelmente seja devido a produção do Brendan O’Brien, que até tirou um sonzão mesmo, mas nada memorável. Engraçado.