PAÍS DO BAURETS
sexta-feira, 29 de agosto de 2025
ACHADOS DA SEMANA: Fleetwood Mac, Terje Rypdal, High On Fire, Emílio Santiago e Edson Gomes
sábado, 23 de agosto de 2025
ACHADOS DA SEMANA: Divine Heresy, Shack, Lou Reed e Boris
segunda-feira, 18 de agosto de 2025
TEM QUE OUVIR: Syd Barrett - The Madcap Laughs (1970)
A loucura sempre foi um chamariz no campo artístico. Se não gera clamor comercial de imediato, com o tempo traz atenção e prestigio para artistas tidos como malucos no seu tempo. Isso aconteceu com Van Gogh e, no meio musical, com tantos outros, vide Brian Wilson, Peter Green, Skip Spence, Daniel Johnston, Arnaldo Baptista e Lanny Gordin. Agora, se antes de um surto psíquico, o artista consegue mudar os rumos do rock com um trabalho aclamado, como o clássico debut do Pink Floyd - The Piper At The Gates Of Dawn, de 1967 -, ai o culto é quase imediato.
Estando no centro criativo da ebulição contracultural que foi o rock psicodélico, Syd Barrett foi um dos que mais abusou do uso de LSD, despertando comportamentos erráticos, até chegar o diagnóstico de esquizofrenia, que o afastou não só do Pink Floyd, mas da música. Não sem antes - com ajuda dos amigos David Gilmour e Rogers Waters -, gravar um álbum solo, o experimental The Madcap Laughs (1970).
É um equivoco ouvir esse disco esperando grande acabamento. Isso não se dá nem por escolhas estéticas, nem pela capacidade técnica do Syd. Ainda assim, as canções revelam brilhantismo melódico/lírico mesmo diante de gravações caseiras lo-fi (se assemelhando a demos). Isso é exposto logo na canção que abre o disco, "Terrapin", um blues folk tão simples quanto irresistível.
Acompanhado por parte do Soft Machine - incluindo o o Robert Wyatt, que arrebenta com suas levadas nada uniformes na bateria -, "No Good Trying" soa como um sonho vertiginoso que não dá para saber onde vai desaguar. Adoro o canto falado do Syd. O grupo o acompanha também na simpática "Love You". Vale perceber aqui a crueza da gravação, que mesmo diante de ótimos músicos, revela a organicidade de uma jam feita as pressas.
A guitarra abelhuda e brilhante do Syd domina "No Man's Land". Quantas bandas de indie rock não gostaria de tirar esse som?
Poucas canções falam tanto sobre Syd quanto "Dark Globe". Sua letra é estranha, meio delirante, muito emotiva. Tanto que seu canto aqui surge de maneira mais voraz, acompanhada por um violão de acordes martelantes.
"Feel" guarda as mesmas características. Seu desenvolvimento é imprevisível, sendo que os acordes no meio parecem improvisados, de tão tortuoso que são os caminhos harmônicos. A letra e a performance comprovam esse senso de improviso.
Com desafinações e até um erro inicial, "If It's In You" é o canto do cisne de uma mente em ebulição. Um registro mágico.
É legal ouvir Syd e Gilmour unidos em "Octopus", quase apontando o que aconteceria se eles tivessem tido mais tempo de trabalharem juntos no Pink Floyd. O mesmo vale para "Long Gone", sendo que aqui é a mão do Roger Waters que aparece com maior força.
"Golden Hair" é uma pérola. Seu violão soa quase como um drone. A melodia é tão linda quanto dramática e assustadora. A música parece reverberar no nosso subconsciente. A letra é baseada num poema do James Joyce. Maravilhosa!
Já a derradeira "Late Night" é marcada por um slide ébrio tocado com um isqueiro.
Confeccionado pela Hipgnosis, com uma foto do Mick Rock, a capa resume bem o estado do Syd: um jovem solitário pela dificuldades impostas por suas ações e condição. Posteriormente, ainda foi lançado outros discos, grande parte com sobras de estúdio. Syd Barret ficaria recluso, levando uma vida silenciosa até sua morte em 2006 aos 60 anos, carregado durante esse período o fardo de "diamante louco".
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
ACHADOS DA SEMANA: Paulo Moura, Arlindo Cruz & Sombrinha, Mötley Crüe, Raul Seixas, Santana e Virgin Prunes
terça-feira, 12 de agosto de 2025
Bandas/Artistas da Palestina
Se o males do sionismo já são conhecidos há décadas, agora eles vem ganhando proporções indefensáveis até por aqueles que antes faziam. O número de mortos de civis palestinos - e bote na lista crianças, mulheres, idosos, médicos, professores, jornalistas -, além de ataques a postos de abastecimento de alimentos e de energia, aniquilam qualquer aparência democrática e civilizatória de Israel.
Artistas dos mais variados - Massive Attack, Kneecap, Brian Eno, Roger Waters, Eric Clapton, Bob Vylan, Damon Albarn, Dua Lipa, FBC - em maior ou menor grau, já se manifestaram pró-Palestina, mas tantos outros ficaram em silêncio ou, pior, apoiam o sionismo.
Dito o que tinha pra dizer, trago aqui alguns artistas da música palestina. Confesso ter sido uma pesquisa superficial, mas suficiente para valorizar, apreciar e humanizar uma população tão sofrida, honrosa e rica.
Tamer Abu Ghazaleh, Maryam Saleh, Maurice Louca, Ghazaleh - Lekhfa (2017)
Certa vez vi uma lista com o disco melhor avaliado de cada país pelo RYM. Da Palestina era esse. Pelo que vi, somente o Tamer Abu Ghazaleh é palestino, mas além de ser cantor/compositor/multi-instrumentista, ele é um agitador cultural. A sonoridade deste disco é espetacular e bastante particular. Tem algo de "blues árabe eletrônico" (na falta de uma definição melhor). Que instrumento de corda é esse? Muito bem produzido e com cantos belíssimos e, de certa forma, bastante palatável até por quem não tem familiaridade com esse tipo de sonoridade. Ultra recomendado.
A pergunta que fiz acima, sobre qual instrumento de corda acústica ali ouvi, pode ser respondido aqui, já que a Kamilya Jubran é uma formidável instrumentista que domina muito bem o oud (da família do alaude) e o qanun. Ela já fez colaboração tanto com o Tom Morello quanto com o Calle 13. Embora toque instrumentos tradicionais, sua música parece tomar rumos nada ortodoxos. Temas de autodeterminação rondeiam suas composições.
Le Trio Joubran
Aqui o caldo entorta de vez. Uma espetacular cantora de voz lírica que caminha entre o jazz, o erudito e a tradição da música árabe. Seu virtuosismo é explicito.
Talentoso pianista/cantor/compositor. A canção abaixo foge de qualquer estereótipo que alguém possa fazer da música palestina. Na real é quase um "neo-tango" com traços de música francesa. Muito bem tocado e gravado. O clipe é muito bonito também, contendo colaboração do Banksy (olha aí mais uma provável ponte do Massive Attack com a Palestina).
Mais uma talentosa artista. Linda voz e repertório variado, indo de canções pop orgânica muito bem feitas, até um rock sujo. É quase uma PJ Harvey palestina. E toca guitarra! Bem legal.
Inclusive, procurando bandas de rock da palestina, cheguei nesse grupo da década de 1960. O som não é nada demais, mas vale pela curiosidade.
sexta-feira, 8 de agosto de 2025
TEM QUE OUVIR: Meshuggah - Nothing (2002)
Quem acompanha o metal no século XXI não passou ileso pelo djent (também conhecido como math metal). Se para o público comum termo/subgênero não significa nada, dentro do segmento dos sons pesados ele ditou diversas tendências. Grupos como Animals As Leaders, Periphery, Polyphia, TesseracT e, até mesmo, novas estrelas do cenário como Spiritbox e Sleep Token, para o bem ou para o mal, incorporam essa estética ao seus estilos.
E do que se trata o djent? Pra começar, o nome do gênero é uma onomatopeia do som de suas guitarras. Ou seja, aquele som abafado de palm-mute, somado a timbres de afinação baixa distorcidos apertando frequências altas. A produção digital moderna também é uma forte característica. Entenda com isso um peso cristalino, grave e comprimido, além de milimetricamente editado. Confuso? Melhor então partir pra audição, sendo Nothing (2002) do Meshuggah uma tremenda introdução.
Os suecos do Meshuggah foram não somente responsáveis por desenvolver o gênero desde seu estado embrionário, como chegaram num nível de excelência impressionante, tornando-se referência do estilo. Mesmo o nome djent quem deu foi o guitarrista do grupo, o estranho Fredrik Thordendal, que equiparado de guitarras de 8 cordas (!!!), desenvolveu um estilo monolítico, onde mais que velocidade e quantidade de notas, prevalece a precisão, densidade, pegada e a interação rítmica complexa com o brilhante baterista Tomas Haake.
Nothing é o quarto lançamento do grupo, mixado as pressas antes de entrarem num Ozzfest que lhe renderia maior popularidade. Insatisfeitos com a produção, em 2006 chegaram a fazer nova mixagem, masterização e, até mesmo, a regravar algumas guitarras e baterias. Honestamente, acho que a versão original de 2002 serve como um recorte mais preciso do tempo.
"Stengah" abre o disco já virando o ouvinte do avesso com um riff de duas notas (uma delas com bend lentamente doentio), além de ataques enlouquecedores nos pratos. A primeira impressão é de confusão por conta de ritmo aparentemente desconexo. Mas na base da insistência, a força da proposta vai perfurando nossa massa cefálica até nos levar a um aflorar epilético. Vale se atentar ao solo de guitarra, trazendo ecos fusion influenciados pelo Allan Holdsworth.
"Rational Gaze" foi o single do álbum, o que não quer dizer grande coisa, já que ela não é nada palatável para o ouvinte de primeira viagem. Mas é um cartão de visita que cativa através de seus riffs ritmicamente complexos seguidos de pauladas num prato china e bumbos tão lineares quanto um ovo rolando ladeira abaixo. Por mais berrada que seja a voz do Jens Kidman - e com letras com mensagens indecifráveis -, seu refrão aqui é memorável. A faixa se desenvolve de maneira espantosamente violenta, outside (que raio de solo é esse!) e estranha. Performance sinistra!
As polirritmias e compassos ímpares típicos do grupo (e do djent) joga o ouvinte pra trás logo no inicio de "Perpetual Black Second". O ritmo pra eles é um elemento tão fundamental que até mesmo a linha vocal prioriza o ataque rítmico em detrimento a melodia. O resultado é de enorme impacto.
Há um groove torto e irresistível no meio de toda essa loucura, vide o que acontece em "Closed Eye Visuals", faixa de caminhos progressivos, com direitos a arpejos climáticos num timbre limpo de guitarra lá pelo meio da faixa.
Tomas Haake cria motivos jazzisticos com seus tambores no inicio de "Glints Collide". Sua performance por toda a canção é amedrontadora. O mesmo vale para "Organic Shadows", sendo que aqui as guitarras se entrelaçam ao groove de maneira ultra robusta.
"Straws Pulled At Random" parece feita para despirocar. Por mais complexo que seja, o resultado sonoro é muito vibrante. Atenção para seu bonito/melódico/climático solo de guitarra ao final, servindo de contraponto para o peso da base.
"Spasm" não poderia ter outro nome, já que ela leva a isso mesmo. Isso somado a disritmia. Mais uma vez o elemento jazzistico se faz valer na performance do Tomas Haake. Já a voz falada parece ter raiz no metal industrial.
As derradeiras "Nebulous" e "Obsidian" basicamente preservam o peso e inventividade que acompanha todo o disco. São exemplos do frescor inventivo que o Meshuggah trouxe para o comumente ortodoxo mundo do heavy metal.
Esse álbum definitivamente não vai agradar a todos, mas vale conferir por conta de sua intensidade alinhada ao vanguardismo. Muito do que tornou tendência, já era feito aqui. É possível que quem curte música experimental embarque mais que os tipicos headbangers, até porque é difícil balançar a cabeça ao som do Meshuggah.