quinta-feira, 6 de novembro de 2025

TEM QUE OUVIR: Lô Borges - Lô Borges (1972)

Imagine ter apenas 20 anos e demonstrar talento suficiente para um já cheio de moral Milton Nascimento (com 30 anos) apostar num trabalho em conjunto, convencendo até mesmo a gravadora Odeon a lançar um disco duplo, o clássico Clube da Esquina. Foi exatamente isso que aconteceu com o Lô Borges no ano de 1972. Com o inegável êxito artístico alcançado, a gravadora bancou os próprios passos do Lô, que mesmo sem repertório e sem saber exatamente o que fazer, já no mesmo ano topou produzir aquele que ficou conhecido como o Disco do Tênis.


Ao que consta, a timidez do artista fez com que ele não quisesse estampar seu rosto na capa do disco, mesmo sendo sua estreia solo. A sugestão foi "não quer mostrar a cara, então mostra os pés!". Há também a versão de que o tênis significava um "cair na estrada". Seja o que for, a foto de autoria do Cafi contendo um surrado calçado tornou-se icônica suficiente para apelidar o álbum.

Embora seja um álbum solo, parceiros do Clube da Esquina colaboram em sua confecção. Beto Guedes, Toninho Horta, Flávio Venturini, Nelson Angelo, Novelli, Robertinho Silva, além dos irmãos Danilo e Dori Caymmi são alguns que colaboram com o disco. Há ainda a parceria com o seu irmão, o letrista Márcio Borges. 

A abertura com "Você Fica Melhor Assim" é altamente rockeira e espontânea. O clima de gravação é de jam, orgânico. Há um entrosamento de groove espontâneo da cozinha. O solo de guitarra cheio de acidez aponta pra psicodelia. 

Em "Canção Postal" salta aos ouvidos a capacidade de criar harmonias e melodias sinuosas, complexas e ainda assim acolhedoras. É uma canção tão barroca quanto brejeira. 

Os acordes e frases pontuais de guitarra em "O Caçador" são a cara do Toninho Horta. Mas a composição em sim, com seu traço bucólico em simbiose ao apelo pop, é Lô Borges na essência.

Os compassos em 3/4 de "Homem da Rua" criam caminhos ainda mais rebuscados para a composição.

Embora com um tempero regional nordestino presente no ritmo e na instrumentação, a sucinta "Não Foi Nada" é tematicamente bem abstrata, desencadeando até mesmo numa certa densidade climática.

As canções do disco são em geral bem curtas, sendo a onírica "Pensa Você", o micro prog "Pra Onde Vai Você?" e a plenamente progressiva "Calibre" os maiores exemplos dessa concisão. 

É possível encontrar um apelo pop e beatlemaniaco na linda "Faça Seu Jogo", canção dona de arranjo de cordas belíssimo.

O elemento progressivo, somado até mesmo a capacidade jazzistica dos envolvidos, gera maravilhas singulares como "Não Se Apague Esta Noite".

Recentemente citada pelo Alex Turner (Arctic Monkeys), a estranha "Aos Barões" caiu no gosto do publico jovem indie. O solo carregado de fuzz e algo parecido com um cravo faz a faixa transitar entre o tropicalismo e o pop barroco inglês (ou legitimamente mineiro?). 

A triste "Como O Machado" revela Lô Borges como o compositor mais confessional entre os mineiros.

O violão ponteado em "Eu Sou Como Você É" traz uma aura psicodélica pra "música rural/brejeira" que não reconheço em nenhum outro lugar. 

A instrumental "Toda Essa Água" fecha o disco dando um desfecho progressivo. Com pouca divulgação e baixa vendagem, demorou para Lô Borges lançar o álbum seguinte. Restou a ele a estrada. Restou ao tempo o papel de fazer deste disco um clássico cult. Isso vindo de um artista que viria a alcançar sucesso comercial, fosse retroativamente com as faixas presentes no Clube da Esquina, com trabalhos seguintes e até mesmo em parceria com nomes como Samuel Rosa e Nando Reis.

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