terça-feira, 9 de setembro de 2025

TEM QUE OUVIR: Angela Ro Ro - Angela Ro Ro (1979)

Na virada da década de 1970, poucas mulheres foram mais transgressoras no Brasil que Angela Ro Ro. Com herança na canção popular brasileira, no jazz e no hippismo, tomou na juventude passos próprios por casas noturnas, bares cariocas, pubs londrinos, amizade com Glauber Rocha, participação no Transa (1972) do Caetano Veloso, mas também sofrendo com a truculenta ditadura militar. Conseguiu em 1979 um contrato com a Polygram para lançar seu disco de estreia, batizado simplesmente com seu nome artístico.

Compositora e pianista de mão cheia, criou um repertório único equilibrado não somente por seu lirismo, mas também por um caminho sonoro que parece combinar a dramaticidade da Maysa com a carga emotiva blues de uma Janis Joplin. O cheiro é de vulnerabilidade diante de um whisky noturno.

Acompanhada de músicos como Antônio Rodolfo (pianos), Rick Ferreira (guitarra), Téo Lima (bateria), além de João Baptista e Jamil Joanes revezando nos baixos, o disco traz arranjos enxutos e timbragens orgânicas polidas na medida. 

"Cheirando a Amor” é deliciosamente vagarosa. Seu canto entrega um romantismo doroloroso, temerário e confessional, entoado sem afetação. A canção soa ainda mais forte diante de seu lesbianismo corajoso.

A balada pianistica "Gota de Sangue" é de beleza harmônica, melódica e interpretativa. 

"Tola Foi Você" tem uma sofrência solidificada pela brilhante performance. Fora que “Tola foi você ao me abandonar" é um tremendo inicio de canção.

Falar de "Amor Meu Grande Amor" é chover no molhado. Canção histórica, de versos e refrão poderosos. Fundamental inclusive para o desenvolvimento do rock brasileiro, que encontraria sua ascensão comercial poucos anos depois.

Ao piano, "Me Acalmo Danado" tem a aura dos antigos sambas-canção. Ela é esfumaçada, noturna, solitária, entristecida. Ela retrata muito bem a alma da Angela Ro Ro.

Veloz e divertida, "Agito e Uso" é subversiva. A rouquidão da sua voz traz uma atitude genuína. Um rock n' roll certeiro nos moldes do que fazia Luiz Melodia, Elis Regina, Raul Seixas e Guilherme Arantes.

Aquele clima boêmio com a cara da zona sul carioca é tomado na maravilhosa "Mares da Espanha".

Naquele 3/4 que nos coloca no braço, "Balada da Arrasada" é irresistível. Seu piano blues, saxofone apaixonante e cozinha azeitada é de nos fazer secar uma garrafa de conhaque. Os excessos da Ro Ro chegam ao ouvinte. O mesmo vale para "A Mim E A Mais Ninguém", um convite a "correr perigo".

O impacto da Angela Ro Ro - tanto musical quanto em atitude - abrangeu diferentes gerações. Do Cazuza à Letrux, passando por Cássia Eller, Ney Matogrosso e todos nós que, em momentos de maior vulnerabilidade, encontram um ombro amigo em Angela Ro Ro (1979), um clássico inegável da canção popular brasileira. 

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