sexta-feira, 31 de outubro de 2025

TEM QUE OUVIR: Refused - The Shape Of Punk To Come (1998)

O punk rock e hardcore viveu momentos de ebulição na década de 1990. Fosse ascensão comercial do pop punk, do hardcore melódico ou da proliferação dos ideais sonoras e estéticos levantados pelo Fugazi, tudo isso gerou um monstrengo chamado post-hardcore. Curiosamente, o subgênero ganhou força via os suecos do Refused, que lançou 1998 o explosivo The Shape Of Punk To Come - qualquer semelhança com The Shape Of Jazz To Come do Ornette Coleman não é mera coincidência -, disco que catapultou o gênero e implodiu a banda


Embora não tenha sido bem recebido pela imprensa em seu lançamento, não demorou pro álbum reverberar entre uma nova geração, o que desencadeou em inúmeros grupos influenciados, incluindo até mesmo a cena emocore que explodiria comercialmente na sequência.

Esse é o terceiro álbum do grupo e tem como grande mérito soar tão ambicioso quanto intenso. Diferente gênero são incorporado no caldeirão do hardcore. Jazz, música eletrônica, heavy metal, pós-punk... tá tudo aqui de alguma forma.

A longa dobradinha "Worms Of The Senses / Faculties Of The Skull" abre o disco já expondo a energia dos riffs e do vocalista Dennis Lyxzén, dono de uma voz berrada, arranhada e afrontosamente jovial. A evolução da canção leva a paradas bruscas, grooves contagiantes, guitarras arpejadas e interferências eletrônicas. Perfeita pra ouvir socando o ar e gritando junto.

Intercalando calmaria crua (com baixo dub, caixa sem esteira e guitarra magrinha) e peso absurdo, "Liberation Frequency" é de construção singular.

O recorte jazzistico inicial de "The Dead Rhythm" introduz perfeitamente a cacetada rítmica da canção. Adoro como eles intercalam guitarras cristalinas com outras de peso absurdo. Há no meio da composição um encontro com o jazz, com direito a walking bass do Magnus Björklund e levadas espertas do baterista David Sandström.

A cozinha do grupo volta a tomar conta em "Summerholidays Vs. Punkroutine", faixa que soa como uma transposição temporal do Fugazi.

Embora seja apenas uma vinheta, é interessante a dinâmica que "Bruitist Pome #5" traz ao disco. É uma peça que poderia facilmente estar num disco do Aphex Twin. Vale dizer que o álbum é acompanhado de inúmeras vinhetas que finalizam e iniciam as faixas, dando ao trabalho um ar conceitual.

Há um enorme hit do disco em meio a tantas boas canções. É "New Noise", faixa que tornou-se sinônimo de energia. Ela é construída de maneira gradativa, chegando um ápice em seu emblemático "Can I scream?". É revigorante! Já virou um chavão utiliza-la em filmes/séries sempre que se quer trazer suspense e ação pra uma cena. 

A vitalidade da performance e da gravação presente em "The Refused Party Program" é acachapante. Vale notar aqui como, de algum modo, as linhas vocais do Dennis influenciou o screamo. Isso se dá tanto pelo seu estilo berrado quanto pela força emotiva que ele imprimi.

Há um aspecto intelectualizado que se manifesta ao longo do disco, sendo possível sentir isso claramente em "Protest Song '68". Isso se dá tanto na criação musical quanto na escrita.

A qualidade técnica da banda é explorada em "Refused Are Fucking Dead", canção de colorido timbristico, de dinâmica, de levadas. Tem baixo com wah-wah, guitarras variadas, inserções eletrônicas e mixagem como elemento de criação. 

"The Shape Of Punk To Come" é uma coleção de grandes riffs. Excelente timbre de baixo e performance do baterista.

"Tannhäuser/Derivè", a mais longa do álbum, é dona de grande complexidade. Sua introdução traz um violino choroso em meio a um ritmo consistente, desencadeando em versos que intercalam enorme euforia à momentos reflexivos. Chega a ser progressivo, com direito a citação da Sagração da Primavera do Stravinsky. A isso dou o nome de art-hardcore.

A acústica e bela "The Apollo Programme Was A Hoax" fecha o disco.

Poucos meses após o lançamento deste álbum, a banda se desfez, o que de certo modo ajudou na construção da lenda, posteriormente desencadeando em retornos. Mas continua sendo o The Shape Of Punk To Come um símbolo de um dos momentos mais inquietantes do hardcore.

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