Quando um estilo chega em seu apogeu de popularidade, é comum surgir tanto criações pasteurizadas, quanto artistas que extrapolam os limites estéticos do gênero. No caso do hip hop, o Death Grips talvez seja o maior representante desta incursão vanguardista do estilo.
Formado pelos perturbados MC Ride (voz), Zack Hill (bateria) e Andy Morin (programações), o Death Grips rapidamente viralizou com sua música altamente corrosiva, que une elementos de rap, industrial, noise e hardcore.
O primeiro álbum do grupo que eu ouvi foi o The Money Store (2012), fato determinante para que eu sinta que ele se sobressaia ligeiramente aos outros trabalhos do trio, embora a ousadia feroz não necessariamente tenha diminuído. Todavia, devo confessar que minha ligação com o disco não foi de paixão imediata. Diante de tamanho absurdo sonoro, nem sei se poderia ser. O som do Death Grips é um tratamento de choque que impermeia o ouvinte aos poucos. Mas quando bate, sai da frente!
"Get Got" abre o álbum com sintetizadores velozes incrivelmente cativantes fazendo cama para um flow "picotado", com destaque para o refrão improvavelmente ganchudo. Só que por mais corrosiva que a faixa soe, sua produção não é densa. Na verdade é até bastante lo-fi.
Ritmos metálicos e ruídos insistentes atuam como o presságio para os versos brutais de "The Fever (Aye Aye)", que mais parece cuspido na nossa cara. Sua parte B é estranhamente agradável em meio aos caos. Atenção para os sintetizadores. Uma faixa verdadeiramente insana.
A produção robótica de "Lost Boys" é não menos que torturante. É incrível como, mesmo cheio de buracos, ela soa completamente invasiva. Já "Blackjack" é uma união de graves musculosos com um flow sujo/dark/ríspido.
É bom se segurar na cadeira antes de dar o play em "Hustle Bones", dona de instrumental impecavelmente construído e de resultado poderoso. Tem frequências e ruídos ali capazes de sangrar nossos ouvidos enquanto nos faz bater a cabeça na parede.
É possível reconhecer influência dos momentos mais dançantes do hip hop oitentista no ritmo pulsante de "I've Seen Footage". Há uma sensibilidade "pop" no meio das vorazes distorções. Por outro lado, a complexa "Double Helix" invoca colagens de house music dentro de um contexto de confusão extrema.
Poucas faixas são tão viscerais quanto "System Bower", não só por seu instrumental riquíssimo em timbres e ritmos, mas também devido o flow provocativo do MC Ride. O mesmo vale para a paulada "The Cage", onde sintetizadores dialogam numa produção bizarramente luminosa e volumosa.
Com sua manipulação de som peculiar, "Punk Weight" mais parece na introdução o encontro do k-pop com afrobeat e dubstep no inferno. Seu desenvolver transporta o cenário para um manicômio.
Enquanto os ritmos complexos de "Fuck That" invoca a percussão afro (claro, numa linguagem bastante abstrata), a sequência com "Bitch Please" é um abrasivo estrondo de ganchos intoxicantes.
Fechando o álbum está a animadamente claustrofóbica "Hacker", dona de tantos elementos fantásticos que é inviável lista-los. Sua interpretação é transpirante (mas com sangue no lugar do suor). Uma aberração sintética, inventiva e enlouquecedora.
No meio deste floreio sônico, vale ainda se atentar ao lirismo absurdo das faixas - ainda que alguns momentos o significado seja indecifrável -, que faz de paranoias junkies e cenários violentos um ambiente profundamente natural para o MC Ride. Ele não é apenas gangsta, ele é doentio.
Passado o estranhamento inicial, o que fica do The Money Store é o frescor agressivo de um dos discos mais sui generis de todos os tempos. Exagero? Definitivamente não.
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