quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

TEM QUE OUVIR: Criolo - Nó Na Orelha (2011)

Embora tenha se passado poucos anos, definitivamente o cenário do rap nacional em 2011 não é o mesmo que o atual. Na época, com a estrada já pavimentada, o estilo voltara para o gueto após breve incursão ao mainstream 10 anos antes com Racionais, Sabotage, RZO, Xis, MV Bill, Rappin' Hood, dentre outros. Mas voltemos para 2009.


Com 35 anos, um disco na bagagem, anos de experiência em rodas de samba no Grajaú e tendo criado a Rinhas de MC's, o outrora Criolo Doido sentiu que já tinha feito sua contribuição para a cena cultural brasileira. Foi quando Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman o convenceram a gravar um disco derradeiro. Nascia o Nó Na Orelha.

Com forte influência do afrobeat - qualquer semelhança com "Expensive Shit" do Fela Kuti não é mera coincidência -, "Bogotá" abre o álbum com ritmo sacolejante, pulsante linha de baixo, ótimo arranjo de metais e uma "chamada de atenção" do Criolo. Seu canto é melódico e agradável. A sonoridade orgânica foi um diferencial dentro do hip hop nacional. Ainda que a faixa não seja propriamente "rap", a atitude é.

O single "Subirusdoistiozin" tem um beat atmosférico, baixo acústico e ótimos teclados. Tudo ditando um clima quase de trip hop. Mas é a interpretação fluída e o jogo de palavras criativo do Criolo o grande destaque da canção.

A melancólica "Não Existe Amor Em SP" foi a primeira faixa a chamar atenção do grande público, ganhando rapidamente status de clássico (e de slogan). O arranjo de cordas, o beat, os teclados e as guitarras criam um clima lindíssimo. Por mais que a canção tenha se tornado um clichê, lembro na época o frescor/impacto que ela teve.

De refrão marcante, beat "na cara" e violão trazendo a tradição do samba, "Mariô" é a primeira faixa em que o Criolo se joga nas rimas do rap. Seu flow é cheio de personalidade. Já o final invoca as origens africanas da música brasileira.

Expondo uma versatilidade impressionante, "Freguês da Meia Noite" remete a Waldick Soriano. Uma canção linda, sarcástica e primorosamente interpretada. A composição é a cara de São Paulo. Curiosamente, lembra até mesmo os momentos mais irônicos e bem humorados dos Mutantes. Linda melodia de violinos e teclado à la Lafayette.

Rimando com autoridade e criatividade em cima de beat pesado, "Grajauex" soa poderosíssima. Por outro lado, "Samba Sambei" traz o balanço do dub, mais uma vez expondo a versatilidade interpretativa do Criolo.

"Sucrilhos" é tão divertida quanto incisiva no texto. Seu refrão é excelente, parecendo prever o público classe média que viria a consumir sua arte. O flow e a produção puxa com sabedoria elementos do dancehall.

Calcado no samba - as semelhanças com “Tristeza Pé No Chão” são gritantes -, mas com atmosfera rebuscada no arranjo típica da Vanguarda Paulista e construindo afeto via os personagens da narrativa (A Turma da Mônica), "Linha de Frente" fecha brilhantemente o disco. É mais um refrão cativante e letra cheia de frases memoráveis ("O dinheiro vem pra confundir o amor").

Teve quem com prepotência considerou o trabalho do Criolo uma redenção do rap as armadilhas da "alta cultural mpbzista". Uma besteira. Só ouvi/li criticas negativas de amigos/jornalista que arrogantemente tentam identificar os anseios da periferia sem nunca ter vivido numa. Nó Na Orelha é o rap nacional genuíno, brilhante e de alcance retumbante.

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