sábado, 8 de fevereiro de 2020

TEM QUE OUVIR: Beyoncé - Lemonade (2016)

Sabe fatos consumados? Pois então, vou apontar um: a Beyoncé é gigante. Mas entenda, não digo isso da boca pra fora como forma de endeusa-la cegamente. A questão é que ela está há duas décadas lançando singles de sucesso, discos coesos, fazendo shows grandiosos, cantando e dançando com maestria, trazendo para o pop engajamento social e alegria... Resumindo, sendo uma grande artista. Como coroação definitiva de seu trabalho está Lemonade (2016), seu álbum mais versátil, corajoso e maduro.


Diferente do pop celebrativo de outrora, "Pray You Catch Me" abre o disco apontando para outra direção. O tom da canção é muito mais confessional, principalmente considerando o quase divórcio que ela enfrentou na época após traição do Jay-Z. É surpreendente ver um simbolo do empoderamento feminino numa canção tão vulnerável. Vale dizer que toda a construção da faixa é arrojada, com direito a respirações ofegantes na introdução, pianos dramáticos, bonita orquestração, interpretação vocal sincera/exuberante e cenário solitariamente reverberoso.

Via as mãos do Diplo, o calor do rocksteady jamaicano é explorado no single "Hold Up", mas sem apaziguar o clima, expondo na verdade um momento de quase insanidade. Atenção para a complexa acentuação rítmica do canto da Beyoncé. Vale dizer que entre os que assinam a composição está o Josh Tillman (Father John Misty).

A sujeira que o Jack White traz para a produção de "Don't Hurt Yourself" acentua a fúria da Beyoncé. Adoro a bateria ledzeppelinana, a saturação vocal, o hammond, as cordas, a interpretação com raiz no blues... a composição como um todo.

A produção estranhamente sintética de "Sorry" serve "apenas" de cama para a (falsa?) superação da Beyoncé. A canção funciona dentro do arco narrativo. Seu flow é bastante variado ao longo da canção.

Por mais que eu não seja grande entusiasta do The Weeknd, o tom sexy que Beyoncé impõe em "6 Inch" é suficiente para cativar o ouvinte (ainda que, como sabemos, a vida de uma stripper não seja nada glamourosa). Fora que os graves, beat e arranjo (o final é majestoso) também são ótimos. O refrão é uma amostra de como usar o auto-tune com inteligência.

Como contraponto sonoro, está o clima orgânico do country/jazz à la New Orleans de "Daddy Lessons", onde há não somente uma ótima homenagem ao seu pai, mas também uma excelente performance da Beyoncé. E o Jay-Z que se cuide, caso contrário o tiro vai nele.

"Love Drought" é brilhante ao alinhar baixos e arpejos sintetizados num ritmo espaçado que realça a passionalidade, decepção, fragilidade e a doçura interpretativa da Beyoncé.

A balada pianística "Sandcastles" é um mergulho na fossa. Seria brega se não fosse tão bonita, dramática e contextualizada dentro da evolução e temática do disco. O desaguar na curtinha "Forward", interpretada profundamente pelo James Blake, beira a perfeição.

Difícil apontar o que há de melhor em "Freedom": o instrumental vibrante, a produção visceral (com as mãos do Just Blaze), a força politica da letra, o verso do Kendrick Lamar, a voz da Beyoncé... Um espetáculo.

O desfecho com a sexy "All Night" soa como uma resolução feliz após a turbulência no relacionamento. Destaque para o baixo do grande Marcus Miller.

Embora resolvido na temática, é o hit "Formation" que encerra o disco. Na faixa, em cima de uma beat de trap, a Beyoncé parece arrancar de sua voz a força de seus ancestrais. Um single não menos que poderoso.

Ao despir-se expondo suas fragilidades, a Beyoncé humanizou sua simbolologia com uma obra de êxito sonoro indiscutível.

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