sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

TEM QUE OUVIR: Kanye West - My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010)

Kanye West despontou neste milênio como um dos grandes personagens do rap, seja na linha de frente ou nos bastidores de produções. Entretanto, sua personalidade confusa e contraditória foi gradativamente chamando mais atenção que seu trabalho musical, culminando em ataques direcionados a Taylor Swift, Barack Obama ou quem quer que fosse.

Foi quando em 2010 ele deu uma nova guinada musical em sua carreira, se jogando na megalomania paranoica de sua persona. O resultado foi My Beautiful Dark Twisted Fantasy, álbum tratado como clássico por boa parte da imprensa já em seu lançamento. Ele é chamativo desde a capa, desenvolvida pelo Virgil Abloh.


Ignorando as delimitações do hip hop, Kanye cria elementos dramáticos e grandiloquentes alinhados a um instinto pop. Acima de tudo, o disco é uma coleção de ganchos atraentes e altamente fixantes, a começar pela linda melodia nas vozes de Justin Vernon e Teyana Taylor na introdução-refrão de "Dark Fantasy".

É preciso atentar para as parcerias neste álbum, vide as presenças do Kid Cudi e Raekwon em "Gorgeous", faixa com timbres e forma bastante próxima a uma canção de rock, principalmente no que diz respeito ao refrão, melodia de guitarra e a voz saturada. Como um todo, a música soa repetitiva, embora interessantemente incisiva nas questões raciais

Poucas composições de rap são tão glamourosas quanto "Power", que já abre com um canto tribal marcante para logo depois ser tomada por um beat estrondoso, inesperado sample de King Crimson e a interpretação convicta do Kanye. Adoro também os sintetizadores arpejados ao final da canção. Definitivamente uma faixa poderosa.

Abraçando o pop, ainda que sem abandonar o tom épico, "All Of The Lights" é o melhor momento da Rihanna em toda a sua carreira. O refrão é uma vasta amostra de ganchos, vide a melodia vocal, os horns sintetizados e o beat intrincado. Tudo isso com uma produção excessivamente "na cara".

Falando em produção, é cavalar os timbres de "Monster". As presenças do Jay-Z e Rick Ross elevam ainda mais o peso e a energia da canção. A sequência com "So Appalled" acentua a escuridão através de um beat inusitado.

Há uma verdadeira exuberância no approach soul de "Devil In A New Dress", contido desde as vozes chorosas, passando pelo arranjo de cordas ao fundo, o groove espaçado de bateria e o solo de guitarra. É perceptível também a entrega do Kanye ao declamar a letra.

A aclamada "Runaway" tem em seu piano inicial uma melodias tão minimalista quanto convidativa, alçada numa batida grave e atmosférica. Se o flow do Kanye ao longo da canção nunca saltou aos meus ouvidos, em compensação o refrão é dos mais bonitos e memoráveis da época. E por mais esquisito e excessivamente longo que seja, acho legal o "solo de voz" ao final da canção. É mais um desiquilíbrio egocêntrico, outrora manifestado em solos de guitarra, aqui na manipulação distorcida de auto-tune.

O instrumental de "Hell Of A Life" é outro ponto alto. O riff saturado, a bateria reta e poderosa, velozes arpejos sintetizados e mesmo a voz do Kanye, tudo soa estrondoso. A balada pianística "Blame Game" também chama atenção por sua solene e, de certa forma, abstrata construção.

É legal ver um rapper se apropriando da melancolia, do indie rock, do EDM e do auto-tune na dobradinha "Lost In The World" e "Who Will Survive In America", por mais confusas que as faixas sejam.

Infelizmente, toda essa criatividade musical do Kanye exposta ao longo do disco não é acompanhada por seu lirismo, que trafega pelo deslumbramento com o mundo da fama, inseguranças pessoais com pouco refinamento e, por vezes, até certa arrogância e grosseria. Por sorte ou ignorância, letras em inglês não invadem minha percepção durante a audição corriqueira. A música atinge outros campos, sendo aqui uma reflexão interessante sobre os limites da canção popular americana deste milênio, com seus erros, acertos e presunções.

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