Em algum momento na virada do milênio, um "novo" rock nacional se fez comercialmente relevante. Charlie Brown Jr., Los Hermanos, Pitty, Cachorro Grande... todos despontando sem levar adiante ninguém da cena que pertenciam. Não é uma critica, não era uma obrigação, é uma constatação. Com o Dead Fish foi diferente. Banda alicerce do hardcore melódico nacional, fez tanto pelo gênero, que abriu espaço até para grupos oportunistas. Nada que o tempo não se encarregasse de filtrar a cena. CPM 22, Hateen, Mukeka Di Rato, Sugar Kane, Garage Fuzz, Fresno, Noção de Nada, Glória, Rancore, Forfun, NX Zero... foram inúmeros os grupos que viram no Dead Fish a permissão para investir numa sonoridade herdada do hardcore californiano, mas cantando em português e trazendo os dilemas de um país subdesenvolvido. Embora com bons e influentes discos na bagagem, Zero e Um (2004), o quarto trabalho da banda, catapultou o grupo a novos ares.
Adeptos da postura DIY, cresceram fazendo por onde. Montaram um selo (Terceiro Mundo), lançaram seus discos e se jogaram na estrada. Da primeira a Demo ao Zero e Um, foram mais de 10 anos, tempo suficiente que permitisse ganhar experiência e assinar com uma gravadora, a Deckdisc, empresariada pelo produtor Rafael Ramos.
Por mais contestador que o rock brasileiro tenha sido em alguns momentos, chama atenção começar o disco berrando "hoje é o dia da revolução!". O peso das guitarras, num país que conhecido por limar o instrumento para torná-lo mais vendável, também surpreende. E isso é apenas o início com "A Urgência", faixa de refrão feito pra cantar de peito aberto.
Em "Tão Iguais" se destaca o ótimo trabalho das guitarras (do Philippe e Hóspede) no stereo da mixagem, a boa linha de baixo (Alyand) e a maneira tão incisiva quanto melódica que o Rodrigo se impõe no refrão.
A bateria veloz tipicamente hardcore do Nô em "Zero e Um" é coberta por ótima linha melódica vocal e harmonia bem construída. Atenção inclusive para as dobras vocais.
Incrível como "Queda Livre" soa tão radiofônica para o período quanto encorpada hoje. Nesse sentido, vale aqui destacar a mixagem do Ryan Greene, conhecido na época por ter trabalhado com grupos como NOFX e Bad Religion.
Com guitarras dissonantes, baixo poderoso e um dos refrões mais marcantes do rock brasileiro, "Bem-Vindo Ao Clube" traz o sentimento de irmandade tão presente na cena.
A paulada "Senhor, Seu Troco" abre espaço para "Você", canção que teve alta rotação na programação da MTV e nas rádios de rock. Numa época em que começavam a despontar grupos cantando sobre amores juvenis, seu refrão até parecia condizente, se revelando ao final da canção muito mais reflexivo e maduro. Isso tudo, mais uma vez, dentro de um formato tão melódico quanto pesado.
Se muitas vezes o discurso dentro do rock se faz reacionário ou superficialmente engajado, "Sonhos Colonizados" reflete as ambições de uma juventude em meio a um lampejo de ascensão econômica no país. Mais uma tremenda performance do Nô.
Diante de um oceano de conformismo, "Por Não Ter o Que Dizer" e "Engarrafamento" clamam por contestação, por andar na contramão ao sistema vigente.
Quem olhava com preconceito para aquela geração, não podia negar a fúria, peso e consistência em "Desencontros".
Mais melódica e muito bem construída, "Re-aprender Andar" parece ter servido de molde para muito do que foi feito posteriormente no rock nacional, embora sem o mesmo poder de fogo.
Poucos grupos saíram do cenário alternativo e chegaram ao mainstream com seu melhor trabalho. Isso deu autoridade ao Dead Fish pra circular onde quiser.
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