quinta-feira, 31 de outubro de 2024

TEM QUE OUVIR: Converge - Jane Doe (2001)

Ser "jovem metaleiro" no início do século XXI era estar no meio da ebulição do metalcore. Do Hatebreed, passando pelo Trivium e Killswitch Engage, foram muitos os grupos que construíram público com um som moderno (leia "de produção digital"), pesado, grave, jovem e furioso. Mais alternativo, o Converge levou o gênero ao seu limite, tornando-se referência de criatividade, coração e rispidez no segmento. Jane Doe (2001), o quarto álbum do grupo, é um marco desta evolução.

A banda é formada pelo vocalista Jacob Bannon (fundador do importante selo Deathwish Inc.), o produtor e guitarrista Kurt Ballou (que trabalhou com bandas como Isis, Nails, Code Orange), o baixista Nate Newton (Cave In, Old Man Gloom, Cavalera Conspiracy, Jesuit) e o tremendo baterista Ben Koller (Mutoid Man, Killer Be Killed, All Pigs Must Die). É uma verdadeira seleção do metal alternativo.

Um ouvinte desatento pode ter seu canal auditivo queimado ao dar o play em "Concubine". Aqui há alguns dos berros mais intensos já registrados, que parecem saturar por ter as válvulas da garganta aquecidas. De cuspir sangue.

A interação da guitarras e bateria (com direito a passagens ultra velozes/impulsivas/descompensadas) em "Fault and Fracture" gerou uma das minhas canções prediletas da virada do milênio. Sua construção eufórica não dá brecha pra descanso.

O riff "Distance and Meaning" é singular (pela angularidade, dissonância, timbre, ritmo). A faixa remete ao que aconteceria se o At The Drive-In ou Refused tivessem o pé ficando do metal. Com isso, dá pra dizer que o Converge incorporou nuances do post-hardcore no metalcore.

Essa variedade e predileção por tensionar os gêneros parece ser a tônica de "Hell To Pay", faixa de freio de mão puxado, baixo cavernoso e uma aura meio grunge (linha Melvins), meio psicodélica (linha Soundgarden quando viajava), completamente estranha. 

No meio dessa rolo compressor, há riffs que exalam uma conexão espontânea com o ouvinte, vide o atropelo "Homewrecker", faixa de intensidade irresistível, com a raiz fincada do punk rock (embora bem mais agressivo).

A dobradinha "The Broken Vow" (de algum modo remetendo ao que o Mastodon viria a fazer) e "Bitter and Then Some" são um escândalo. É poderoso e pesado não somente por conta da captação/mixagem excelente, mas principalmente devido a performance abrasiva. Vale aqui dizer que o disco soa volumoso e corrosivo, mas também orgânico.

Ainda sobre execução, a patada que cada instrumentistas dá em "Heaven In Her Arms" chega até a esconder sua bonita progressão harmônica e "apelo melódico".

Há um experimentalismo em "Phoenix In Flight". O andamento arrastado típico do doom metal, timbres "espaciais" de guitarra, a voz enterrada na mixagem... é um momento hipnótico que ajuda a dar dinâmica ao álbum. Vale ainda dizer que ela deságua na curtinha e paranoica "Phoenix In Flames".

Se o metalcore muitas vezes ficou marcado por criar breakdowns "apelativos" - que através de uma fórmula, parece guiar o público para momentos de intensidade previsíveis - o Converge trouxe ritmos complexos/tortos (eis o mathcore) para criar climas perturbadores, vide o que acontece na descontrolada "Thaw".

Fechando o disco, 11 minutos de "Jane Doe", faixa de riffs poderosos, atmosfera progressiva, inquietude composicional e poética melancólica. Um desfecho épico digno da excelência apresentada por todo o álbum.

A banda nunca deixou a peteca cair, lançando ainda hoje excelentes trabalhos, fazendo shows energéticos e sendo relevante no cenário. Mas Jane Doe (2001) virou um álbum cult, sendo sua capa um emblema de uma geração do metal alternativo.

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