Embora as composições sustem o disco em si, todo o seu redor cria um mística quase religiosa. Da imagem messiânica do George na capa, passando pela produção singular do Phil Spector, há fortes características que mitificam a obra.
Dentre os instrumentistas que participam do disco estão Eric Clapton, Ringo Starr, Klaus Voormann, Billy Preston, Bobby Keys, Alan White, Pete Ham, Dave Mason, Gary Brooker, Gary Wright, Peter Frampton e os ex-Delaney & Bonnie e futuros Derek And The Dominos, Jim Gordon, Carl Radle e Bobby Whitlock.
"I'd Have You Anytime", parceria do Harrison com o Bob Dylan, abre os trabalhos pegando o ouvinte pelo coração. O lirismo que o George coloca em cada nota da guitarra expõe o brilhante instrumentista que ele é. Que vibrato, que clima, que harmonia! Vale ainda mencionar que a deliciosamente rural "If Not For You" também é uma parceria com o Dylan.
Na clássica "My Sweet Lord" o guitarrista deixa aflorar sua espiritualidade, sem apresentar sectarismo religioso (hinduísmo e cristianismo lado a lado). Essa abordagem se manifesta não somente na letra, mas também na música, dona de leveza acolhedora oriunda da música gospel. Não há também como ignorar as passagens delirantes de slide, uma das grandes qualidades do George enquanto guitarrista.
Há quem diga que "Wah-Wah" é um ataque ao Paul McCartney. É possível, mas o que salta aos ouvidos é seu tremendo riff, de força rockeira que se sustenta por toda a canção. É mais um show de guitarras. Ou melhor, é um show do instrumental como um todo, que cresce de forma contagiante.
Qualquer grupo do mundo daria o integrante que fosse para ter na sua formação um melodista capaz de criar "Isn't It A Pity" (presente no disco em duas versões igualmente maravilhosas). Canção de beleza apaixonante, que poderia perfeitamente estar entre as melhores dos Beatles. Seu arranjo orquestrado (version one) é lindíssimo.
"Let It Down" é das canções mais arrojadas do grupo. Começa uma paulada, mas logo vira uma balada de densa harmonia. A intercalação dos climas durante a faixa é um arraso. A interação dos instrumentistas na gravação é impressionante. Impecável arranjo, captação e slides.
"Run Of The Mill" é uma baladona acústica guiada pela sensibilidade composicional do George. Tremenda canção.
A abordagem espiritual do artista se manifesta em "Beware Of Darkness", música de grande apelo melódico e com algumas das melhores guitarras do George Harrison. Adoro seu canto sensível. Uma maravilha!
"Ballad of Sir Frankie Crisp (Let It Rool)" tem um desenvolvimento quase progressivo. Embora dona de excelente melodia, destoa muito do que era feito nos Beatles, revelando a transição temporal e evolução pessoal do artista.
Desconfie de quem não se emociona com "All Things Must Pass", linda canção que traz um clima folk rock. Vale dizer que George chegou a levar a composição para os Beatles, mas ela ficou de fora do Let It Be. Para nossa sorte, ele não desistiu da música. Arrebatadora.
Menos adepto de experimentações, "I Dig Love" acaba destoando em sua forma "estranha", embora ainda convidativa.
Com tremendas guitarras, metais e balanço soul, "Art Of Dying" é uma cacetada, elevada tanto pela performance quanto pela captação. Adoro seu groove dançante. Baixo poderosíssimo.
A carga emocional é novamente elevada em "Hear Me Lord", canção de cunho quase gospel, embora de vigor rockeiro. É de jogar o ouvinte as alturas, aos céus.
Vale ainda mencionar o power pop "What Is Life" e a bela balada acústica/caipira "Behind That Locked Door". Isso sem contar o último vinil, formado por um punhado de jams guitarristicas, ora inspiradas, ora nem tanto, com destaque para o blues frenético "Plug Me In" e a longa "Out Of The Blue".
O All Things Must Pass fez com que o George Harrison finalmente tivesse seu talento reconhecido, ao ponto de muitos considerarem esse o melhor disco de um ex-Beatle. Não divirjo de quem assim pense.
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