sábado, 22 de abril de 2023

TEM QUE OUVIR: Zeca Pagodinho - Zeca Pagodinho (1986)

Zeca Pagodinho é um caso a ser estudado. Tem enorme prestigio, mas não é artisticamente aclamado. Seus discos nunca estão nas listas de "melhores da música brasileira". Demérito de quem faz as listas, visto que sua carreira é bastante regular, tendo gravado pérolas ao longo de toda a vida artística. 

Isso talvez ocorra justamente por sua popularidade inquestionável. A mídia sempre adotou um tom blasé ao venerar seus protegidos. Ao abordar o samba, cultua os artistas menos populares. Por muito tempo fui contaminado por esse equívoco. Hoje não mais. Se depender de mim, Zeca Pagodinho (1986), a estreia do Zeca, entra para hall dos maiores discos da canção nacional.


O grande segredo do Zeca é seu carisma, manifestado principalmente em suas músicas. Há sempre um tom jocoso, bem humorado, que tanto alegra a alma do brasileiro. Isso explica seu sucesso comercial retumbante e, sabiamente, a aposta das gravadoras (neste disco, a RGE), que caminharam ao lado do sambista. Um dos casos artisticamente mais exitosos da indústria musical.

Difícil encontrar nas esquinas quem não se identifique com "S.P.C." (assinada em parceria com o Arlindo Cruz). É impecavelmente escrita e interpretada, trazendo alegria pra um problema popular.

O grande sucesso "Coração em Desalinho" (Monarco) é de encanto inquestionável, tanto pelo caminho harmônico e melódico, quanto pelo lirismo e interpretação singela. O arranjo é belo, com direito a flauta, cavaquinho e violão de 7 cordas, além de um crescente percussivo e do coro de vozes na metade final da faixa. Uma beleza.

"Jogo de Caipira" (Nei Lopes / Sereno) é a canção popular no mais alto nível de sua excelência. Vale se atentar a cada peça da construção: as palavras escolhidas, a dicção perfeita, as divisões rítmicas, a cuíca falante, o cavaco feroz, o diálogo da bateria com o pandeiro, o pulso grave. 

O astral de "Quando Eu Contar (Iaiá)" é tão contagiante que muitos passam reto por sua qualidade formal. Seu texto é ultra bem escrito (complexo, criativo, divertido e representativo) e a melodia do refrão é poderosa.

Com teclado, baixo elétrico, complexa harmonia e interpretação mais contida, a bela "Cheia de Saudade" prevê o pagode romântico que se tornaria o grande filão da indústria musical na década seguinte.

Formado no samba do Cacique de Ramos, Zeca eleva ao estrelato uma cultura local. O samba de Partido-Alto, tão bem feito na região, tem seu brilhantismo à mostra em "Pot-Pourri de Partido Alto: Hei de Guardar Teu Nome / Vou Lhe Deixar No Sereno", interpretado ao lado do Deni.

"Quintal do Céu" (Jorge Aragão / Wilson Moreira) é a finesse do samba em estado bruto. Bonita letra, trabalhada melodia e elegante violão de 7.

A qualidade composicional do Zeca se faz presente em "Cidade do Pé Junto", feita em parceria do Beto Sem Braço. Adoro esse ritmo tão contido quanto intenso do samba.

Lá pro final do disco, "Judia de Mim", um clássico do samba, pra não dizer da música pop nacional. O nome da faixa já foi entoado por 93% da população brasileira. Tremendo refrão.

"Brincadeira Tem Hora" encerra o disco jogando a alegria as alturas. Seu ritmo é voraz. Simples assim.

Esse álbum é unanimidade nacional (e existem tão poucas). É a trilha sonora perfeita para encontros familiares, churrascos com amigos, domingos ensolarados, dias felizes.

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