Para muitos, a grande questão é a normalização do público ao uso de sons pré-gravados pelos artistas. Muitas vezes, nada do que se ouve do palco está sendo tocado ali, não havendo sequer constrangimento do artista em assim fazer. Não é “efeito Milli Vanilli”, é na cara dura mesmo.
Tornou-se comum espetáculos onde há mais bailarinos no palco que instrumentistas. Não assisti ao show, mas pelo que li, Kali Uchis foi uma entre tantas que fizeram uso desse recurso. Entendo os mais "puristas" se incomodarem com isso. É tão legal quanto uma artista surge no palco cantando de verdade (desafinações fazem parte) e com uma banda quebrando tudo. Ludmilla tem feito isso. Poucos destacaram o fato (se não é mais o usual, vale apontar o mérito).
Enquanto público, lembro de uma única experiência com playback descarado. Foi no ano passado, no show do Charli XCX no Primavera Sound. Ela veio sem banda, sem DJ no palco, disparando as músicas no PA e cantando em cima (inclusive da sua própria voz). Seu papel era mais dançar e animar a plateia do que interpretar as canções. O que achei disso? Achei que o show funcionou. Pode espernear no twitter chamando a plateia (e, neste caso, eu) de idiota, mas a sensação foi essa. Muito provavelmente, por ser um tipo de som festivo, a presença da artista seja apenas um recurso para entreter uma enorme pista de dança. Dito isso, me vejo indo numa apresentação de jazz, concerto de música erudita, roda de samba ou mesmo num show de rock para ouvir playback? Não, visto que não é a “tradição” dos estilos.
Tornou-se comum espetáculos onde há mais bailarinos no palco que instrumentistas. Não assisti ao show, mas pelo que li, Kali Uchis foi uma entre tantas que fizeram uso desse recurso. Entendo os mais "puristas" se incomodarem com isso. É tão legal quanto uma artista surge no palco cantando de verdade (desafinações fazem parte) e com uma banda quebrando tudo. Ludmilla tem feito isso. Poucos destacaram o fato (se não é mais o usual, vale apontar o mérito).
Enquanto público, lembro de uma única experiência com playback descarado. Foi no ano passado, no show do Charli XCX no Primavera Sound. Ela veio sem banda, sem DJ no palco, disparando as músicas no PA e cantando em cima (inclusive da sua própria voz). Seu papel era mais dançar e animar a plateia do que interpretar as canções. O que achei disso? Achei que o show funcionou. Pode espernear no twitter chamando a plateia (e, neste caso, eu) de idiota, mas a sensação foi essa. Muito provavelmente, por ser um tipo de som festivo, a presença da artista seja apenas um recurso para entreter uma enorme pista de dança. Dito isso, me vejo indo numa apresentação de jazz, concerto de música erudita, roda de samba ou mesmo num show de rock para ouvir playback? Não, visto que não é a “tradição” dos estilos.
Tradição é uma boa palavra pra se usar, já que essa discussão de genuinidade da performance é antiga. Em 1967, Vicente Celestino advogou contra (ou ao menos problematizou) as gravações daquele período, que ao contrário do acontecia no início da sua carreira, já sofria interferência da tecnologia através de recursos básicos como overdubs, controle de volume e repetições de takes, algo questionável para a sua geração, em que o cantor tinha que berrar ao lado de enormes bandas (quando não orquestras) para registrar sua voz num acetato, processo de produção caro e limitado. Para ele, João Gilberto era uma trapaça, uma cria da gravação eletrônica (outrora era mecânico). De fato, a tecnologia viabilizou o canto da bossa nova.
Essa questão sempre me vem a mente em momentos nem tão usuais. Por exemplo, quando ouço o Black Album do Metallica, me pergunto o que o Art Blakey ou mesmo o Keith Moon achariam daquele timbre de bateria. Ali há tanto processamento - de parâmetros básicos como equalizadores e compressores -, que a bateria não soa mais como o instrumento em si. E isso já foi tão padronizado que as pessoas sequer percebem, naturalizando aquele o som. Mas desafio a qualquer pessoa a sentar numa bateria e tirar aquele timbre, na sala, sem processamento algum. É impossível! "Ah, mas o Lars tocou a bateria de verdade!", pode afirmar corretamente qualquer um. Mas fica questão: o som extraído é fruto da sua performance? Não por acaso tem bateristas que problematizam o uso de trigger (já vi o Nicko McBrain falar sobre isso). Por outro lado, outras bandas sequer veem problema em programar a bateria em disco, mesmo tendo instrumentistas preparados para desempenhar a função (vide o Meshuggah).
Digo isso para que todos que advogam em prol de alguma “pureza/organicidade/genuinidade” do som, considerem que dificilmente alguma música pode ter tais características.
Pensem por exemplo no violão (sendo que cada instrumento por si só já tem suas características) do Dorival Caymmi (mais “puro” impossível). Além do fator humano, seu som é resultado da acústica de onde é reproduzido, da captação (não só como, mas com qual microfone e consequentemente sua tecnologia), do processamento, do modo de reprodução e, novamente, da acústica de onde é reproduzido.
Alguém pode pensar que estou exagerando. Sinceramente não acho. O que penso e tento apontar é que a "pureza" de uma performance se adequa a cada geração, até mesmo por estar muito ligada a tecnologia. Coisas que normalizamos em métodos de gravação e que, na realidade, consideramos até antiquadas, anteriormente podiam soar verdadeiras afrontas à arte. O que um castrati acharia da manipulação do pitch das vozes feitas pelo Joe Meek? No mínimo ficariam indignados por terem seus testículos retirados. E os overdubs e manipulação da velocidade das fitas do Les Paul, retratam com fidelidade sua performance?
Vale aqui inclusive lembrar que muito da evolução não só do rock, mas de toda a música popular, se deu quando Jimi Hendrix e os Beatles passaram a tratar os estúdios enquanto instrumentos de criação. O mesmo vale para o Brian Wilson, que se entranhava com músicos de sessão para a gravação dos discos dos Beach Boys, enquanto o restante da banda saía em turnê tocando canções não executadas nos álbum por eles. Alguém já chamou isso de picaretagem? Não vou nem discorrer sobre os Monkees, porque aí é pauta velha. Mas então em que momento isso passou a parecer um problema?
Em 1906, o maestro e compositor John Philip Sousa, já havia se rebelado contra o que ele chamou de "música mecânica", ou seja, as gravações. Para ele, esse método coloca em risco a existência da música. Não preciso nem dizer que sua previsão não se concretizou. O fonograma e a indústria se desenvolveram ao ponto de aperfeiçoar e legitimar artisticamente o processo de gravação. Todavia, com a ascensão da música pop, eletrônica e hip hop - estilos que, em grande parte, não primam pela performance dos instrumentistas, mas pela criação em si -, isso começou ser mais problematizado. Mais ainda quando a profissionalização mercadológica deu luz a artistas fantoches, o que indignou (em parte com razão) os mais puristas, visto que a arte tornara mero produto. Novamente volta o exemplo Milli Vanilli.
Mas aí que tá. O Daft Punk deixa de ser arte por ao vivo explorar sons pré-gravados? Não. O mesmo vale pro New Order, Public Enemy ou Roger Waters. Então a questão não é a forma, mas o conteúdo. Para mim, o mesmo vale para a Billie Eilish, criticada por sua performance no Lollapalooza.
Vale lembrar que, por conta das facilidades das produções caseiras, muitos artistas viraram produtores de si mesmos. Inclusive, muitos com mais aptidão para produção que para a performance. Pode por qualquer grande produtor contemporâneo nesse pacote (vide Skrillex e Deadmau5).
O fato de beats e texturas eletrônicas, samples e, até mesmo, efeitos como o Auto-Tune terem valor estético e não mais de correção, fez com que seja praticamente indispensável trazê-los para os palcos. Tanto que, quem critica Auto-Tune, tem que criticar qualquer efeito inserido na cadeia de uma guitarra elétrica. Nada mais de distorções, delays e reverbs. The Edge e Robert Fripp podem ir pra fogueira.
Mas aí que tá. O Daft Punk deixa de ser arte por ao vivo explorar sons pré-gravados? Não. O mesmo vale pro New Order, Public Enemy ou Roger Waters. Então a questão não é a forma, mas o conteúdo. Para mim, o mesmo vale para a Billie Eilish, criticada por sua performance no Lollapalooza.
Vale lembrar que, por conta das facilidades das produções caseiras, muitos artistas viraram produtores de si mesmos. Inclusive, muitos com mais aptidão para produção que para a performance. Pode por qualquer grande produtor contemporâneo nesse pacote (vide Skrillex e Deadmau5).
O fato de beats e texturas eletrônicas, samples e, até mesmo, efeitos como o Auto-Tune terem valor estético e não mais de correção, fez com que seja praticamente indispensável trazê-los para os palcos. Tanto que, quem critica Auto-Tune, tem que criticar qualquer efeito inserido na cadeia de uma guitarra elétrica. Nada mais de distorções, delays e reverbs. The Edge e Robert Fripp podem ir pra fogueira.
Menos crucial, mas ainda mais usual, tem sido os VS’s, inicialmente utilizados em igrejas americanas (ao menos nas associadas ao worship), mas que atualmente se faz presente em inúmeros shows, disparando uma orquestração, um backing vocal, um violão, um triângulo… peças nos arranjos outrora dispensáveis, agora elementares para que o artista soe ao vivo como no próprio disco (se assim julgar necessário). Por declarações dos integrantes no passado, daria pra imaginar os Beatles fazendo uso de tal recurso. O Chuck Berry não. Para o Pet Shop Boys, Travis Scott e Sleaford Mods é fundamental. Diferentes gerações de artistas e público.
Les Paul, o "picareta".
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