Dos talentosos rappers que formam o Wu-Tang, não é absurdo dizer que o Ol' Dirty Bastard (ODB) é o mais reconhecível. Não por acaso, visto que ele insere em sua música e flow um clima frenético que faz jus a sua vida conturbada recheada de drogas e problemas legais. É possível conferir tais características no insano Return to the 36 Chambers: The Dirty Version (1995), como sempre, produzido pelo RZA.
Após uma esquisita "Intro", a clássica "Shimmy Shimmy Ya" surge com sua tremenda batida, piano insistente e alguns dos versos mais memoráveis da história do hip hop, não por acaso demasiadamente citado e sampleado. Eu mesmo, se um dia me atrever a pegar um microfone pra rimar, de cara vou mandar um "Shimmy Shimmy Ya". No minimo ganchuda.
O flow paranoico, espontâneo e de tempero ragga salta aos ouvidos em "Baby C'mon", faixa de beat espetacular (quase uma sonoplastia), com direito a tremenda linha de baixo acústico.
Em "Blooklyn Zoo", ODB cresce diante do microfone. Seu estilo é verborrágico, provavelmente alimentado por cocaína. Inclusive, não dá pra desassociar a droga do estilo do artista. O parafuso solto, nonsense, carisma, timbre e flow corrosivo... não adianta fingir, o pó escorre pelo falante. Isso enquanto canta sobre uma ala psiquiátrica. Maluco.
É eufórica a interpretação de "Don't U Know". Como resultado, muita respiração, notas prolongadas e um estilo esporrado ao cantar. Nada disso é atenuado, sendo na verdade acentuado em alguns momentos por um delay de dub na voz.
Há um estilo old school aprimorado no instrumental de "Hippa The Hoppa", primando por samples e scratches em cima de uma consistente batida. A voz do ODB colabora nessa construção sonora através de peculiares grunhidos.
Ao lado do Method Man e Raekwon, ODB parece se desiquilibrar no microfone em "Raw Hide". Sua performance típica de um iconoclasta parece motivar seus companheiros a rimar sem pudor, expondo as falhas do sistema americano.
A interação com o GZA em "Damage" é de tirar o fôlego. Ambos se complementam com categoria. Já em ODB voa sozinho em cima de uma batida que é uma verdadeira pancada.
É legal perceber que sua voz é de dicção e captação suja em diversos momentos. Isso fica explicito em "Cuttin' Headz". Essa questão interpretativa e técnica traz personalidade para sua música.
Aquele efeito da maconha rebatendo o álcool emerge em "Drunk Game". Um canção ébria, delirante e descompromissada, que revela até mesmo uma linda (e soul) voz do ODB. Algo me diz que o George Clinton deve adorar.
ODB (ao lado do Killah Priest, RZA, Masta Killa e Buddha Monk) manda alguns dos seus versos mais contundentes em "Snakes", expondo todo o sentimento em busca por dinheiro que a herança escravagista deixou aos negros norte-americanos. Todos em interpretações primorosas. Faixa espetacular.
Quem ouve "Blooklyn Zoo II" e não capturado pelo groove lisérgico e o flow do cativante do rapper tá tão maluco quanto o ODB. Seus ad-libs, approach rítmico ao rimar, performance cuspida... é enlouquecedor. Pra "piorar", Ghostface Killah surge chutando a porta num verso intenso. Uma longa faixa de construção endiabrada.
Infelizmente, não importa os benefícios artísticos proporcionados por uma vida destrutiva, no fim o corpo cobra, sendo que a passagem do ODB pela terra foi interrompida em 2004. Até o momento, o único membro do Wu-Tang que morreu. Inegavelmente um dos mais carismáticos rappers de todos os tempos.

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