É inegável o abalo sísmico que o Wu-Tang Clan provocou no hip hop (pra não dizer em todo o cenário musical) na década de 1990, não somente com o clássico debut do grupo, mas também com os discos solos dos integrantes. Curiosamente, ao mesmo tempo que essa força se esvaizou no novo milênio, logo nos primeiros meses do ano 2000, Ghostface Killah tomou a rédea com o explosivo Supreme Clientele.
Falo isso sabendo que é injusto ignorar a colaboração de outros membros do Wu-Tang, principalmente do onipresente RZA, que organizou as batidas com esmero, alcançando timbres e samples estrondosos. "Nutmeg" de cara expõe tais características da parceria. Vale ainda se atentar ao lirismo semelhante a um devaneio cósmico do Ghost.
Basta o timbre de caixa e bumbo em "One" pra faixa sugar nossa mente. Por sua vez, os violinos manipulados de "Saturday Night" e a construção misteriosa de "Ghost Deini" elevam o clima sinistro que o rapper explora em seus velozes textos.
Em "Apollo Kids" a energia soul - esses metais sampleados são impressionantes - dá sustentação para o versos do Ghostface e Raekwon. Ambos parecem cuspir no microfone rimas da mais pura arte. Frenético e absurdo.
O funk come solto em "The Grain", um rap old school com scratches, grave de estourar falante e o texto no centro da composição.
Igualmente grooveada - embora mais "dark" -, "Buck 50" traz Cappadonna, Masta Killa, Method Man e Redman mantendo acesa a chama do Wu-Tang. É uma cacetada rica em carisma, densidade e flow.
O boom bap é a plataforma para o fluxo de consciência do Ghostface Killah em "Mighty Healthy".
Se em "Stay True" chama atenção a sujeira do beat, em "We Made It" há uma exuberância nas cordas sampleadas. Já "Stroke Of Death" é não menos que bizarra, tanto na produção quanto liricamente.
De piano dissonante e jazzistico, "Malcolm" é perfeitamente arquitetada. Exemplo de elegância, profundidade e técnica dentro do rap.
Chega a ser engraçado e surreal se deparar com certa cafonice nos teclados de "Child's Play". O resultante é um tanto quanto viajante.
U-Tang colabora na indecifrável "Cherchez La Ghost", faixa estranhíssima para ser escolhida como single. Tem algo de r&b, house e trip hop. Sei lá. Mas não me entenda mal, é especial.
"Wu Banga 101" reúne GZA, Cappadonna, Masta Killa e Raekwon numa canção densa. Todos com performances irretocáveis em texto e interpretação. Cabe a "Iron's Theme" ser o desfecho dessa - não ironicamente - linda história.
Lançado no auge da bling era do hip hop - a capa revela o período -, esse disco colocou Ghostface Killah num patamar elevado. De certo modo ele parece prever os caminhos que o Kanye West desenvolveria logo na sequência. Isso exemplifica o alcance da obra, ainda que não deva ser reduzida a isso. É biscoito fino do hip hop.

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