quarta-feira, 23 de junho de 2021

TEM QUE OUVIR: João Bosco - Caça à Raposa (1975)

Dentre tantos geniais artistas da chamada MPB, poucos tem a destreza musical do João Bosco. Seu virtuosismo rítmico - esbanjado tanto em seu violão complexo quanto no canto singular - encontrou nas letras do Aldir Blanc - um cronista/poeta da maior envergadura - uma combinação fulminante na história da canção mundial. Caça à Raposa (1975), o segundo álbum do artista, é uma pérola da música brasileira.

"O Mestre Sala dos Mares" abre o disco com a estatura de um dos grandes sambas-enredos. É uma homenagem belíssima ao João Cândido, líder da Revolta da Chibata. O arranjo caminha num crescente arrebatador, soando poderoso e emocionante. Atenção para o caminhar do violão de sete cordas do lendário Dino 7 Cordas.

A exploração da violência urbana é retratada de forma divertida em "De Frente Pro Crime", um samba com elementos musicais sofisticadíssimos, vide o baixo pulsante do Luizão Maia, a guitarra do Toninho Horta, os teclados do César Camargo Mariano e a bateria do Pascoal Meireles, que aqui vale por uma bateria de escola de samba inteira.

Posteriormente regravada pela Elis Regina, "Dois Pra Lá, Dois Pra Cá" é um bolero noturno e cinematográfico. Atenção para o violão solo do Hélio Delmiro. 

Tanto pelas escolhas dos timbres, quanto pelo groove torto, "Jardins da Infância" soa funky, embora sem perder o chão na canção brasileira. Seu texto faz um inteligente paralelo entre brincadeiras de crianças e a violência da ditadura militar. Música ultra criativa e combativa.

Há algo de seresta em "Jandira da Gandaia", uma das composições mais poéticas do disco, levada na voz e violões. Já o samba moderno "Casa de Marimbondo" tem o time completo, executando com perfeição e com captação cristalina. 

A cultura africana imersa ao cotidiano brasileiro é exposta em "Escada da Penha", faixa que traz o violão do João Bosco de poucos acordes servindo de cenário dentro de um ritmo frenético de samba. Espetacular!

É interessante perceber um certo peso da cozinha em "Nessa Data", canção dona de mais uma letra inventiva. Por sua vez, a climática "Bodas de Prata" se recolhe numa cama jazzistica. 

O arranjo à serviço da dramaticidade de "Caça à Raposa" é dos grandes momentos da canção brasileira. Lindíssimo.

O samba, que já foi considerado crime, aparece como resistência em "Kid Cavaquinho". Isso brilhantemente sem perder a descontração. Uma aula de ritmo, harmonia e texto para quem quer dissecar o estilo.

"Violeta de Belfort Roxo" fecha o álbum expondo toda a sofisticação, singularidade e capacidade emotiva da parceria Aldir e João, uma dupla não menos que genial.

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