terça-feira, 13 de abril de 2021

TEM QUE OUVIR: Dona Ivone Lara - Sorriso Negro (1981)

O trilhar da Dona Ivone Lara é comum à de tantos outros sambistas. No alicerce do samba, fomentou o gênero ao seu redor, entre os seus, sem apoio da indústria musical. Trabalhou como enfermeira e assistente social, só conseguindo registrar a sua arte no final da década de 1970, aos 56 anos de idade. Em 1981, agora vista como alta cultura pela intelectualidade, gravou Sorriso Negro, uma pérola musical brasileira.


Integrante da Império Serrano, Dona Ivone Lara é conhecida como a primeira mulher compositora de um samba-enredo. E ele aparece no disco. É justamente a espetacular "Os Cinco Bailes Da História Do Rio", feita 1965 ao lado de Silas de Oliveira, parceiro homenageado na belíssima "Adeus de um Poeta" ("E agora, tens a tua moradia lá no céu. Está fazendo parceria com Noel").

Carioca, a artista invoca a tradição baiana do samba em "A Sereia Guiomar", escrita em parceria do Délcio Carvalho e interpretada em dueto com Maria Bethânia. Aqui fica nítido a polidez do arranjo e da gravação, respectivamente assinados por Rosinha de Valença (exímia violonista) e Sérgio Cabral.

A dicção, afinação e interpretação da Dona Ivone em "De Braços Com A Felicidade" é de excelência pura. Fora que a aura da gravação é não menos que contagiante. Uma aula de percussão brasileira, de cavaquinho e de violão de 7 cordas.

"Alguém Me Avisou" é um dos grandes clássicos de samba. A vontade - imediatamente correspondida - é de entoar o refrão junto com o coro de vozes.

Com ótima linha de baixo, balanço soberbo e uma certa ousadia estrutural, "Unhas" revela uma veterana do samba nada estagnada. No final, a reprodução do ritmo via a voz da Dona Ivone, de imediato me remete aos scat singing da Ella Fitzgerald. O mesmo ocorre na melodia inicial vocal de "Me Deixe Ficar", canção essa de certa beleza bucólica.

A melodia e o lirismo de "Nunca Mais" é não menos que exuberante. Vai escrever bem assim lá longe! Isso sem mencionar as cordas tão bem costuradas. Uma maravilha!

Ao lado de Jorge Ben, Dona Ivone canta a resistência e beleza dos negros em "Sorriso Negro". Isso décadas antes do discurso identitário tornar-se padrão até entre os opressores.

A cada ataque no contratempo de "Meu Fim De Carnaval Não Foi Ruim" um "pretenso-sambista" que toca na cabeça do tempo caí no tumulo do samba.

Jorge Aragão já nessa época se revela um ótimo compositor em "Tendência". Atenção para uso de teclado e baixo elétrico. Uma "modernização" que não descaracteriza o estilo. Na mão oposta, "Axé de Ianga (Pai Maior)" volta para África, berço natural do samba.

Eia a música genuinamente brasileira via uma interprete e compositora majestosa. 

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