Integrante da Império Serrano, Dona Ivone Lara é conhecida como a primeira mulher compositora de um samba-enredo. E ele aparece no disco. É justamente a espetacular "Os Cinco Bailes Da História Do Rio", feita 1965 ao lado de Silas de Oliveira, parceiro homenageado na belíssima "Adeus de um Poeta" ("E agora, tens a tua moradia lá no céu. Está fazendo parceria com Noel").
Carioca, a artista invoca a tradição baiana do samba em "A Sereia Guiomar", escrita em parceria do Délcio Carvalho e interpretada em dueto com Maria Bethânia. Aqui fica nítido a polidez do arranjo e da gravação, respectivamente assinados por Rosinha de Valença (exímia violonista) e Sérgio Cabral.
A dicção, afinação e interpretação da Dona Ivone em "De Braços Com A Felicidade" é de excelência pura. Fora que a aura da gravação é não menos que contagiante. Uma aula de percussão brasileira, de cavaquinho e de violão de 7 cordas.
"Alguém Me Avisou" é um dos grandes clássicos de samba. A vontade - imediatamente correspondida - é de entoar o refrão junto com o coro de vozes.
Com ótima linha de baixo, balanço soberbo e uma certa ousadia estrutural, "Unhas" revela uma veterana do samba nada estagnada. No final, a reprodução do ritmo via a voz da Dona Ivone, de imediato me remete aos scat singing da Ella Fitzgerald. O mesmo ocorre na melodia inicial vocal de "Me Deixe Ficar", canção essa de certa beleza bucólica.
A melodia e o lirismo de "Nunca Mais" é não menos que exuberante. Vai escrever bem assim lá longe! Isso sem mencionar as cordas tão bem costuradas. Uma maravilha!
Ao lado de Jorge Ben, Dona Ivone canta a resistência e beleza dos negros em "Sorriso Negro". Isso décadas antes do discurso identitário tornar-se padrão até entre os opressores.
A cada ataque no contratempo de "Meu Fim De Carnaval Não Foi Ruim" um "pretenso-sambista" que toca na cabeça do tempo caí no tumulo do samba.
Jorge Aragão já nessa época se revela um ótimo compositor em "Tendência". Atenção para uso de teclado e baixo elétrico. Uma "modernização" que não descaracteriza o estilo. Na mão oposta, "Axé de Ianga (Pai Maior)" volta para África, berço natural do samba.
Eia a música genuinamente brasileira via uma interprete e compositora majestosa.
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