sábado, 15 de agosto de 2020

TEM QUE OUVIR: Danny Brown - Atrocity Exhibition (2016)

É indiscutível que o rap vive um grande momento. E estando o gênero em seu apogeu criativo e comercial, grandes artistas inevitavelmente escapam do radar, sendo cada vez mais necessário encontrar voz própria dentro do estilo. Em seu quarto álbum, Atrocity Exhibition (2016), Danny Brown não somente fez isso, como fez com uma ousadia e energia poucas vezes manifestada na história do hip hop.

Para um desavisado, a abertura com o "Downward Spiral" mais confunde do que explica. Se por uma lado o beat orgânico aponta para o jazz rap, por outro há guitarras distorcidas psicodélicas e um flow próximo ao ragga/dancehall jamaicano. Um inicio brilhantemente estranho.

Em "Tell Me What I Don't Know", numa abordagem lirica e interpretativa bastante sóbria, Danny discorre sobre um amigo de juventude que "queimou a largada". Isso em cima de um beat complexo e sintetizadores vintages que não soam exatamente como rap.

Com uma linha de baixo insistente e clima sinistro, "Rolling Stone" cria um cenário dark maravilhoso. A interpretação melódica e grave no refrão é oposta aos versos corridos e anasalados. Há algo de dub na montagem da produção, além de uma atmosfera especial nos timbres/arranjo.

De beat poderoso, com direito a melodia que mais parece cristais em atrito (assinado pelo Black Milk), "Really Doe" é um passarela para Danny Brown, Kendrick Lamar, Ab-Soul e Earl Sweatshirt desfilarem versos incisivos, cada um com flow bastante particular. Difícil saber quem se saí melhor, embora o prestigio tenha ficado mesmo com o Danny ao reunir um time de renome.

Rimando com categoria, sagacidade e uma certa paranoia junkie, "Lost" expõe crises mentais através não somente do lirismo e flow frenético, mas também do estranho beat de groove desconcertante, com destaque para um sample de voz sinistra e enlouquecedora, além de órgãos e sax soturnos.

Poucas faixas desta década são tão explosivas quanto "Ain't It Funny". Metais intoxicantes, graves saturadíssimos e uma certa crueza lo-fi preenchem todo o instrumental enquanto Danny abordada a cocaína com ironia tão divertida quanto sombria.

Não é absurdo compreender "Golddust" como uma canção de rock. Inclusive há uma atitude bastante punk. O groove na caixa, a linha de baixo, o riff de guitarra... tremenda energia elevada conforme a composição se desenvolve.

Com produção assinada pelo The Alchemist, "White Lines" soa como um "dub-rocker" na voz de um rapper. Adoro o timbre enorme do beat e a estranheza do flow dialogando com um tecladinho lo-fi.

Já "Pneumonia" pode ser enquadrada com um "trap de vanguarda". Os timbres metálicos são tão perturbadores que chegam a machucar.

O peso pós-punk de "Dance In The Water" é sustentado pela cozinha encorpada, arranjo crescente e o sample ganchudo/tribal de "Ungawa Part II (Way Out Guyana)".

Embora extremamente dark, há em "From The Ground" um colorido especial vindo não somente de timbres herdados do trip-hop, mas principalmente da linda voz da Kelela.

"When It Rain" invoca elementos do techno numa forma bastante abstrata. A visceralidade interpretativa do rapper impressiona.

Embora bastante minimalista, o beat de "Today" é mais uma demonstração de experimentação dentro das estruturas do hip hop. O efeito na voz do Danny soa muito bem.

Muito legal ver a interação de gerações via a participação do B-Real (Cypress Hill) em "Get Hi", obviamente trazendo toda a atmosfera da marofa no clima da canção, ainda que abordando o tema com enorme sarcasmo.

"Hell For It" fecha o disco com sintetizadores de música ambient, graves imensos e mais uma demonstração da pessoalidade das composições.

Um MC de atitude, um punhado de composições peculiarmente selvagens e paranoicas, além das mãos pesadas do Paul Williams White na produção, colocaram Atrocity Exhibition na vanguarda do hip hop.

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