domingo, 5 de julho de 2020

TEM QUE OUVIR: Tyler, the Creator - Flower Boy (2017)

O Tyler, the Creator é daqueles artistas que surgem sem pedir licença. Através de clipes provocativos - e esteticamente bem particulares -, entrevistas desbocadas, rimas contundentes e uma liderança involuntária do coletivo Odd Future - um bando de moleque talentoso e imaturo -, ele foi tomando de assalto o seu espaço.

Mas em 2017, com três discos na bagagem e idade que não mais permitia grosserias juvenis, ele apresentou ao mundo Flower Boy, seu florescimento enquanto rapper, cantor, compositor e produtor.


Como um mea-culpa, "Foreword" abre o disco com o Tyler se desassociando do estereótipo de "rapstar" que um dia quis ser. O mais legal é que ele transparece verdade em seu texto muito bem escrito e direto ao ponto. A frase "How many riots can it be 'till them black lives matter?" continua mais viva do que nunca. Tudo isso em cima de um ótimo e insistente beat, elegantes orquestrações, além de dois pegajosos e melódicos refrãos do Rex Orange County.

Em "Where This Flower Blooms", após uma lindíssima introdução - com direito a violinos e pianos -, Tyler desfila em versos vulneráveis com sua voz plena e grave. Frank Ocean dá as caras na faixa, assim como na balada synth funk "911 / Mr. Lonely", dona de baixos sintetizados deliciosos.

De arranjo exuberante e melodia inspiradíssima, "See You Again" se apresenta como um dos mais bonitos rap da história. Sua introdução é apaixonante, principalmente na parte cantada pela Kali Uchis. As orquestrações cinematográficas em cima de claps e baixos gravíssimos durante o verso do Tyler são um espetáculo à parte. Especial.

De beat pesado/sinistro, "Who Dat Boy" é o velho Tyler atropelante. Sua voz é chocantemente incisiva. O mesmo vale para a "I Ain't Got Time!", que explora urgência e euforia através de rimas e batidas frenéticas.

O flow de "Pothole" é mais uma amostra do potencial lirico e interpretativo do Tyler. O beat estranhamento torto também é bem legal, com direito a synths à la west coast hip hop e ótimo timbre de caixa. Até mesmo o irregular Jaden Smith manda bem.

O arrojado clima soul de "Garden Shed" é de extrema eficiência. Há na canção linda progressão harmônica, lisérgicas guitarras e vocalizações exuberantes da Estelle. No minuto final, Tyler mais uma vez exibe o domínio dos versos. Ao que consta, na letra ele revela seu interesse sexual por garotos, uma declaração incomum no hip hop, tendo em vista o enorme machismo presente no gênero.

"Boredom" - mais uma vez com o Rex Orange County - é um dos refrães singelamente mais ganchudos do rap, daqueles capaz de fazer um festival inteiro cantar junto. Excelente melodia. Legal também perceber uma certa crueza lo-fi no timbre do beat.

Com versos melódicos e melodias instrumentais que parecem revisitar todo o disco, "Glitter" é mais uma boa canção, abrindo espaço para a derradeira e instrumental "Enjoy Right Now, Today", que traz a guitarra discreta do Steve Lacy.

Se comunicando tanto com o pop quanto com elementos do jazz, Flower Boy é o amadurecimento de um dos rappers mais enigmáticos da última década. Um disco de produção sofisticada, canções memoráveis e um colorido musical a ser celebrado.

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