domingo, 21 de junho de 2020

TEM QUE OUVIR: Mount Eerie - A Crow Looked At Me (2017)

Phil Elverum tem uma carreira sólida no rock alternativo desde a virada do milênio, principalmente através do grupo The Microphones. Esse êxito artístico gerou seu projeto solo, o Mount Eerie, por onde ele lançou o A Crow Looked At Me (2017), não exageradamente um dos trabalhos mais confessionais e tristes da história recente.


Desde sempre tragédias pessoais servem de inspiração para os artistas. No caso do Elverum, foi o falecimento de sua esposa que desencadeou neste álbum. Todavia, é um equivoco comparar esse discos com outros de sua carreira, visto que seus textos e, até mesmo sua voz, expõem uma fragilidade nunca vista antes no artista.

Auto-produzido e executado, gravado no quarto em que sua esposa faleceu, com instrumentos que pertenciam a ela, Phil Elverum desvenda o seu relacionamento e os sentimentos de perda daquela que, além de sua companheira de vida, é mãe de sua filha, na época ainda recém nascida.

Sem enrolação, rimas ou metáforas que jamais traduziriam a dor e frustração, "Real Death" é explicita. Um desabafo de doce melodia e interpretação contida. Não que eu queira dar spoiler, mas é de cortar o coração a maneira com que ele descreve uma encomenda que chega no nome de sua recém falecida esposa contendo um presente para sua filha. Nunca um disco foi capaz de levar o ouvinte as lágrimas tão rapidamente.

Em "Seawees", sem o mínimo esforço, o Phil Elverum nos embarca em seus melancólicos devaneios ao jogar as cinzas de sua amada na natureza. Dá-lhe mais choro.

O canto pausado e as notas dramáticas de violão servem como meio para a poética refinada de "Ravens", a faixa mais longa do disco. Uma bucólica e surreal canção folk. Esse lirismo tão reflexivo quanto impelido é elevado a voos altos na majestosa "Forest Fire".

Ao descrever o momento da morte e até mesmo uma indagação de sua filha, "Swims" coloca o espectador dentro de um cenário íntimo que poucos indivíduos tem o desprendimento de compartilhar. E se você se questionar o porquê dele se despir tanto nas canções, a resposta virá com "My Chasm".

"When I Take Out The Garbage At Night" mais parece uma faixa impulsiva e improvisada do que propriamente pensada. Ela traduz a urgência na feitura do álbum, como se fosse mais um processo terapêutico do que artístico. O sentimento de negação manifestado em "Emptiness, Pt. 2" e "Toothbrush / Trash" confirma isso.

Vale então reconhecer que, embora o disco possa despertar momentos de graça aos ouvintes, muito mais que feito para nós, o álbum se revela uma necessidade do Phil Elverum diante da escuridão. Dito isso, a derradeira "Crow" não parece ser uma resolução feliz.

Se o contexto, as letras e a interpretação se justificam de imediato, o resultado musical se equivale, sendo a produção crua e límpida, a instrumentação sabiamente enxuta e os arranjos suaves, sem grande extravagâncias, traduzindo com sabedoria, tristeza e beleza o momento de luto. "Soria Moria" é um ótimo exemplo deste êxito sonoro, soando graciosa aos ouvidos.

Embora com tantas qualidade, A Crow Looked At Me não bateu de imediato. É de se esperar, visto o contexto dramático. Mas foi me entregando ao texto e assimilando a sinceridade interpretativa, que o álbum ganhou força. Hoje, reouvindo em meio uma pandemia e com minha filha há poucas semanas de nascer, ele soou colossal. Impossível passar indiferente. Difícil, comovente e singular. A arte enquanto extensão do artista, mesmo em seu pior momento.

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