Foi-se o tempo em que o metal extremo podia se dar o luxo de ser tosco. Ninguém mais cai em estética puramente agressiva em detrimento de boa produção, arranjos coerentes e execução precisa. E não digo isso em tom pejorativo - até porque adoro Hellhammer e Venom -, mas as coisas evoluem.
No caso do black metal, ao mesmo tempo em que o estilo eclodia em crimes bárbaros, ele também se aperfeiçoava via álbuns verdadeiramente épicos. Um dos melhores exemplos disso é The Satanist (2014), obra-prima do Behemoth.
Liderado pelo vocalista/guitarrista/compositor Nergal, a banda polonesa vinha desbravando o metal desde meados da década de 1990, mas foi em seu décimo disco que o grupo alcançou o ponto de encontro da violência sônica com eficiência estrutural e narrativa. Anos de experiência e até mesmo um sério problema de saúde do Nergal trouxeram para o Behemoth uma maturidade composicional além do jargões infames do black metal (que ainda estão presentes, claro).
A estrutura sinfônica no arranjo de "Blow Your Trumpets Gabriel" invoca a aura cinematográfica no metal extrememo. Entretanto, ao contrário de outros grupos que abusam do mesmo recurso, a composição não perde sua fúria obscura diante da orquestração, mas sim se soma a barbárie.
No maior estilo old school, embora com produção volumosa ano-luz evoluída, "Furor Divinus" entrega palhetadas abrasivas, blast beat complexos e vocais viscerais.
Um dos grandes méritos do álbum está na qualidade interpretativa, vide a dramaticidade vocal em "Messe Noire", onde guturais ganham tons quase operísticos. Ao lado de momentos cacofônicos, um solo de guitarra tão intenso quanto melódico parece confortar os amantes de heavy metal tradicional.
A agressividade presente em "Ora Pro Nobis Lucifer" é não menos que entusiasmante. Fora que a faixa tem uma sequência nocauteante de riffs. A veloz "Amen" não fica para trás, sendo na verdade um esporro congelante. Vale aqui apontar a excelente mixagem do disco, tão encorpada e corrosiva quanto cristalina.
Trabalhando timbres limpos de guitarra, levadas de bateria mais contidas e coro vocais, "The Satanist" constrói uma atmosfera bastante particular. Atenção para as melodias de voz e de trombone no final da canção. Faixa com potencial radiofônico (isso se as rádios "de rock" tivessem um miligrama de coragem).
Adoro como os diferentes timbres de guitarra formam uma harmonia grandiosa em "Ben Sahar". Mais uma vez Nergal dá um show de potência vocal em "In The Absence Ov Light", com direito a refrão marcante, passagens virtuosas de bateria, solo de sax e lindo arranjo de violão. Em ambas as composições há momentos progressivos (à la Mastodon).
Fechando o disco está a longa"O Father O Satan O Sun!", um desfecho sinfônico de produção eclesiástica, melodia imponente e resultado exuberante. Uma verdadeira epopeia satânica.
O black metal costuma falhar miseravelmente quanto tenta soar épico, sendo o feito do Behemoth ainda mais impressionante. Independente de quão extremo seja, no final são 45 minutos de canções memoráveis, ferozes e imersivas. Eis um dos principais álbuns de metal deste milênio.

Confesso que a aproximação de Nergal com ideias de direita me fizeram perder um tanto o interesse. Os últimos discos são sensacionais, o projeto Me And That Man também (e voltou agora cheio de convidados)... mas tem coisas que tiram o tesão. Nem de ver ao vivo no fim do ano passado eu empolguei mais.
ResponderExcluirEntendo perfeitamente seu distanciamento com o Nergal. Eu sinto o mesmo com o Phil Anselmo, mas ao mesmo tempo tento evitar o "cancelamento artístico".
ExcluirAbraços!