segunda-feira, 16 de março de 2020

TEM QUE OUVIR: Macintosh Plus - Floral Shoppe (2011)

"Ouvi e fiquei sem entender se o tal vaporwave são os momentos monótonos ou as partes em que o disco parece estar riscado. Mas vou dar um desconto porque, diante da não compreensão, até que eu achei bacana". Foi isso que escrevi aqui no blog em janeiro de 2012 sobre o Floral Shoppe (2011). Neste meio tempo, o álbum assinado pela Macintosh Plus tornou-se um marco deste peculiar subgênero.

Hoje é muito mais fácil perceber as características estéticas do estilo, que se apropria do easy listening (seja smooth jazz ou temas lounge/elevador) aplicando timbres sintéticos retrô, algo na linha de videogames/séries oitentistas com uma "sujeira" de fita cassete. Visualmente há elementos cyberpunk, misturado com cores neon-pastéis e deturpação de símbolos pop (principalmente ideogramas japoneses e esculturas gregas). Um prato cheio para quem se interessa por semiótica.


Esse movimento é muito mais amplo que sua sonoridade - que isoladamente poderia ser enquadrada no hypnagogic pop -, sendo na verdade uma tendência cultural que se manisfesta desde em simples e ingênuos memes, até na sarcástica suavização de políticas fascistas da extrema direita (uma evidente apropriação cultural).

Assim como uma tecnologia ultrapassada, o estilo é difundido de maneira muito mais pulverizada e até mesmo descartável. Diversos álbuns são jogados na internet via Brandcamp e SoundCloud sem ganhar grande projeção, sem nunca se atualizar nas mídias de streaming. Até hoje o Floral Shoppe não foi lançado do Spotify. Todavia, o álbum sobrevive como simbolo desta linguagem retrofuturista. A produtora americana Vektroid é quem comanda este feito.

Assim como no plunderphonic, há no vaporwave um abuso de colagens sonoras. Isso fica nítido logo em "Boot" - todas as faixas são nomeada em japonês, mas vou colocar em inglês pra facilitar a nossa vida -, onde a voz ultra processada parece fruto da inteligência artificial. Todavia, essa tecnologia não se aplica a produção, vide os timbres altamente lo-fi do instrumental.

De melodia não menos que convidativa, "Lisa Frank 420 / Modern Computing" é o grande "clássico" da vaporwave. A canção da nova vida para "It's Your Move" (Diana Ross), soando ironicamente tão radiofônica quanto a original.

A construção rítmica via som de CD riscado em "Floral Shoppe" funciona muito bem. Gosto também de como a faixa resgata a suavidade (e de certa forma, também a complexidade) do AOR.

O instrumental de "Library" remete a um synthfunk que poderia ser usado no cine prive. Isso ao menos até entrar uma voz digitalmente gravíssima que o Ed Motta gravaria sem muito esforço.

Com uma sujeirinha glitch e alteração na velocidade, "Geography" soa bastante ousada. Ao contrário do clima suave das outras faixas, aqui há um forte elemento de tensão. Sua construção tem muito da música new age. Por sua vez, o sintetizador de "Chill Divin' with ECCO" explora uma aura etérea numa composição de estética oitentista. O reverb aplicado na caixa, o drive da guitarra... é muito AOR.

Como um sopro de música ambient, "Mathematics" soa altamente hipnológica, trabalhando diversos elementos e cores.

Embora haja um valor cultural muitas vezes ignorado na vaporwave (e eu entendo as razões para isso), o grande mérito do Floral Shoppe é conseguir apresentar boas composições dentro de uma estética solúvel. Álbum influente e de qualidades particulares.

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