quarta-feira, 5 de setembro de 2018

CAIXA PRETA - ITAMAR ASSUMPÇÃO

Um item que almejava há um bom tempo finalmente veio parar em minhas mãos. Agora tenho a Caixa Preta do Itamar Assumpção. Lançado pelo selo SESC, o box traz a discografia completa daquele que compartilha com o Arrigo Barnabé o posto de grande representante da Vanguarda Paulista. Discorrerei brevemente sobre os álbuns.


Beleléu, Leléu, Eu
Um clássico! Disco fundamental da Vanguarda Paulista e, até mesmo, da canção popular brasileira como um todo. Faz dupla com o Clara Crocodilo como melhores discos do período. Seu lirismo é urbano e cinza, diferente do solar rock nacional que despontou pouco tempo depois. Os arranjos são um espetáculo, com destaque para as linhas de baixo do próprio Itamar, que mais parecem desconstruir o reggae. Embora seja seu disco de estreia e tenha uma produção independente, ele soa muito bem, ao contrário de algumas produções posteriores. Nem vou perder tempo mencionando individualmente cada faixa, já que são todas excelentes. Uma maravilha de disco que pretendo abordar detalhadamente futuramente no "Tem Que Ouvir" deste humilde blog.

Às Próprias Custas S/A
Já ouvi algumas pessoas dizerem que o Itamar era melhor nos palcos que em disco. Eu acredito. Sendo assim, esse álbum serve como documento do período. É verdade que a gravação não é das melhores, mas ainda assim registra o artista justamente no auge da Vanguarda Paulista. É legal ouvir a teatralidade que Itamar promove no palco. Isso sem mencionar os arranjados extremamente intricados, cheios de pausas e silêncio. Não devia ser nada fácil executar.

Sampa Midnight
Uma pérola mal polida. Talvez o auge em termos de composição do Itamar. "Prezadíssimos Ouvintes", "Navalha Na Liga", "Ideia Fixa", "Sampa Midnight", "Totalmente A Revalia", "E o Quico?"... é uma faixa melhor que a outra. Pena que a gravação soe tão aquém dos arranjos, que são um espetáculo, repleto de melodias angulares e métricas estranhas.

Intercontinental! Quem Diria! Era Só O Que Faltava!!!!
Único disco do Itamar lançado por uma grande gravadora. Claramente muito melhor produzido que os dois anteriores. A sonoridade chega a lembrar os trabalhos do Caetano na fase A Outra Banda da Terra. Essa polidez ressaltou as qualidades da Isca de Policia, com destaque para o trombone do Bocato, as guitarras de Luiz Waack, a bateria do Gigante Brazil e o baixo de Paulo Lepetit. Injusto não mencionar também as vozes femininas tão características dentro da obra do Itamar (Tulipa Ruiz pegou muito de Tetê Espíndola em "Adeus Pantanal"). Por outro lado, talvez seja uma entressafra do Itamar enquanto compositor, o que não o impediu de arquitetar pérolas como "Pesquisa de Mercado I", "Sexto Sentido", "Perdido Nas Estrelas" e "Espírito Que Canta", essa última uma obra-prima.

Bicho De 7 Cabeças (I, II e III)
Justamente após um (comercialmente) nem tão bem-sucedido disco lançado por uma grande gravadora, Itamar reaparece com uma nova banda (Orquídeas do Brasil, agora formada só por mulheres), manifestando certo rancor irônico, vide "Onda Sertaneja" e "Quem É Cover De Quem" (uma homenagem ao Luiz Melodia, um ataque a critica cultural). Sua poética fica ainda mais paulista, vide "Venha Até São Paulo", com participação de Rita Lee. Já o Tom Zé dá as caras na espetacular e curiosamente brejeira "É Tanta Água". O canto de Jards Macalé em "Estrupício" faz a ponte entre duas gerações de "malditos". Esse rótulo tão combatido pelos artistas serve para explicar a indústria da música e não para desvalorizar suas obras.

A parceria de Itamar com o Paulo Leminski se manifesta em "Custa Nada Sonhar". Sua canção ganha um perfil popular, se não em alcance, ao menos em exito artístico. Um grande exemplo disso são as linda "Tua Boca" e "Milágrimas".

Os três discos flertam com o pop em suas produções, embora a banda traga sempre uma ousadia interpretativa, vide "Ciúme do Perfume" e "Lambuzada de Dendê". Fora a poética do Itamar que carimba sua força a cada nova audição. Neste sentido, o destaque vai para "Noite Torta".

Os três discos, todos lançados em 1993, saíram pela Baratos Afins, do grande Luiz Calanca. 

Ataulfo Alves por Itamar Assumpção - Pra Sempre Agora
Primeiro foi o Grupo Rumo, que reviu Noel Rosa, Lamartine Babo, Sinhô e tantos outros pilares da canção nacional. Recentemente Arrigo fez uma releitura da obra do Lupicínio Rodrigues. Neste meio período, Itamar encarnou Ataulfo Alves. Tudo isso para exemplificar a ponte que a Vanguarda Paulista fez entre o tradicional e o moderno.

Os arautos da moralidade talvez encontrem problema na clássica "Saudades da Amélia" ou na espetacular "Requebro da Mulata". Nada que tire das composições sua excelência. Sua interpretação na linda "Laranja Madura" e "Pois É" (com destaque para a Isca de Policia) faz deste um dos trabalhos mais adoráveis do Itamar. Em "Vassalo do Samba" a fundição dos dois artistas é total. Uma amostra clara que Itamar era não só um grande compositor, mas também um fantástico interprete. Discão!

Isso Vai Dar Repercussão
Itamar e o grande Naná Vasconcelos juntos. Uma parceria que por si só já vale a audição. Nenhum dos dois em seus melhores momentos, mas que unidos criam uma obra muito bonita. Itamar não chegou a ver o resultado final. Dizem que ele sequer aprovaria. É bem possível. Adoro "Próxima Encarnação" e a linda "Fim de Festa". Um disco menor de um encontro histórico.

Pretobras
Disco lindo! São inúmeros as canções que me causam emoção. "Vida de Artista" é doce e sagaz. "Dor Elegante" (em parceria do Leminski e com participação da Zélia Duncan) faz da doença terminal uma das mais bonitas músicas pop do Brasil. "Olho No Olho" tem a guitarra sempre primorosa do Lanny Gordin. Tudo muito bem arranjado e tocado. Um disco que merece maior atenção.

Pretobras (II e III)
Não pode passar batido o fato de seu disco melhor produzido ser póstumo. É legal ouvir as vozes de Seu Jorge, Arnaldo Antunes, B-Negão, Elza Soares, dentre outros, somadas a de Itamar.

As bases eletrônica em canções do Pretobras II - como em "Os Incomodados Que Se Mudem" - levam a obra do Itamar a atemporalidade. Já a letra de "Ir Pra Berlim" revela as angústias de um cantor popular incompreendido em sua terra natal. A lúdica "Más Línguas" é divertida e inventiva. "Procurei" é um destaque dentro de todo o seu repertório.

No Pretrobras III (produzido pelo Lepetit) a Isca de Policia volta a se fazer presente. Sendo assim, soa como o bom e velho Itamar, mas numa roupagem moderna. Dentre os destaque temos "Anteontem", "Persigo São Paulo" (duelando com Arrigo) e a bem bolada "Pirex".

Ambos os discos foram os que ficaram em maior rotação aqui em casa. Uma nova descoberta dentro da vasta e brilhante discografia do Itamar.

Um comentário:

  1. Excelente apanhado, caixa essencial! A citada "Quem É Cover De Quem", dentre tantas, é uma delícia e de uma inteligência e bom humor. A cara de Itamar, pena que os discos com as Orquídeas são pouco lembrados. Felizmente, as próprias às vezes nos brindam com alguns shows.

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