sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Para render-se ao trap

2018 foi o ano em que me rendi ao trap. Músicas que tempos atrás eu acharia intragáveis, começaram a cair no meu gosto. Somando força a essa reavaliação pessoal, veio o aperfeiçoamento estético do estilo. Claro, artistas genéricos e aproveitadores também começaram a surgir, mas nada que uma audição atenta não afaste rapidamente eles do radar.

Para quem não sabe nada sobre o estilo, vou tentar descrever: 

Trap é um subgênero do rap que nos últimos anos tornou-se muito popular. É uma vertente menos engajada e mais pop. As produções costumam ter poucas elementos, mas ainda assim soam grandiosas e entusiasmantes. Kick extremamente graves e lentamente pulsantes são entrelaçados em hi-hat agudíssimos e velozes. Sintetizadores oriundos da nova cena EDM também dão as caras. Já as vozes são melodicamente retas, comumente tercinadas, pausadas e ultra processadas (auto-tune voltou com tudo!). Bizarras e divertidas onomatopeias (os chamados "ad-lib") aparecem entre os versos. Não estranhe caso ouça algo semelhante a um arrulhar de pombo (prôô). A temática é a velha exaltação do dinheiro (bastante representada nas marcas das roupas, carros e bebidas), mulheres e drogas (com a codeína misturada com refrigerantes tornando-se a nova onda). 

Superficialmente é isso. Claro que a descrição ficou confusa e genérica. Mais fácil seria ouvir algo. Um representante bem caricato do estilo é o Migos, grupo enorme nos EUA. Ouça/veja o vídeo abaixo e entenderá melhor do que se trata:


Acho que a primeira vez que eu ouvi falar de trap foi com o Travis Scott quando ele lançou o Rodeo (2015). Na época até a Beyoncé já havia abraçado a estética (vide o beat do Mike Will Made It em "Formation"), mas confesso que demorei para sacar o que estava acontecendo. Dali para frente passei a reconhecer dezenas de novos rappers, muitos com "Lil" no nome, vários deles com tatuagem na cara, todos fazendo o tal do trap. Vide o Lil Pump, que de tão besta eu acho até divertido.


Avaliar racionalmente o gênero pode ser um erro. Trap é para ser divertido. Se ele conseguir alinhar isso a ótimas produções, melodias interessantes, interpretação sincera, letras espertas e soluções sonoras criativas, melhor ainda. Mas convenhamos, é som de moleque xarope. Ele tem que ser compreendido dentro de seu contexto e de sua verdade. Não vá chegar comparando com o Public Enemy que é perda de tempo.

Digo que me rendi ao estilo em 2018 pois concluí que já foram lançados álbuns bem legais dentro do estilo. Nenhum nota 10, muitos nota 7. Postarei uma música de cada álbum que eu curti.

Dê uma chance, nem que seja para conhecer. Esse é o barato da música.

Travis Scott - SICKO MODE
Se quando o Travis Scott apareceu eu não entendi nada, agora ele tornou-se referência do gênero. Essa música tem uma melodia vocal bem legal. Gosto também da maneira inesperada com que ela se desenvolve. A produção é impressionante, até mesmo com certa espacialidade psicodélica.

CupcakKe - Cartoons
Uma representante feminina que trouxe para o estilo bastante ousadia no flow e nas produções. Pesadão!

Lil Yachty - DAS CAP
De todos os Lil, talvez o Yachty seja o mais legal. Ele traz uma densidade perigosa e paranoica para suas canções.

Post Malone - Psycho
Extremamente pop. Talvez de todos que eu citei, ele seja o único que esteja fazendo verdadeiro sucesso também no Brasil. Gosto do fato das melodias serem grudentas e da profundidade interpretativa que ele tenta trazer ao estilo.

Ski Mask The Slump God - Childs Play
O lado mais cômico, jovem e bizarro do trap. A produção é sinistra. Seu flow é furioso. Nenhum pai quer o filho ouvindo esse tipo de som. Isso é ótimo.

Rico Nasty - Rage
Na boa, isso daqui é heavy metal.

Playboi Carti - R.I.P.
Figura altamente singular dentro de um gênero. Jovem e promissor rapper.

Denzel Curry - Gook
Quem diz que trapper não tem capacidade lírica não conhece o Denzer Curry. Uma das grandes vozes do rap contemporâneo. Seu flow é poderoso.

Vince Staples - BagBak
No álbum Big Fish Theory (2017) o rapper expandiu os horizontes das produções de trap trazendo elementos bastante abstratos da música eletrônica. O resultado em muitos momentos é avassalador. 

Young Thug - Liger
Faixa não menos que carismática.

J.I.D. / J Cole - Off Deez
Gosto muita da urgência deste flow. É técnico e voraz.

21 Savage & Metro Boomin - Run Up The Racks 
Para finalizar, a música que iniciou a minha "transição ao trap". 21 Savage é um dos grandes rappers do estilo, mas é a produção densa e profunda do Metro Boomin que mais chama a minha atenção.

"E no Brasil?", você me pergunta. No Brasil o estilo ainda está em desenvolvimento. O Raffa Moreira, outrora uma piada, continua sendo uma piada, mas melhorou bastante suas produções. MC Igu, FBC, Sidoka e mesmo o Diomedes Chinaski também estão colaborando com a cena. Lembro também do Beli Remour, que lançou um álbum esse ano (O Minimalismo É Rosa) que faz uma tentativa avançada de trap em território nacional, beirando o psicodélico.

É isso. Ouviu tudo e não gostou? Bola pra frente! Se pintar algo muito diferente disso eu volto aqui. No momento to achando legal. O futuro ninguém sabe.

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