quarta-feira, 23 de maio de 2018

Os discos mais bem produzidos segundo eu mesmo

O Júlio Victor do canal Tá Na Capa fez um vídeo citando 5 discos que para ele tem as melhores produções. Roubei a ideia e fiz a minha lista. Compulsivo que sou, fui listando sem estabelecer um número. Nem pensei muito, fui anotando os primeiros álbuns que vieram a mente.

Nenhum que citarei é obscuro. Muitos são clássicos. Todavia, embora possivelmente você já tenha escutado todos, acho que vale a pena dar uma reouvida atentando-se a produção.

Lembrando que produção não se restringe a questões técnicas (captação, mixagem, masterização), mas também a escolha de repertório, elaboração de arranjos, direção na gravação e até mesmo na criação de um conceito enquanto obra.

Exatamente por englobar tantos fatores, citarei nos respectivos discos o que mais me chama a atenção, embora as produções como um todo sejam majestosas.

Outras centenas de álbuns mereceriam menção. Inclusive, a maioria dos presentes no "Tem Que Ouvir" deste blog tem grandes produções. Todavia, pessoalmente são esses os meus escolhidos. Deixem nos comentários a lista de vocês.

Joe Meek - I Hear A New World (1960)
O nome do disco já diz tudo. Esse álbum soa como se o Joe Meek pegasse os overdubs e a manipulação de fitas do Les Paul, o "wall of sound" do Phil Spector (antes do próprio) e os experimentos de música eletrônica de vanguarda e colocasse tudo num disco "pop". Nada soa igual. Lembrando que o Joe Meek foi um dos nomes mais importantes para o desenvolvimento da engenharia de áudio.

John Coltrane - A Love Supreme (1965)
Após uma imersão espiritual do John Coltrane que o levou o a arranjar meticulosamente todas as músicas do disco (algo raro no jazz, estilo que prima por improvisos), restou ao lendário Rudy Van Gelder a tarefa de captar com maestria a atmosfera do estúdio. Se A Love Supreme sobrevive a mais de meio século como o principal registro de um dos melhores instrumentistas da história, muito disso se deve a clareza da gravação.

The Jimi Hendrix Experience - Electric Ladyland (1970)
Gosto sempre de reforçar que o Jimi Hendrix era não "só" um excepcional guitarrista/compositor/cantor, mas também um magnifico produtor. É clichê dizer isso, mas a verdade é que ele usava o estúdio como instrumento, sendo aqui o lendário Recorď Plant um dos laboratórios. Electric Ladyland é o seu auge. Menção para o mitológico engenheiro de áudio Eddie Kramer.

Black Sabbath - Black Sabbath (1970)
Embora seja indiscutivelmente um clássico, sendo até mesmo apontado como o álbum que deu a luz ao heavy metal, Black Sabbath é comumente diminuído, possivelmente devido a força dos trabalhos posteriores da banda. Todavia, adoro a rusticidade tanto da captação quanto da performance. Tudo soa extremamente orgânico. É possível encontrar deslizes na execução, mas isso só colabora para traduzir a força interpretativa daqueles quatro jovens da zona industrial da Inglaterra. Em tempos onde o heavy metal tornou-se tão meticuloso, voltar as origens do estilo e perceber a espontaneidade do gênero se faz necessário.

Marvin Gaye - What's Going On (1971)
Como se não bastasse ter o Marvin Gaye no auge da sua performance vocal e compondo como nunca antes (nem depois) na história da soul music, os músicos de apoio da Motown dão um show à parte. Orquestrações, bateria, baixo (do icônico James Jamerson), guitarras, metais, congas, dezenas de vozes... tudo dialogando fluidamente em arranjos majestosos. O desenvolver do disco através de cada faixa é de excelência poucas vezes vista. Lindo.

Deep Purple - Machine Head (1972)
Seleção de repertório que mais parece uma coletânea de classic rock. Interação dos músicos espetacular. Captação crua e cristalina do Martin Birch. Não tem erro. Espetacular!

Pink Floyd - The Dark Side Of The Moon (1973)
Talvez o disco da minha vida. O conceito, a capa, as letras, as melodias, os arranjos, as performances, os timbres, a mixagem... é perfeito. Tudo isso justifica o porquê de não só o Pink Floyd ter se tornado um grupo lendário, mas também o produtor Alan Parsons.

Led Zeppelin - Houses Of The Holy (1973)
Ignore o quão clássica/maravilhosa/influente é a banda. Apenas atente-se para a música que abre o discom "The Song Remains The Same". As camadas de guitarra, a profundidade da bateria, o timbre enorme de baixo... é demais! Grande parte da admiração mística que tenho pelo Jimmy Page se deve as suas produções.

Rita Lee - Fruto Proibido (1975)
Muita gente não gosta, mas eu adoro o som dos discos setentistas brasileiros. É verdade que por ser o período de maior desenvolvimento da música popular, isso ajuda no resultado da produção de um disco como um todo. Mas aqui não me refiro a composição, mas sim exclusivamente aos timbres toscos daquelas baterias que soam como se fossem de papelão. Sou fã dessa sonoridade. Com repertório e músicos maravilhosos, além do acabamento do Andy Mills, Fruto Proibido é um destaque do período.

The Congos - Heart Of The Congos (1977)
Gravado pelo lendário Lee "Scratch" Perry no mitológico Black Ark Studios, Heart Of The Congos é uma amostra genuína de toda a sensibilidade, crueza e exuberância do reggae jamaicano. As dezenas de overdubs e efeitos paranoicos do Lee Perry são de criatividade absurda. O disco parece permanecer a um espaço/tempo exclusivo dele. Tudo soa muito atmosférico, vagaroso e "esfumaçado". Uma maravilha alcançada com tecnologia arcaica. 

David Bowie - "Heroes" (1977)
O talvez mais bem acabado disco da cultuada trilogia de berlim do David Bowie (embora eu também ame o Low). A junção de forças do Bowie com o Brian Eno, Tony Visconti, Robert Fripp e outros músicos espetaculares, deu a luz a uma das sonoridades mais sui generis da música. É cósmico, frio, expressionista, fúnebre, encantador... na realidade nem tenho palavras para descrever o quão transformadora foi a apropriação do krautrock feita pelo Bowie para a história da música.

The Clash - London Calling (1979)
Um clássicos indiscutível, mas que nem sempre é lembrado por sua produção. Se o disco representa o amadurecimento do punk rock, muito disso se deve ao cuidado com os arranjos, a seleção de repertório e a variedade timbristica do disco. Polido, mas sem descaracterizar a essência da banda.

Michael Jackson - Off The Wall (1979)
Michael Jackson no seu auge enquanto interprete. Composições clássicas de nomes como Paul McCartney, Stevie Wonder e Rod Temperton (e do próprio Michael, claro). Produção/arranjos do Quincy Jones. Alguns dos melhores músicos de estúdio de todos os tempos (George Duke, Louis Johnson, Steve Porcaro, John Robinson, Larry Carlton...). É chover no molhado falar deste disco. Apenas dê atenção a como a mixagem soa limpa diante de arranjos complexos com dezenas de instrumentos tocando ao mesmo tempo.

The Cult - Electric (1987)
Aqui eu poderia ter colocado o Back In Black, mas considero Electric o aperfeiçoamento da proposta iniciada com o AC/DC. Obviamente não estou aqui comparando as composições (Back In Black é de excelência, inventividade, alcance e qualidade muito superior), mas sim a força da execução e a captação/mix/master do disco. Quando o assunto é produção de rock n' roll, é desse disco que me lembro. Anos depois o AC/DC chamou o Rick Rubin para trabalhar com eles. Aposto que era essa sonoridade que eles tinham em mente.

My Bloody Valentine - Loveless (1991)
Tudo soa tão enorme e impressionantemente gracioso que eu fico até confuso. Paredes de guitarras formando uma nuvem sônica. Ainda hoje é copiado, mas nunca chegam perto. Só não precisava a banda estourar o orçamento da gravadora Creation, né? Tudo em nome da perfeição do shoegaze.

Metallica - Metallica (1991)
É carne de vaca, mas o que posso fazer se toda vez que entra a bateria de "Enter Sandman" ou a guitarra de "Sad But True" eu penso "vish maria!". Ok, não sou dos maiores fãs do repertório do disco, mas esse trabalho definiu um novo padrão de qualidade no que se refere a mixagem e masterização (ao menos no rock/metal). Argumentar contra é perda de tempo. Mérito não só do Bob Rock, mas também dos engenheiros Randy Staub e George Marino.

Pantera - Far Beyond Driven (1993)
Quase tudo que eu disse para o Metallica também vale aqui. A diferença é que adoro todas as composições e que a banda toca muito melhor, extraindo timbres e performances demolidoras. O grande nome na produção neste caso é o Terry Date.

Nirvana - In Utero (1993)
Sou fã do Steve Albini. O modo com que ele encara a massa sonora que as bandas produzem, sempre me encantou. Ele não parece podar o som. Os artistas reverberam em intensidade e crueza em suas mãos. Sua produção é anti-polimento, é a pura entranhas dos artistas. In Utero é uma das melhores amostras disso (uma ótima banda e um excelente compositor ajudam).

Soundgarden - Superunknown (1994)
Já vi muita gente dizendo que meados da década de 1990 foi o auge da produção analógica, que começava a ser substituída (ou misturada) por equipamentos digitais. Tendo a concordar. Pegue como exemplo o Superunknown. Acho sua sonoridade uma evolução do Led Zeppelin (que já era fantástico, tanto que citei nessa lista). Atente-se, não me refiro a qualidade das composições nem da importância histórica, me refiro a captação, timbres, largura, volume, peso, cristalinidade. No que se refere a produção de rock, acho difícil superar o que foi alcançado aqui. Vale dizer que a mixagem é do Brendan O'Brien e a masterização do Dave Collins.

Nine Inch Nails - The Downward Spiral (1994)
Adoro o peso claustrofóbico produzido por grupos como o Ministry. Nessa onda de rock industrial, The Downward Spiral pode ser facilmente apontado como o ápice criativo. Tudo soa intenso, corrosivo, pesado e bem construído. Fora que a fluidez na ordem das faixas, o que é fundamental para o êxito da experiência auditiva. O Trent Reznor está no auge enquanto compositor e interprete. A mão pesada do Flood também não pode ser ignorada.

Björk - Post (1995)
Se a competência da Björk enquanto cantora e compositora está acima de qualquer suspeita, vale reforçar o magnitude da produção de seus discos. Tudo soa muito bem, sendo a extensão da sua mente. A produção é intrínseca ao seu processo criativo. Adoro muitos de seus discos, mas tenho afeto pelo Post. A ficha técnica nomeando produção do Tricky, programações do Howie B, arranjo de cordas do Eumir Deodato e mixagem do Spike Stent só atesta minha predileção.

Raimundos - Raimundos (1994)
Não existem muitos discos no rock brasileiro melhores que o primeiro do Raimundos. E não se trata aqui de procurar/citar melhores - que, claro, existem -, mas de reconhecer a urgência da gravação e o peso dos instrumentos. Trata-se de valorizar a criativa fusão de hardcore com forró, a sagacidade das letras e a fuleragem da banda como um todo, justamente numa época em que o rock nacional estava tão em baixa e que a indústria exigia cada vez mais polidez e pasteurização sonora. Esse disco é para mim o exemplo máximo de produção de rock no Brasil. É o resultado genuíno de um produtor que entendeu a essência de uma banda, soube capta-la sem recorrer a invencionismo e a lançou pelo seu próprio selo. É o estilo de produção que eu acredito. Méritos do Carlos Eduardo Miranda.

The Flaming Lips - The Soft Bulletin (1999)
Eu deixei de fora o Pet Sounds do Beastie Boys propositadamente por achar que sua produção é "superestimada". Mas não no sentido de ser ruim, mas por entender que o álbum tem diversas outra qualidades que são atenuadas ao destacar sua produção. Dito isso, existem uma infinidade de discos influenciados pela sonoridade do Pet Sounds que eu adoro. O maior exemplo é o magnifico The Soft Bulletin. Vale dizer que, embora ele remeta a um estilo de produção já consagrado, ele não é pastiche, sendo na verdade uma atualização de uma estética do passado. Quem assina a produção é o talentosíssimo Dave Fridmann.

Radiohead - Kid A (2000)
O tal disco experimental/eletrônico do Radiohead. Representa muito bem a virada do milênio. Por mais sofisticado e esquisitão que seja, considero que foi a produção que ajudou no êxito comercial do disco, sendo que aqui a produção se mistura com as composições em si, dada a importância dos timbres para construir as texturas riquíssimas do disco. Por mais incrível que a banda seja, o Nigel Godrich merece importante menção. 

The White Stripes - Elephant (2003)
Por mais talentoso que o Jack White seja enquanto instrumentista e compositor, o que assegurou o êxito do seu trabalho foi a sua produção não soar pastiche. O fato dele ter conseguido atualizar e trazer uma veia pop contemporânea ao blues do começo do século passado, é de uma sabedoria e competência tremenda.

Burial - Untrue (2007)
Parti para essa lista já pensando que tinha que ter um álbum de música eletrônica. Dois segundos depois já havia escolhido o Untrue. Adoro as composições, o desenvolvimento das faixas, os timbres, a atmosfera, como ele passeia tanto pela música ambient quanto pelo uk garage, trip hop e dubstep. É um disco profundo, muito disso devido a produção. Imersivo.

Deftones - Diamond Eyes (2010)
Um clássico aqui em casa. Adoro as produções do Nick Raskulinecz, sendo atualmente a minha principal referência de produção no rock. Tudo dele soa denso e estranhamente emocionante, embora coberto por um peso absurdo. Com o Deftones essa qualidade chegou a um ponto embasbacante.

Death Grips - Bottomless Pit (2016)
Abstrato, problemático, denso, experimental, esquizofrênico e tudo mais que possa ser usado para descrever algo insano. A banda como um todo é sensacional e parece trabalhar pensando "somente" no resultado da produção. Da composição a execução, passando pela pós-produção, tudo é uma nova oportunidade para elevar a saturação caótica de suas músicas. Uma forma de construção artística musical de grande qualidade estética.

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