quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

TEM QUE OUVIR: Frank Ocean - Blonde (2016)

Lembro quando saiu Channel Orange (2012), o disco de estreia Frank Ocean. Sua aclamação foi imediata e unanime. Eu, ainda com grande resistência para o r&b contemporâneo, não consegui entender a adoração. Na época eu esbravejava em nome da "autêntica soul music", feita naquele momento por artistas como Sharon Jones e Charles Bradley (que fique claro, eles não tem culpa do idiota que eu era e são realmente ótimos). 

Agora corta pra 2016. Eu era outro e o Frank Ocean também. Diante disso eu me rendi para Blonde.


É inegável o refinamento que o Frank Ocean alcançou neste trabalho, seja em composição, produção, interpretação ou conceito. Entretanto, ao contrário do que possa revelar a enorme ficha técnica e o lançamento de um denso/ousado áudio-vídeo um dia antes (Endless), o álbum não é grandiloquente. Há uma verdadeira consciência (e até mesmo "simplicidade") pop dentro da ambiciosidade.

Se a manipulação vocal em Channel Orange me incomodava, a abertura com "Nikes" soou como mal presságio, com a diferença que sempre achei o efeito aqui esquisitamente divertido. É como os momentos mais "bizarros" do Kanye West, que parecem tecnicamente "errado", mas mesmo assim exerce atração. Adoro também a "cama ambient".

Gosto como "Ivy" soa pop e contemporânea, ainda que oposta as produções estrondosas tão presentes na época. O que sobressaí é o uso de timbres orgânicos via as mãos do Rostam Batmanglij (guitarras com trêmolo e reverb, baixo opaco). Por outro lado, a voz desesperadamente robótica do Frank Ocean no final soa incrivelmente emotiva, assim como a narrativa desiludida.

A parceria com o Pharrell Williams em "Pink + White" é de resultado acachapante. A batida, o piano, a linha de baixo, as cordas... tudo é muito sexy. Famoso “triste e com tesão”. Ah, a participação discreta de uma certa Beyoncé também colabora para isso.

Com um particular e bonito flow - ora falado, ora melódico, ora frenético - em cima de um órgão catedrático, "Solo" é de musicalidade simples e deslumbrante. O mesmo vale para a delirante "Skyline To", que mais parece um sonho. Tanto o instrumental com o pé no post-rock quanto a interpretação vocal do Frank Ocean são arrepiantes. Em ambas as faixas é interessante notar a ausência do elemento rítmico.

Sustentada basicamente por vozes celestiais e uma guitarra chorosa do Jon Brion, "Self Control" se faz suficiente. É a força da canção acima de qualquer invencionismo besta. Por outro lado, o beat de "Nights" é bastante ousado, explorando timbres "estragados", ritmos esqueléticos e harmonia luminosa. A canção evolui de maneira brilhante.

Como um drone sinfônico paranóico, "Pretty Sweet" é de um frescor inacreditável. É ruidosa, sonoramente grandiosa e melodicamente estranha. Há até mesmo um beat que deixaria o Aphex Twin entusiasmado. Isso seguido de um coro vocal infantil. Tudo em apenas 2:30.

Transitando por um synth ambient, violãozinho lo-fi/"grunge" e interferências rockeiras, "White Ferrari" explora novamente a capacidade lirica e vocal do artista.

Há mais captação de ruído do que dos acordes de guitarra em "Seigfried". Mas o que era pra ser lo-fi, vai aos poucos se revelando um majestosa canção, redundadamente cantada com enorme paixão e fragilidade. O responsável pelo espetacular arranjo: Jonny Greenwood. Já na experimentalmente gospel "Godspeed" quem rouba a cena é o James Blake.

Entre as vinhetas, é possível destacar o honesto discurso anti-droga da mãe do Frank Ocean em "Be Yourself"; o sempre brilhante André 3000 devorando versos enquanto pianos confundem o ouvinte em "Solo (Repise)"; e "Close To You", aquela mesma dos Carpenters, aqui desconstruída em cima de um beat tão complexo quanto envolvente. Mais uma vez Frank Ocean explora efeitos vocais (auto-tune come solto). Diante disso tudo, "Futura Free" é um final menos atraente.

Com faixas individualmente tão minimalistas, embora altamente passionais e reflexivas, Blonde mais parece a trilha-sonora dos EUA diante do precipício. Eis um falso reflexo de serenidade. Não ignore a beleza do fracasso. Não subestime o triunfo do artista.

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