terça-feira, 14 de janeiro de 2020

TEM QUE OUVIR: Deerhunter - Halcyon Digest (2010)

O indie rock do novo milênio nunca negou o olhar para o passado. Fosse o pós-punk, o garage rock, a psicodelia ou o Velvet Underground, essa memória retroativa se manifesta em diversos grupos. No Deerhunter não é diferente. Entretanto, ao abraçar todas essas tendências, o resultado alcançado fugiu do convencional. Se por um lado a banda já tinha causado comoção na cena alternativa, com o lançamento do Halcyon Digest, o quinto álbum do grupo, o burburinho se espalhou. Os motivos são óbvios.


Ainda que a aura psicodelicamente dark e ruidosa estivesse presente, há um polimento no disco, de forma que as canções soem melhor resolvidas. Isso se deve em grande parte a maturidade composicional do Bradford Cox.

Em cima de um ritmo esquelético, "Earthquake" é erguida por guitarras arpejadas, baixo seguro, efeitos etéreos e uma voz reveberosa numa linda melodia. Um começo não menos que emocionante. Já a aconchegante e tosca saturação de "Don't Cry" remete aos momentos mais psicodélicos do Neutral Milk Hotel.

A quase religiosa "Revival" é realçada por suas harmonias vocais, banjos e baixo opaco-maccartniano. É impressionante como os instrumentos se fundem com clareza nos arranjos, vide o que acontece na sonoramente grandiosa "Memory Boy", que traz até mesmo um emaranhado de gaitas.

A construção lindamente melancólica de "Helicopter" é também um show à parte. Aqui vale atentar para a produção focada em timbres cristalinos e enormes. Aqui a mixagem do Ben H. Allen ganha pontos. Brian Wilson aprovaria. O mesmo vale para a longa (e um tanto quanto repetitiva) "He Would Have Laughead".

Sempre considerei que muito do que foi atribuído ao Tame Impala se deve na verdade ao Deerhunter. Escute a docemente psicodélica "Basement Scene" e veja se não faz sentido.

No meio de tanta criatividade, dá pra dizer que a crueza paranoica de "Desire Lines" e a sujeira sessentista de "Coronado" (com direito a sax à la Clarence Clemons) agradariam em cheio um fã de Strokes.

Com distribuição da 4AD, Halcyon Digest só peca pela capa, que involuntariamente me remete ao pavoroso vídeo de "Obedece A La Morsa". Um mero detalhe diante da excelência sonora.

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