segunda-feira, 22 de abril de 2019

Devaneios confusos sobre o "formato álbum"

Vire e mexe eu trago aqui para o blog verborrágicos devaneios. Hoje eu gostaria de refletir sobre o "formato disco". Na verdade é o "formato álbum", já que não me refiro a uma mídia física - ou seja, "discos" de vinil (os Long Play, LP) ou mesmo o Compact Disc (CD) -, mas sim ao conceito de faixas amarradas entre si em obras fechadas de em média 40 minutos.

Acho uma reflexão válida pois costumo ver grande parte dos artistas e do jornalismo musical brasileiro ignorando a força do formato atualmente. O Luiz Felipe Carneiro, por exemplo, em um de seus vídeos no canal Alta Fidelidade, expôs uma inverdade que permeia a visão de muitos. Ele afirmou que a juventude não tinha mais interesse em discos, dando preferência a singles e, que por isso, muitos artistas não lançavam mais álbuns, citando inclusive uma conversa com João Barone sobre o assunto. Curiosamente, o próprio Paralamas do Sucesso lançou um disco em 2017, o irregular Sinais do Sim.

É inegável que a venda de discos caiu vertiginosamente nos últimos 20 anos. Todavia, o formato ainda se mantém relevante nas plataformas de streaming, ainda que rivalizando com as famigeradas playlists.

A grande vantagem do álbum é que ele possibilita construir uma narrativa/conceito com maior amplitude. E já que os artistas não produzem "apenas" música, mas exploram diversos caminhos estéticos - tanto para que sua obra seja mais ampla, quanto para buscar diferentes fontes de renda -, o disco da margem para a criação. Diversos nomes podem ser citados como exemplo neste sentido.

O Drake, um dos rappers de maior circulação no mundo pop, aposta em diversos formatos. Singles (a maioria com clipes no YouTube, claro), mixtapes e EPs fazem parte do seu pacote. Todavia, é quando ele lança discos que sua projeção aumenta, sendo analisado pela Pitchfork, indo parar na capa da Rolling Stone e nos vídeos do Anthony Fantano. Diferente meios jornalísticos que fazem dele o centro das atenções. O que é mais lucrativo para ele, os views no YouTube de um single ou a mídia cobrindo um novo disco?

Já o Kanye West, um dos principais rappers deste milênio, fez da sua discografia um patrimônio artístico. Seus álbuns são ouvidos e analisados com a profundidade de qualquer discografia de medalhões do passado. Obras como The College Dropout (2004) e My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010) podem ser considerados clássicos contemporâneos. Não por acaso ele trabalhou em cinco discos no ano passado (com Pusha T, Kids See Ghosts, Nas e Teyana Taylor, além do disco solo). Ele não investiria tanto tempo em álbuns se isso não desse algum resultado para ele.

Acho legal também citar a Beyoncé porquê, embora seus vídeos estejam no YouTube, as pessoas se interessam em ouvir seus discos, sendo que rendeu burburinho o fato do Lemonade (2016) finalmente estar chegando aos serviços de streaming. Isso para não mencionar o Homecoming: The Live Album, álbum ao vivo lançado essa semana e que recebeu enorme atenção. É verdade que a "marca Beyoncé" em parceria da Netflix ajuda neste alcance, mas ainda assim deve-se atentar que foi o "formato álbum" utilizado enquanto produto final.

Sobre a Ariana Grande acho importante reforçar o quanto seu prestigio artístico se elevou com o lançamento de seus dois últimos discos, os ótimos Sweetener (2018) e Thank U Next (2019), ambos construindo sua personalidade de maneira que nenhum single conseguiria, embora algumas faixas tenham sido lançadas enquanto singles/clipes no YouTube. Uma mão lava a outra.

No caso do Arctic Monkeys, uma das bandas de maior alcance e mais prestigiadas do rock atual, é oportuno lembrar que eles não lançaram nenhum single antes do último disco, o bom Tranquility Base Hotel & Cassino (2018). O público recebeu suas novas faixas numa única tacada. Não dá pra dizer que não funcionou.

Esse fenômeno com os discos não é exclusivo do rap/pop/rock contemporâneo internacional, visto que nomes como Baco Exu do Blues e Djonga também priorizam a construção de suas discografias. Até a Anitta decidiu agora lançar um álbum, vide o péssimo KISSES.

Claro, singles como "This Is America" continuam sendo lançando e causando alvoroço, mas nada que tire a demanda por obras cheias. Tanto que, embora tenha adorado os já citados discos da Ariana Grande, não me interessei em ouvir seu single que saiu semana passada. E nada especificamente contra o single em si, que nem novidade é dentro da industria musical, mas é que eu, assim como tantos, veem os discos/álbuns como melhor formato para compreender um artista, sendo que a maior parte destes artistas entendem isso e continuam investindo no formato.

Só para não parecer que sou "contra singles" ou que não enxergo sua importância no mercado atual, vejo dois gêneros em que ele funciona muito bem: funk e o sertanejo universitário. Até mais para o funk na verdade, já que o "disco ao vivo" ainda faz sentido no sertanejo. Como o funk é mais descartável - isso não é critica, é uma constatação - é muito mais viável para o Kondzilla investir em inúmeros MC's do que bancar um único funkeiro e todo o seu conceito. O fluxo é mais rápido. Até porque as faixas do estilo vão parar em playlists. O ouvinte do gênero é um público de coletânea que quer produzir suas próprias compilações nos serviços de streaming. E embora exista playlist para diversas situações, é improvável que músicos de jazz ou música brasileira componham pensando neste mecanismo de reprodução.

Tudo isso para dizer que percebo uma geração que aguarda as sextas-feiras para saber que disco entrará no Spotify. Uma geração com anseio por novos sons, que transgride os singles, o YouTube e as playlists. Se o fenômeno da Billie Eilish se fez com vídeos no YouTube, foi com o seu primeiro álbum que ela provou ter substância artística. E enquanto o BTS lança álbuns, bandinhas independentes de "rock retrô" e acomodados auditivos dizem que os singles é que estão em alta. Nada mais distante da realidade.

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