Sejamos francos, o jazz não é um estilo que causa paixão imediata na maioria das pessoas. Dada a velocidade do mundo atual, as longas improvisações do gênero são soterradas nos destroços da mediocridade contemporânea. Mas essa não precisa ser a regra. Por isso trago ao "Tem Que Ouvir" deste humilde blog uma obra seminal deste estilo outrora popular e hoje marginalizado, embora eternamente desafiador, encantador e rico. Falo do impecável Kind Of Blue (1959) do Miles Davis.
Embora eu pouco entenda de jazz, falarei dos motivos pessoais que me levaram a conhecer e adorar o álbum.
Primeiramente, ele é amplamente aclamado como um dos grandes clássicos do estilo, sendo uma espécie de "Sgt. Pepper's do jazz". Já o Miles Davis é um dos músicos mais consagrados do século XX. Ele produziu freneticamente por toda sua vida e esteve em constante mutação, absorvendo diversos estilos e linguagens, sendo que aqui ele investe na sonoridade tradicional de um sexteto, explorando melodias modais - eis o tal jazz modal - e apresentando qualidade absurda nos improvisos e temas.
Com a ignorância de leigo, é possível olharmos com desconfiança para o disco, todavia, Kind Of Blue ganha o ouvinte rapidamente. Os temas são assobiáveis, as improvisações fluem com espontaneidade e a execução é de genialidade rara na história da música. Tudo isso é explicado a partir dos músicos envolvidos.
O primeiro a chamar atenção é o lendário baixista Paul Chambers, que extraia notas preciosas no tema de estrutura simples de "So What", além de proporcionar ótimos momentos de walking bass. O solo do Miles é de dramaticidade exuberante, completamente oposto a virtuosidade frenética do bebop tão em voga até então. Atenção ainda para o ataque na prato mais celebrado da história da bateria aos 1 minuto e 32 segundos.
Na sequência temos o blues "Freedie Freeloader", com direito ao piano delicado de Wynton Kelly. Todavia, é importante lembrar que o piano no restante do disco ficou a cargo do genial Bill Evans, que se destaca logo na introdução da sofisticada "Blue In Green".
Mas são os solos impecáveis de Miles Davis (trompete), John Coltrane (sax tenor) e Julian Cannonball Addderley (sax alto) nas deliciosamente imponentes "All Blues" e "Flamenco Sketches" que guiam o ouvinte para outra dimensão. Além da técnica impressionante, o que há de mais apaixonante é o frescor das melodias. A complexidade dos improvisos são um contraponto a síntese dos temas.
Dito tudo isso, cabe a nós deixarmos de lado os 140 caracteres do Twitter, a velocidade das informações, os filmes/discos/livros que nada dizem e aprofundarmos no território do jazz com o atemporal Kind Of Blue.
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