sábado, 3 de fevereiro de 2024

TEM QUE OUVIR: New Order - Power, Curruption & Lies (1983)

Quando o Ian Curtis tirou sua própria vida, os outros integrantes não titubearam ao dar fim ao Joy Division. Mas a química ainda estava lá, sendo assim, Bernard Sumner (guitarra e voz), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria) formaram uma nova banda, o New Order. Diante dessa nova possibilidade, surgia também uma nova concepção estética, atenta as evoluções sonoras eletrônicas e, ao contrário do que feito pelos músicos na antiga banda, buscando algo mais radiante. Após um primeiro disco tímido, saiu "Blue Monday", single de enorme sucesso no Reino Unido e o primeiro autoproduzido pela banda, apontado de forma clara os rumos que eles viriam a seguir. Com o segundo álbum, Power, Curruption & Lies (1983, Factory), o novo emblema já estava selado.

"Age Of Consent" ainda apresenta uma sonoridade bastante orgânica, mas com uma proposta muito mais "amigável", visto seu chimbal frenético, que dialoga perfeitamente com uma guitarra etérea/arpejada e uma linha de baixo profunda. Tremenda abertura.

Baixista absurdo que é, Peter Hook traz o som fretless para "We All Stand", criando um clima misterioso. Composição e arranjo servem para a criação de um cenário. O resultado é impressionante. E pensar que tem quem considere que eles não eram grandes instrumentistas.

Os timbres eletrônicos dominam "The Village". O baixo sintetizado (que abre espaço para o baixo melódico do Hook), os detalhes percussivos, a melodia de teclado... tudo nos leva a um astral dançante. Ou quase tudo, visto que é com simpatia que percebemos a performance vocal acanhada do Sumner, isso até mesmo quando busca as notas mais altas do refrão.

A intrigante (e instigante) "5 8 6" pode ser divida em duas partes. Seus primeiros dois minutos são estranhos (no ritmo, na escolha dos timbres, na execução), soando quase como um processo de composição (com tentativa e erro) do que viria a ser a canção na sequência: um pérola pop, que parece refletir as luzes de uma danceteria. Preciso novamente destacar a linha de baixo? Atente-se ainda para o teclado discreto da recém chegada Gillian Gilbert, que no auge da sua limitação, proporcionou uma linha melódica altamente fixante. Vale ainda apontar a influência do Kraftwerk no desenvolvimento da produção.

Em "Your Silent Face" há um clima etéreo, de ficção cientifica, com direito a cama de teclado enorme, arpejador sequenciado gerando ritmo e melodias que parecem perdidas no tempo-espaço, algo bastante inspirado na parceria do David Bowie com o Brian Eno. Viajante.

Os timbres sintéticos até tentam disfarçar, mas a levada tribal, os pontuais riffs de guitarra, a energia e a forma de "Ultraviolence" demonstram que não dá pra desassociar o New Order do que é uma banda de rock. O mesmo vale para a energética "Ecstacy", que une timbres saturados, vocoders e levada de bateria de firmeza desconcertante.

Contrariando as expectativas, a derradeira "Leave Me Alone" traz ecos de Joy Division, quase como querendo dizer "somos outros, mas ainda somos nós". O pós-punk poucas vezes soou tão bonito.

A belíssima capa do disco (assinada pelo Peter Saville) é ambígua, podendo ser interpretada como esperançosa e fúnebre, charmosa e discreta, celebrativa e cheia de pesar. O disco é isso mesmo.

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