domingo, 17 de dezembro de 2023

RETROSPECTIVA 2023: Shows do ano (entre os que vi, claro)

Antes de falar sobre os shows do ano, vale pontuar algo que poucos dizem de forma clara: nenhum evento é imperdível! 

As vezes vomitamos nossas experiências como se isso fosse indispensável para compreender a arte, quando na verdade ela é apenas um privilégio de poucos. Falar de shows imperdíveis quando a situação econômica da maior parte da população anda em frangalhos e os ingressos para os eventos são de valor proibitivo (vale ressaltar, não necessariamente por culpa da produção dos eventos) é no mínimo bobagem. 

Por tudo isso, vale também listar alguns shows que rolaram, mas que perdi:
Obs: definitivamente um ano agitado.

Amenra, American Football, Arthur Verocai, Beck, Black Country New Road, Black Crowes, Black Flag, Black Midi, Christine And The Queens, Cymande, Domi & JD Beck, Dry Cleaning, Cynic, Deafheaven, Erykah Badu, Floating Points, Haim, Hellhammer, Ice Cube, Jon Batiste, Julian Lage, Kendrick Lamar, L7, Lianne La Havas, Lynyrd Skynyrd (ou o que sobrou deles - tocaram inclusive em rodeio sertanejo), Max Romeo, Mdou Moctar, Model 500, Nothing, Kraftwerk, Paramore, Paul McCartney, RHCP, Roger Waters, Salif Keita, Samara Joy, Saxon, Slowdive, Taylor Swift (que tragicamente ficou marcado pela morte da fã Ana Clara), The Brian Jonestown Massacre, The Comet Is Coming, The Cure (esse eu queria muito ter ido, já que provavelmente não terei outra chance de vê-los), The Last Poets, The Mars Volta, The War On Drugs, Underworld, Unknown Mortal Orchestra, Wet Leg, Weyes Blood e Yeah Yeah Yeahs.
Vale ainda lembrar que foi neste ano que tivemos o cancelamento proibitivo (logo, uma censura) dos shows do Mayhem no Brasil.

Agora os que assisti:

Dead Fish
Nunca tinha visto a banda. Vieram pra Santo André, num espaço pequeno (Tupinikim) e eu fui conferir. Não sei se a banda sempre foi tão boa assim ao vivo, mas essa formação atual é muito precisa. Mesmo o batera, que eu achava “metaleiro” demais, na real traz uma energia perfeita ao show. Já o Ric Mastria é um tremendo guitarrista, resolvendo sozinho arranjos antes feitos para duas guitarras. Que timbrão! Já o Rodrigo é um dos maiores frontmans da história do rock brasileiro. Bom vocalista, bom letrista, grande personalidade em cima do palco. Que banda!

Arrigo Barnabé
Fracassei diversas vezes nas tentativas de ver o Arrigo Barnabé ao vivo. Felizmente quitei essa dívida justamente numa apresentação do artista ao lado da sua banda no Clara Crocodilo, a Sabor de Veneno. O show que fui no Sesc Pinheiros comemorou o relançamento do emblemático disco. Mais de 40 anos depois, tudo ainda soa complexo e vanguardista, ora ou outra desajustado pela ferrugem. Normal, é uma obra viva, corroída pelo tempo. Nada que tire a força da execução e o valor da criação.

Wu-Tang Clan
Quando ouvi o Wu-Tang pela primeira vez, logo entendi que o grande barato era buscar a individualidade de cada integrante. O timbre, o flow, o texto, a persona, o humor, a seriedade... cada um vai pra um lado. Analisar isso ao vivo, visualizando a postura deles ao rimar, beira o surreal. Ghostface Killah é dos meus rappers prediletos e o Raekwon é um icone, mas subestimar o Masta Killa, Cappadonna, U-God e Inspectah Deck se mostrou mais absurdo do que nunca. A noção de ritmo deles me lembra a de solistas de bebop. Aquela versão a capella de "Protect Ya Neck" deveria ser material escolar sobre língua inglesa. 

Incrível perceber que o RZA é não "só" o maestro e idealizador do projeto, mas também um MC imponente, que discretamente revela o respeito quase comovente conquistado entre os outros integrantes. 

O repertório foi avacalhação (no bom sentido). Além dos clássicos da estreia do grupo (TOP 5 álbuns da história do rap), os hits das respectivas carreiras solos vitaminaram o espetáculo. Pra "piorar", uma boa banda deu ainda mais corpo e groove para os beats (como se fosse necessário). Tem quem não gostou de ter banda (os mais aficionados nos arranjos originais do disco), mas eu acho uma proposta bacana. 

Vale dizer que Method Man e GZA ficaram de fora. O primeiro é um milionário que nem nos EUA costuma aparecer nos shows, tendo priorizado a carreira no cinema. Já o segundo não tomou vacina para COVID e não pode viajar pra cá.

Para mim, beirou o histórico.


Vale ainda dizer que abriram o show a Tasha & Tracie (que achei chato, embora tenha me impressionando a força que elas tem perante o público feminino), o BK (é um bom show, ora “conceitual” demais”, mas bacana) e o Planet Hemp (grande banda, claro, inclusive cheia de energia, mas não achei que as canções novas funcionaram tão bem ao vivo e o som tava meio embolado).

Paulo Freire
Um dos maiores nomes da viola caipira veio até minha cidade (no Sesc Santo André) para uma apresentação gratuita e eu não pude deixar de conferir. Show bonito, cheio de história, quase num formato workshop. Ele é realmente um instrumentista da primeira grandeza. E fica o adendo: tem tanto podcast, mas nenhum disposto a chama-lo pra tocar e contar histórias? Daí você vê como a mídia alternativa não é tão diferente da tradicional.

Menores Atos, Terno Rei e Far From Alaska
Teve um festival muito bacana no ABC chamado Casaberta. Gratuito, de fácil acesso, num parque, num bom horário e privilegiando bandas do rock alternativo. Posso tá falando bobagem, mas devido a estrutura de "tenda" do palco, cheguei a imaginar que o Circo Voador tinha esse clima na década de 1980. Vale dizer que, devido os ótimos fatores já citados, pude ir com minha namorada e minha filha de 3 anos.

Sobre os shows:
O Far From Alaska é a única banda brasileira de stoner que não é sisuda. Nunca tinha visto ao vivo e achei gigantes em cima do palco. Soa pesado e ultra preciso. Fora que o Rafa Brasil tem um dos grandes timbres de guitarra do BR. Minha filha adorou e eu passei a valorizar ainda mais a presença e talento da Emmily Barreto e da Cris Botarelli.

O Terno Rei esquece, já tão enormes. Vi no público pessoas verdadeiramente comovidas. Achei um repertório mais "caído" se comparado ao show que assisti no Primavera Sound. Mas tudo bem, foi bonito. Defenderei o pop rock triste. Dito tudo isso, vale lembrar que foi uma das bandas que mais ouvimos aqui em casa na pandemia, tendo sido especial assistir o show ao lado da Re e da Maria (que nessa hora tava mais interessada em abraçar uma árvore. Talvez ela seja hippie).

Já o Menores Atos é um trio poderoso de "emo" moderno, trabalhado e encorpado. Acho maneiro. Maria ficou reflexiva.

Titãs
Não tem como dissociar minha percepção do show da minha história. Ainda mais que fiz questão de ver esse encontro dos Titãs acompanhado dos meus pais e da minha irmã, recriando memórias de infância. Só por isso já foi especial. Agora, sobre o show em si, chamou atenção a produção, que faz jus a alta demanda do público. Ninguém apostaria que, depois de passar por diversas capitais, eles ainda lotariam tantas noites em estádios em São Paulo. Achei o repertório bom (com algumas faixas chatas, mas que se justificam estarem presentes no setlist). O set acústico foi realmente um problema. Mas foi tudo muito bem executado. Destaque para o Liminha, uma escolha perfeita para substituir o Marcelo Fromer. Até mesmo o Branco Mello, que teve sua voz alterada após um câncer na garganta, conseguiu trazer nova camada de emoção e intensidade para performance. Conservadores reclamaram do cunho político dado a algumas canções, jornalistas da finada BIZZ chiaram como sempre e banda/público/promotores saíram felizes do evento.

Lô Borges
Mais um show que vi no Sesc Santo André. Que compositor né? Impressionante. Fora que ele tem um carisma próprio. Meio tímido, meio falastrão (no bom sentido). Repertório excelente (a cada 4 faixas, 2 eram do Clube da Esquina), banda redondíssima, perto de casa, aconchegante, bom preço, com uma amiga… tudo certo.

Mastodon e Gojira
Não tenho ido com frequência a shows de metal, mas a dobradinha Mastodon + Gojira foi certeira demais para ignorar.

O Mastodon é das bandas do coração, tendo me revelado que era possível fazer progressivo sem ser prepotente e metal sem ser idiota. Ouvi o Crack The Skye até furar, de modo que foi especial ver eles executando "The Czar". Brent Hinds tava inspirado e o Brann Dailor é um monstro.

Já o Gojira apenas reforçou que eles são um absurdo. Consegue soar ultra técnico e pesado até enquanto canta em defesa das baleias (!!!). Talvez por isso tinham rodas de pogo de um lado e um pessoal chorando do outro. O Mario Duplantier é um cavalo.

Vale dizer que a faixa etária do público era de 25 a 35 anos. Isso não é tão comum em shows de rock e sequer no metal, deixando evidente que elas são bandas que se comunicam com o presente.

Burning Spear
Fui com a mentalidade de “pô, nunca fui num show de reggae, daqui pouco sobra só o Planta & Raiz e ai tô ferrado, preciso viver essa experiência”. Calhou do Burning Spear vir aqui. E eu confesso que, apesar de ser grande entusiasta do estilo, sou igual aqueles tiozões rockeiro: só ouço artistas do passado. No caso do reggae, Burning Spear é dos últimos vivos, então não podia perder. Juro pra vocês: foi o melhor show que vi esse ano. Aos 78 anos ele demonstrou um vigor impressionante. Foram quase 3 horas (hipnóticas) de show. Adorei a “proposta” dub que ele insere na apresentação, com muito efeitos sendo aplicado na hora (delays e reverbs na caixa, na conga), Ótimas canções, muito carisma, tremenda banda (destaque para o baterista), som impecável, público em sintonia… sabia que seria ótimo, mas sai de lá com a sensação que quem não foi comeu bola (comparado ao ingressos atuais, nem tão caro era). Espetacular!

Merda
Tocaram aqui em Santo André, no grande 74 Club. Foi divertido. O Mozine é maluco. 40 minutos, performance tão tosca quanto precisa. Sentimento Carpete abriu. Noite massa.

Rodrigo Ogi e Freddie Gibbs
E pra fechar o ano, uma dobradinha sensacional: Rodrigo Ogi e Freddie Gibbs no Festival Batuque (no supracitado Sesc Santo André). 

O primeiro, um dos grandes rappers brasileiro da atualidade (entenda “há uns 10 anos”), tendo lançado inclusive o seu, talvez, melhor disco neste ano. Seu show expõe suas principais qualidades: acidez astuta, onde seu texto e flow se manifestam como elementos principais do trabalho. Não tem conversa mole, é sua arte o chamariz. E isso não é pouca coisa. Vale dizer que no show tivemos a presença do Kiko Dinucci - dentre tantas coisas, produtor do seu mais recente álbum - executando os principais elementos do beat na hora através do controlador, o que deu um sabor todo especial ao show.

Na sequência veio o Freddie Gibbs, rapper de discografia impressionante. E ele não fez feio. Seu show é agitado, seu flow é veloz, tudo exala cocaína (não é uma apologia, é uma linguagem estética do seu trabalho). Seu DJ se mostrou muito acima da média em diversos momentos do espetáculo. Legal poder ver um rapper contemporâneo, experiente e em desenvolvimento, se apresentando no Brasil num preço acessível (R$50 a inteira). Por mais shows assim.

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