sexta-feira, 9 de junho de 2023

TEM QUE OUVIR: Arthur Verocai - Arthur Verocai (1972)

A música brasileira tem tradição de grandes arranjadores. Por trás dos aclamados compositores e interpretes, comumente está algum mestre da orquestração, que sabe onde cada elemento deve estar. A lista é grande: Pixinguinha, Severino Araújo, Moacir Santos, Radamés Gnatalli, Lindolpho Gaya, Rogério Duprat, Wagner Tiso, dentre tantos outros. Mas um em especial ganhou destaque entre uma nova geração de artistas e público. Falo do Arthur Verocai, que lançou em 1972 seu cultuado álbum homônimo.

Nos estúdios, Verocai já havia trabalhado com nomes como Ivan Lins, Jorge Ben, Elizeth Cardoso, Gal Costa, Quarteto em Cy, Nelson Gonçalves, Marcos Valle, O Terço, dentre outros. Esse prestígio garantiu um contrato com a Continental, que bancou esse disco, um fracasso comercial na época. 

Por mais que suas orquestrações estejam no centro da composição, vale notar a pluralidade do repertório, que passeia pela bossa nova, música mineira, jazz e até mesmo rock psicodélico. 

De clima brejeiro, bucólico e "espacial", "Caboclo" abre o disco. Um inicio vagaroso e surreal. Tímido em canto, incisivo nas cordas e na harmonia. Lindíssimo.  

Contando com o sax poderoso do Oberdan Amagalhães, "Pelas Sombras" é de groove próprio, construído em cima de letra, harmonia e melodia que dificulta - mas não impossibilita - o irresistível balanço.

A instrumental "Sylvia" é das faixas mais especiais. A orquestração é arrojada e criativa, servindo de cenário para uma cama "brasileiramente atmosférica". Atenção também para o belo solo de flauta.

A eletrificação do wah-wah em "Presente Grego" situa a canção na contemporaneidade setentista. Piano elétrico, metais afiados e o ritmo dançante sustentam a faixa.

"Dedicada a Ela" tem um clima de devaneio, parte pelo coro de vozes em uníssono falando em primeira pessoa, parte pela produção reverberosa, que traz respiro para a gravação. 

Interpretada pela Célia, com cordas quentes e viradas de bateria virtuosas (Robertinho Silva ou Pascoal Meirelles?), "Seriado" é não menos que 2 minutos de pura intensidade composicional e interpretativa dentro da canção brasileira.

"Na Boca do Sol" é hoje um hit, uma pérola cult, de atmosfera e beleza tipicamente mineira (embora o Verocai seja carioca). Canção deliciosa para ouvir numa segunda-feira de férias, no campo, ao acordar. O céu é aqui.

Também "mineira" é "Velho Parente", mas essa mais hermética, progressiva e complexa. Tem um tremendo solo de piano elétrico.

A bossa nova se faz presente no ritmo de violão à la Roberto Menescal, no arranjo à la Tom Jobim e nas vozes à la MPB4 de "Que Mapa?". Paulo Moura participa da faixa.

A paulada "Karina (Domingo do Grajaú)" fecha o curto disco fundindo com naturalidade o rock e a música brasileira. O solo de guitarra do Hélio Delmiro e a performance de cozinha no maior clima de jam band é um arregaço. Nivaldo e Edson Maciel entregam tudo respectivamente nos solos de sax tenor e trombone. 

Tendo a primeira edição uma prensagem pequena, o discou tornou-se raro, o que só aumentou o hype no mundo do colecionismo. Isso alimentado por inúmeros DJ's/produtores que samplearam faixas do disco (do Kanye West ao MF Doom). Mas mais que mero produto de fetiche, diante de plataformas digitais é possível conferir a elegância do Arthur Verocai.

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