Sempre considerei uma tremenda bola fora livros como 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer ou mesmo a sessão "Discoteca Básica" da Revista Bizz ignorarem a música erudita. Por outro lado, adotei o mesmo "editorial" aqui no Tem Que Ouvir deste humilde blog, com o porém de que eu sou apenas um amador, enquanto os citados anteriormente foram compostos por um quadro de jornalistas.
Mas nunca é tarde para reavaliar um erro. Então por onde começar? Pensei no grande compositor do período barroco, onde as estruturas formais da música erudita (polifonia, orquestração, contraponto) já estavam bem desenvolvidas. Cheguei ao Johann Sebastian Bach. Entretanto, ao invés de escolher uma sinfonia, logo lembrei da Goldberg Variations (Variações Goldberg), uma ária composta de 30 variações escrita orginalmente para cravo em 1741, mas que ganhou fama do século XX através de duas gravações do pianista virtuoso Glenn Gould, a primeira lançada em 1955, a segunda em 1981, pouco antes da morte do instrumentista.
É uma experiência agregadora ouvir os discos separadamente, mas também intercalando faixa a faixa, buscando enxergar e deslumbrar questões interpretativas não comparativas qualitativamente, mas próprias de um músico em transformação diante de um material riquíssimo.
Timbristicamente, a versão de 1981, por mais que seja de uma época de aperfeiçoamento técnico na captação de áudio, de alguma forma me soa mais sintética e menos interessante. Questão de gosto. Por outro lado, sua interpretação pausada é de grande beleza, sendo a audição preferível em dias nebulosos, de chuva, ou mesmo na companhia de um bebê (fiz isso). Subjetividade perceptiva em prol da arte é isso.
Na primeira versão tudo é mais veloz. Não de maneira afobada, verborrágica ou arrogante, mas de grande virtuosismo, fluidez e até mesmo visceralidade. Mesmo diante da delicadeza composicional, a execução é um choque de vigor, com direito a marteladas nas teclas do piano.
Entre os momentos mais singelos, destaco a lindíssima "Aria" inicial e a "Variation 13 a 2", onde as mãos ao piano parecem dançar um ballet.
A velocidade das "Variation 1 a 1", "Variation 5 a 1" e "Variation 23 a 2" na versão de 1955 beira o assustador. Já na segunda leitura, adoro perceber contracantos de cada dedo em "Variation 15 a 1" , que geram até mesmo combinações intervalares ousadas.
Glenn Gould ganhou fama não somente por sua qualidade técnica, mas também devido suas excentricidades. Entretanto, não mais em vida, compartilhando o mesmo plano de Bach, é que percebemos a força destes registros. Um encontro de dois seres geniais.
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