A tendência de cantoras-compositoras confessionais ressurgiu com força na segunda década do século XXI, sendo a Julia Holter das mais bem sucedidas dentro desta estética/abordagem. Eu não tinha dado a devida atenção para a artista até o lançamento de Have You In My Wilderness (2015), sendo que quando ouvi o disco o impacto foi gigante.
O grande diferencial da Julia é seu lirismo poético muitas vezes indecifrável (quando não cheio de esoterismo), sempre acompanhado de uma voz (timbre e interpretação) bastante particular. Os arranjos/timbres cristalinos embrulhados numa estética dream pop deixa tudo ainda mais adorável.
"Feel You" abre o disco com ritmos complexos que, dentro de um arranjo sinfônico, mais parece um reconfortante sopro divino. "Silhouette" tem essa mesma desconstrução rítmica, escondendo em sua raiz algo meio "caribenho" e solar, embora altamente introspectivo. É dos momentos mais pop do álbum, ainda que de final surpreendente.
Nadando em outra direção, os devaneios da Julia tornam-se sombrios em "How Long?", muito por conta do arranjo de cordas celestial. Sua interpretação sóbria e profunda também impressiona. Atenção para o contraponto vocal ao final da faixa. Elegante.
A orquestração de "Lucette Stranded On The Island" é extremamente singular. Os instrumentos parecem se dissolver num sonho que transita entre paisagens florestais e o cosmo mais distante (???). Claro, isso é apenas uma percepção pessoal ultra abstrata, embora provocada por uma música verdadeiramente etérea. Mágico.
A psicodelia do pop barroco sessentista ecoa na linda "Sea Calls Me Home", dona de virtuoso/ousado/escandaloso solo de sax. Por sua vez, "Night Song" parece ter cada sílaba interpretada cuidadosamente. O clima atmosférico da canção é uma viagem sem volta.
Mas nem tudo é tão cerebral e "rococó". "Everytime Boots", por exemplo, chega a ser dançante. Ela tem uma leveza pop dentro de uma estética ragtime-barroca que sugere ser tudo o que a Florence Welch gostaria de fazer.
Há um elemento altamente jazzistico em "Vasquez", embora a artista encare o instrumental como mera ambientação à serviço do spoken word. Adoro a atmosfera da canção. Belo uso de percussões e contrabaixo acústico em algo que mais parece uma colagem sonora.
A pianística "Betsy On The Roof" serve de palco para as vocalizações emotivas da Julia. O mesmo vale para a angelical "Have You In My Wilderness", que reverbera num mundo bastante particular, encerrando o disco graciosamente.
Com influências variadas que passam por Nico, Kate Bush e Scott Walker, Julia Holter construiu um dos momentos mais majestosos e confidentes de uma cantora-compositora no século XXI.
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