quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A linha cronológica do bumbo duplo

Vire e mexe me pego pensando em "linhas evolutivas" musicais. Recentemente isso aconteceu ao decidir traçar a cronologia do bumbo (pedal) duplo. Listei numa playlist as músicas conforme fui lembrando. Apenas uma por baterista. O resultado deste apanhado está abaixo.

Duke Ellington - Skin Deep
Nada melhor que começar do início. E por mais que o baterista Louie Bellson tenha inúmeras e latentes qualidades, ele é principalmente lembrado por ser precursor do bumbo duplo. O solo de "Skin Deep", registrado espantosamente em 1952, é uma amostra de virtuosismo num período em que os dois bumbos eram exclusivos do jazz.

Cream - White Room
Acredito que o Ginger Baker tenha sido o primeiro baterista do rock a fazer uso dos dois bumbos. O mais legal é que ele cria com os instrumentos grooves que vão muito além da velocidade com o qual esse set de bateria ficou atrelado. Tem muito do jazz (talvez influência direta do Louie Bellson), mas também uma profundida sonora quase tribal extraída dos enormes tambores.

The Who - Shakin' All Over
O elemento performático do bumbo duplo dá as caras através da abordagem descontrolada do Keith Moon. Isso se faz valer principalmente ao vivo. Lembrando que ele não usava chimbal, o que deixava seu pé esquerdo livre, logo, um bumbo extra veio a calhar.

Vanilla Fudge - Shotgun
Tenho para mim que o bumbo duplo veloz e pesado como o qual conhecemos tão bem no heavy metal, teve origem com o Carmine Appice no Vanilla Fudge. Ouvir (e assistir) suas performances na década de 1960 ainda hoje impressiona. Agora, se quiserem pegar ele em estágio mais avançado, ouça no Cactus. "Parchman Farm" é um clássico do bumbo duplo.

Black Sabbath - Into The Void
Se o bumbo duplo é símbolo do heavy metal, então a banda precursora do estilo também o traz em seu arsenal. No solo de guitarra desta faixa o Bill Ward está desenfreado. 

Emerson, Lake & Palmer - Knife
O virtuosismo do rock progressivo e, neste caso, o grande Carl Palmer, recebeu muito bem o bumbo extra. É um elemento a mais para pirotecnias musicais.

Deep Purple - Fireball
Por mais que o Ian Paice não tenha abusado desta linguagem, foi com a introdução de "Fireball" que ouvi um bumbo duplo pela primeira vez e pensei "caramba, o que é isso?". Diz a lenda que a canção foi gravada na bateria do Keith Moon.

Black Oak Arkansas - Hot And Nasty
Tommy Aldridge é um dos maiores personagens do bumbo duplo. Seja com o Black Oak Arkansas, Pat Travers Band, Gary Moore, Ozzy Osbourne, Vinnie Moore ou Whitesnake, ele sempre caminhou conforme a linguagem dos dois bumbos evoluía. Até hoje, aos 70 anos, sua pegada é assombrosa. Entretanto, escolhi uma faixa do inicio de sua carreira, onde o bumbo ainda é discretamente inserido dentro do groove.

Billy Cobham - Quadrant 4
O monstro da bateria jazz rock em uma de suas principais faixas da carreira solo, registrado no clássico álbum Spectrum (1973). É uma paulada jazzistica. Mudou o mundo da bateria.

Rush - Woking Man/Finding My Way
Seria sacrilégio falar em qualquer coisa relacionada a bateria e não mencionar o Neil Peart. Esta dobradinha registrada no ao vivo All The World's A Stage (1976) é um exemplo do quão influente é a abordagem do líder do Rush para todos os bateristas que surgiram posteriores.

Frank Zappa - Wind Up Workin' In A Gas Station
Eu sabia que tinha que escolher alguma faixa tocada pelo Terry Bozzio, mas qual? Ele teve tantas mutações (Zappa, U.K., Missing Persons, Jeff Beck, Fantômas...). Fiquei com um momento inicial de sua carreira. Mas vale lembrar que posteriormente sua abordagem "melódica" na bateria - que viria a incluir diferentes bumbos -, foi bastante ousada e avançada.

Rainbow - A Light In The Black
Cozy Powell é outro de inúmeras grandes fases ao longo da carreira. Escolhi essa faixa do álbum Rising (1976) do Rainbow por entender que ela é um alicerce do que viria a ser o metal melódico/power metal (só que aqui muito mais legal, claro), estilo esse que abusou do bumbo duplo. Cozy Powell tem pegada e groove.

Motörhead - Overkill
Diante da podreira sônica do Motörhead, nasce uma pérola que apontou novos horizontes dentro do heavy metal. Máximo respeito ao tosquicimo Phil "Animal" Taylor.

Judas Priest - Rock Forever
Sendo a estereotipia de tudo que imaginamos ser o heavy metal, os bumbos duplos também estão presentes no Judas Priest. Inicialmente de forma discreta, sabiamente colocada dentro das canções. Muito por conta de outros grandes nomes que empunharam as baquetas na banda (Simon Phillips, Dave Holland, Scott Travis), o Les Binks tornou-se um baterista subestimado.

Jeff Beck - Space Boogie
A geração de baterista do fusion também explorou com categoria os bumbos duplos. O grande Simon Phillips é um entre tantos. Aqui ele brilha dentro de de acentuações rítmicas bem complexas. Rola um shuffle nos bumbos. Beira o bizarro.

Accept - Fast As A Shark
Sabe o imaginário estético do heavy metal, que envolve desde roupa de couro até guitarras flying v? Pois então, nesse pacote estão também os bumbos duplos, representados na capa do Restless And Wild (1982), que contém essa paulada que prevê thrash, speed e power metal. 

Mötley Crüe - Red Hot
Embora o Tommy Lee seja um grande baterista, aqui o bumbo duplo deixa de ter um papel exclusivamente musical e se consolida enquanto elemento cênico. Virou galhofa (no melhor sentido).

Van Halen - Hot For Teacher
Os irmãos Van Halen duelando entre bumbos e tappings. Mais parece camadas sobrepostas de bateria numa das melhores introduções do instrumento na história do rock.

David Lee Roth - Shyboy (Timido)
David Lee Roth sai do Van Halen e não deixa barato. Escala um time de estrelas, com direito ao baterista Gregg Bissonette, para disputar em habilidade técnica com o antigo grupo. O resultado é impressionante.

Steve Morse Band - Cruise Missile
O ótimo batera Rod Morgenstein ficou bastante conhecido por fazer parte do Winger. Todavia, anteriormente ele já tinha demonstrando toda sua eficiência musical no Dixie Dregs e na Steve Morse Band. Essa música é uma aula de bateria.

John Scofield - The Nag
Ainda que a linguagem do icônico Dennis Chambers seja dissociável do fusion, acho impressionante como ele nunca deixar de funkear. Ele tem groove, tem balanço, mesmo quando tocando frases ultra intrincadas, inclusive nos bumbos.

Chick Corea Elektric Band - Rumble
Dave Weckl, um dos maiores nomes da bateria fusion, numa demonstração esplendorosa de virtuosismo e musicalidade.

Slayer - Angel Of Death
Uma revolução! Dave Lombardo faz do bumbo duplo elemento fundamental do thrash metal, embora nenhum outro baterista do estilo consiga igualar sua fúria e criatividade. O bumbo em primeiro plano na mixagem também estabeleceu novo padrão.

Anthrax - Among The Living
Repito, nenhum baterista de thrash metal se iguala ao Lombardo, mas o Charlie Benante chega bem perto. Monstro!

Racer X - Scarified
Muito mais que na famigerada introdução de "Painkiller" do Judas Priest, Scott Travis demonstra sua técnica ultra precisa neste clássico do metal shred. Muitos bateristas tentaram tirar o groove da introdução.

King Diamond - Welcome Home
Acho curioso que tenha uma geração que só conheça o Mikkey Dee do Motörhead. O que ele gravou na banda do King Diamond é ultra avançado pra época. Ele é um tremendo batera, que sabe alinha virtuosismo com pegada agressiva.

Metallica - One
Bumbo duplo nas paradas de sucesso. Levada não menos que clássica. Há quem diga que quem gravou foi o Charlie Benante, mas desconfio que seja coisa dos detratores do Lars Ulrich.

Morbid Angel - Immortal Rites
Metal extremo tem que ter bumbo duplo e muito disso se deve ao Pete Sandoval. Ultra veloz e agressivo.

Joey Taffola - Crankenstien
Deen Castronovo é outro que fez escola na bateria. Virtuosismo espantoso numa época ainda braçal, sem edição milimétrica. Não por acaso ele é o ídolo máximo do Aquiles Priester.

Dream Theater - Under A Glass Moon
Independente de qualquer comparação desproporcional, Mike Portnoy é o Neal Peart de uma geração mais nova. Sua técnica inspirou muitos adolescentes a se dedicarem seriamente ao instrumento.

Yngwie Malmsteen - Never Die
No auge do power metal, um clássico do gênero (fundido ao neo-classical). Sendo quem é, deveria ser chamado de speed metal. Na bateria, o monstruoso Mike Terrana.

Pantera - Becoming
Os bumbos com muito kick no Vinnie Paul mudaram os rumos da bateria no metal. Adoro a "cola" que se forma entre as batidas e as palhetadas do Dimebag Darrell.

Death - Crystal Mountain
Gene Hoglan é um dos maiores nomes da bateria no metal moderno. Sua linguagem não é somente técnica, mas muito criativa, incorporando levadas intrincadas jazzisticas ao metal extremo.

Tool - Forty Six & 2
Se o virtuosismo com o bumbo duplo já havia sido elevado ao limite no metal, Danny Carey optou por explorar outras nuances criando climas e timbres inusitados ao gênero.

Slipknot - The Blister Exists
A volta do metal e, por sua vez, do bumbo duplo, as paradas de sucesso. É legal como a bateria do Joey Jordison compete com os outros instrumentos percussivos do Slipknot na mixagem. Talvez por isso (e também pela velocidade) seu bumbo soe tão agudo. Na época era bacana, hoje acho "feio".

Angra - The Temple Of Hate
Não gosto de metal melódico/power metal, mas se for pra citar algo do gênero, que seja o Angra, que ouvi muito quando adolescente. Fora que o Aquiles Priester é um monstro quando o assunto é bumbo duplo. Precisão e técnica no mais alto nível.

Lamb Of God - Laid To Rest
Chris Adler mostrou que havia muito ainda a ser feito com o bumbo duplo dentro do metal. Suas levadas são criativas e virtuosas. O bumbo é o centro do seu instrumento.

Gojira - The Haviest Matter Of Universe
Convenhamos, nessa altura do campeonato, não há muito para onde expandir tecnicamente o bumbo duplo (sempre tem, mas menos). Todavia, o Mario Duplantier continua surpreender por simplesmente implementar levadas criativas, agressivas e cheias de personalidade. É o suficiente para se destacar.

Avenged Sevenfold - Critical Acclaim 
Teria sido esse o último momento do bumbo duplo no rock mainstream? É possível. Obra do prematuramente falecido The Rev.

Porcupine Tree - Cheating The Polygraph
Gavin Harrison chamou tanta atenção no Porcupine Tree que foi parar no King Crimson. Gosto como ele aplica o bumbo duplo dentro das viradas. A bateria contemporânea do rock progressivo está muito bem representada por ele.

Krisiun - Combustion Inferno
Não sei se tem algo mais veloz (deve ter), mas o bumbo do Max Kolesne é o mais rápido que já ouvi.

Nile - Lashed To The Slave Stick
George Kollias é talvez o único que possa competir em velocidade com Max Kolesne. Isso, claro, se for em prol do metal extremo.

Meshuggah - Bleed
Um bumbo tão impressionante e complexo que chega a ser piada. Tomas Haake não é humano.

Sepultura - Manipulation Of Tragedy
É uma alegria ver que o Sepultura continua sendo a vanguarda no heavy metal. Grande parte disso pela entrada do Eloy Casagrande, um baterista muito acima da média. Sua técnica e musicalidade beira o surreal.

Animals As Leaders - Physical Education
O jovem Matt Garstka é uma das maiores referências de math metal. Suas linhas de bateria são de difícil compreensão, ainda que alinhada a uma musicalidade latente.

*The Jimi Hendrix Experience - Foxey Lady
Quando fiz a lista, deixei o Mitch Mitchell propositadamente de fora pois, embora soubesse que ele foi um dos precursores dos dois bumbos no rock, não consegui lembrar de nenhuma gravação em estúdio e sequer algum show específico. Mas não é que essa semana saiu esse vídeo do Hendrix, Live In Maui (1970), onde ele arrebenta nos dois bumbos. É espetacular!

Coloquem nos comentários o que vocês sentiram falta nesta lista.

Um comentário:

  1. Fala meu irmão, blza? Rapaz, esqueceu do nosso batera 100% nacional, D.D Crazy, do Sarcófago.

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