quarta-feira, 26 de agosto de 2020

TEM QUE OUVIR: Father John Misty - Pure Comedy (2017)

É falso o raciocínio de que para soar relevante é necessário romper grandes barreiras estéticas. Ótimas composições são mais que suficientes para colocar sob holofotes um trabalho. Pure Comedy (2017) do Father John Misty mostra isso.

Father John Misty nada mais é que o Joshua Tillman, cantor-compositor que já havia colaborado enquanto baterista do Fleet Foxes, mas também cedendo canções para Beyoncé, Lady Gaga e Post Malone.

Neste álbum solo lançado pela Sub Pop, ele investiu em composições de soft rock/chamber rock que divagam sobre politica, sociedade, religiões, alienígenas, costumes, sistema econômico, saúde mental... Tudo com doses nada moderadas de sarcasmo. As reflexões são sérias, mas a abordagem não necessariamente.

Isso fica bastante explicito em "Pure Comedy", a faixa de abertura que nomeia o álbum, que desfila cutucadas ácidas e divertidíssimas sobre absurdos tão naturais quanto surreais. O arranjo crescente é não menos que deslumbrante, abusando de piano, trombetas, sax, cordas e coro vocal. Impecável.

Num formato de baroque pop elegante e altamente fixante, "Total Entertainment Forever" é de refrão poderoso, mesmo quando questiona os rumos da humanidade neste presente distópico. Tremendo arranjo.

"Things It Would Have Been Helpful To Know Before The Revolution" é mais um meio para devaneios filosóficos em forma de balada pianística. Perfeita interpretação vocal e surpreendentes intervenções orquestrais completam a canção.

Guiada por violão e piano, "Ballad Of The Dying Man" é de melodia espetacular. Somando isso a captação orgânica e cristalina, temos a impressão de estarmos diante de uma gravação do começo da década de 1970. Isso ao menos se ignoramos a letra, que aborda os palpiteiros a qualquer custo e arautos da cultura de cancelamento das redes sociais. Isso, claro, sem perder a classe ou soar rasteiro.

O clima atmosférico de "Birdie" destoa dos caminhos sonoros até então escolhidos, causando uma sensação aérea/cinematográfica que combina com a "engenharia social" que o Tillman cria na letra.

Dona de mais de 13 minutos, "Leaving LA" é uma canção folk com tom de hino. Embora não decole instrumentalmente, ela é muito bem escrita e evidencia (ao mesmo tempo que autodeprecia) a sensibilidade do compositor enquanto observador da indústria da música.

De conteúdo mentalmente problemático, "A Bigger Paper Bag" soa como o que o Jeff Tweedy vem tentando fazer nesta última década e tem batido na trave.

A influência de Elton John fica nítida em "When The God Of Love Returns There'll Be Hell To Pay", canção pianística de abordagem gospel, ainda que dando um ultimato em Deus. Maravilhoso! Neste mesmo sentido "religioso", dá para imaginar "Two Wildly Different Perspectives" reverberando numa igreja, por mais herege que isso possa ser.

Adoro a maneira irônica e até mesmo teatral com que o Joshua interpreta a verborrágica "The Memo". É uma tremenda faixa de piano rock, um "estilo" praticamente extinto.

A longa "So I'm Growing Old On Magic Mountain" ajuda a evidenciar a qualidade da gravação e da mixagem, que mesmo sem grande invencionismo, atinge uma eficiência técnica de captação impressionante. A canção deságua na lindíssima "In Twenty Years Or So", mais uma vez de arranjo cinematográfico impressionante e entrega composicional emocionante.

Eu coloco esse disco ao lado dos grandes trabalhos do Elton John. Para mim as canções tem a mesma força composicional. Entender isso logo no lançamento foi de brilhar os olhos, mas melhor ainda é reouvir e perceber que a qualidade continua intacta.

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