domingo, 14 de junho de 2020

TEM QUE OUVIR: Lingua Ignota - CALIGULA (2019)

Antes do lançamento do álbum CALIGULA (2019), eu não conhecia a Kristin Hayter, multi-instrumentista que responde pelo alter ego Lingua Ignota. Ela já havia colaborado com The Body, Full Of Hell e Street Sects, mas eu ainda não havia me atentado ao seu trabalho. Mas o bafafá em cima do terceiro álbum era enorme, então fui ouvir.


Poucos discos bateram tão forte em mim. E de inicio, não posso dizer que positivamente. Tive enjoo, tontura e ânsia de vômito. De verdade! E isso não se deu "apenas" pela fusão inusitada de música erudita, darkwave, industrial e noise, mas principalmente pela claustrofóbica verdade que ela transmitia nas composições e canto.

Esse álbum é resultado da misoginia, que gera diariamente agressões físicas e emocionais. Kristin Hayter dá voz as vítimas, sendo ela uma entre tantas, transmitindo dor, ódio e angustia. O disco não faz desta epidemia social um entretenimento, mas sim expõe o terror que milhares de mulheres vivem diariamente.

Em tom operístico, "FAITHFUL SERVANT FRIEND OF CHRIST" abre a obra criando o clima de tensão, ecoando como um drone sinfônico que carrega elementos da música folclórica européia na melodia.

Mas foi a fatídica "DO YOU DOUBT ME TRAITOR" que me causou náusea. Construída majestosamente com notadas espaçadas de piano, violino e percussão, a canção é interpretada com uma carga emotiva dilacerante, insurgindo da tortura com berros sangrentos, saturados e dolorosos. Impossível passar indiferente.

"BUTCHER OF THE WORLD" invoca a marcha "Music For The Funeral Of Queen Mary" (Henry Purcell) numa versão estrondosa de harsh noise, com direito a frases como "Em troca do meu amor ele me derruba, mesmo quando eu oro por ele. Que sua própria vergonha te enforque". Impressionante como ela intercala entre cantos melódicos e dramáticos para berros profundos e horripilantes.

A pianística "MAY FAILURE BE YOUR NOOSE" cresce até carbonizar na labaredas do inferno pessoal. Já na desesperançosa "FRAGRANT IS MY MANY FLOWER'D CROWN" é comum pensarmos no canto da Diamanda Galás.

A agressividade se manifesta não somente de forma sonoramente estrondosa, mas também lirica, vide a cruelmente linda "IF THE POISON WON'T TAKE YOU MY DOGS WILL".

A fúnebre "DAY OF TEARS AND MOURNING" é um perfeito black metal, com direito a vozes ríspidas emanadas do lado mais obscuro da alma. A instrumentação nebulosa é espetacular.

"SORROW! SORROW! SORROW!" é uma oração melancólica ao piano que, embora funcione perfeitamente no disco, soa musicalmente menos atrativa.

O terror se prolonga na épica "SPITE ALONE HOLDS ME ALOFT", onde o sofrimento da artista é projetado com podridão pelo seu canto. A capacidade interpretativa salta aos ouvidos e ao coração.

Muitos artistas de heavy metal já se proclamaram a besta, mas somente a Kristin Hayter parece encarnar a fera em "I AM THE BEAST", faixa exuberante, de final brutal, que conclui essa ópera violenta de raiz judaica-cristã misógina. Um álbum não somente teatral, mas de realidade viva. Não estranhe se você desistir no meio. O inferno é aqui.

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