quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

TEM QUE OUVIR: No New York (1978)

No underground do rock, longe da pasteurização comercial e de difícil acesso as gravações, cenas e bandas impulsivas tem seus principais registros em compilações. A clássica Nuggets (1972) é um exemplo disso, mas não o único. No New York (1978) é um documento histórico que traduz um dos momentos mais efervescentes do rock independente.


Rotulados de No Wave - nada mais que "os sem onda" em meio a "onda" da new wave que eclodia no final da década de 1970 -, diversos grupos novaiorquinos trouxeram para a vanguarda do rock elementos do free-jazz e da música erudita, explorando dissonâncias e ruídos em paralelo a rispidez punk do período. Nada que tenha chegado ao grande público, mas que nos porões escuros ajudou a fomentar muito do rock independente, que o diga o Sonic Youth.

A primeira banda a dar as caras na coletânea é o The Contortions, grupo liderado pelo saxofonista e vocalista James Chance. O groove frenético da cozinha durante o solo livre de sax na introdução de "Dish It Out" já entrega o que teremos pela frente. A voz agressiva e o órgão garageiro completam a faixa. Um espetáculo!

De estrutura nada óbvia e guitarras ruidosas, "Flip Your Face" ainda hoje seria considerada experimental (ou no minimo art punk). Ainda assim, incrivelmente a banda ainda soa funky. Já "Jaded" é somente estranha mesmo. Seu arranjo cheio de espaços é inquietante e de atmosfera aterrorizante.

"I Can't Stand Myself" fecha a participação do Contortions com uma gravação repetitiva e abrasiva. É um timbre mais gorduroso que o outro.

Ainda que muito mais lo-fi, a urgência promovida nos textos Lydia Lunch e na interpretação furiosa do baixista Gordon Stevenson em "Burning Rubber" faz do Teenage Jesus And The Jerks um dos pontos altos do disco.

Embora curta, "The Closet" soa como um épico do noise rock, com direito a guitarras estridentes e ritmo primário. Com apenas 30 segundos, "Red Alert" chega a remeter ao Lightning Bolt. Finalizando, "I Woke Up Dreaming" não se parece com nada. Sua crueza visceral é intoxicante.

Como um "space rock pós-punk", "Helen Fordsdale" apresenta o Mars, grupo esquisitíssimo que parece propagar radiação nuclear. O mesmo vale para a desesperadora "Tunnel", que soa como uma simples interferência. "Hairwaves" não melhora a estranheza, mais parecendo um seção de improviso balbuciada em meio a guitarras desafinadas e ritmos inconstantes. Diante de tamanhas bizarrices, "Puerto Rican Ghost" pode ser considerada uma piada. Eu gosto.

Encerrando o disco está o D.N.A., grupo que tinha na linha de frente ninguém menos que o Arto Lindsay, que anos depois ganhou notoriedade ao produzir nomes como Caetano Veloso e Marisa Monte. Do grupo é possível destacar a agressivamente psicodélica "Lionel", a mecanicamente esquizofrênica "Not Moving" e a angular "Size". Todas de excelentes e afiadas guitarras.

Com direito a produção do Brian Eno, No New York tornou-se item obrigatório para quem quer sair da zona de conforto do rock. Complexo sem ser pedante, maluco sem ser idiota. Uma geração destemida que ainda hoje não teve sua criatividade absorvida.

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