quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Pincelando o livro Lindo Sonho Delirante (1968 - 1975)

Comprei há cerca de um ano as duas edições do livro Lindo Sonho Delirante (Bento Araújo, editor da Poeira Zine). A primeira edição traz a resenha de 100 discos psicodélicos do Brasil entre os anos de 1968 e 1975.

Muitos eu já conhecia, principalmente dos medalhões (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Ronnie Von) e de alguns grupos (O Terço, Som Nosso de Cada Dia e Casa das Máquinas), mas outros sequer tinha ouvido falar. Sendo assim, durante todo esse ano fui escutando vários deles (obrigado, YouTube) e fazendo pequenas observações sobre os quais considerei mais interessantes.

Vale registrar que o único álbum que não encontrei para ouvir foi o da OrianaMaria.

Pontuo também que as minhas observações são meramente constatações pessoais. Para obter informações sobre estes e tantos outros discos, a compra do livro é indispensável.

Falando em compra do livro, vale dizer que acabou de sair a campanha de financiamento coletivo da terceira edição da obra, que contará com a resenha de "100 Discos Corajosos Lançados no Brasil entre os anos de 1986 e 2000". Para participar basta acessar esse link (http://catarse.me/lsd3). Eu recomendo muito.

Sem mais delongas, vamos as minhas breves observações:


Fábio - Lindo Sonho Delirante (1968)
Acompanhado dos Fevers, Fábio, parceiro do Tim Maia, lançou essa pérola psicodélica com groove de soul music e teclados à la Jovem Guarda. Sua letra faz clara referência ao LSD (no auge ditadura militar). Adoro o seu "cuti-cuducuducuti-cuu".

Beatniks - Alligator Hat (1968)
Uma paulada que eu jamais diria que foi gravada num Brasil de 1968. Fuzz pesadão, linha de baixo entorpecida e vocal potente. Espetacular!

Suely E Os Kantikus - Que Bacana / Esperanto (1968)
Se a voz da Suely Chagas e a letra de "Que Bacana" é singela, o mesmo não pode ser dito sobre a guitarra ácida do Lanny Gordin. Faixa com total clima tropicalista. Mais absurdo ainda é o riff de "Esperanto". Bom demais!

The Beggers - Estes Homens Farrapos / We're Going To Aid You (1968)
Honestamente nem gostei tanto destas músicas, mas adorei o fato deles serem do ABC paulista - região onde moro, operária e berço do punk rock nacional -, e trazerem em "Estes Homens Farrapos" uma letra politicamente engajada. Já a experimental "We're Going To Aid You" mais parece um krautrock tupiniquim.

O Bando - O Bando (1969)
Nem foi dos discos que achei mais interessante, mas como há muito tempo ouço falar da banda, achei que eu deveria deixar aqui registrado. Ele tem uma abordagem bastante tropicalista, muito devido os arranjos do Rogério Duprat. É bacana, mas para um país que tinha Mutantes, não me espanta terem ficado no segundo escalão. Vale pela curiosidade, afinal, no pior das hipóteses você ouvirá uma bela versão para "Que Maravilha" (Jorge Ben) e o groove surreal de "...E Assim Falava Mefistófeles".

Loyce & Os Gnomos - O Despertar dos Mágicos (1969)
Banda obscura do interior de São Paulo. As composições são de certa forma bobinhas, mas o instrumental, com destaque para a guitarra em "Era Uma Nota de 50 Cruzeiros", é tão ácido e esporrento que traz um espirito quase proto-punk para a música.

Os Brazões - Os Brazões (1969)
Mais um daqueles discos que sempre ouvi falar, mas nunca tinha escutado. Devo dizer que achei meio decepcionante. Nenhum grande problema, inclusive mostra que o grupo estava em sintonia tanto com o tropicalismo (eles chegaram a acompanhar o Tom Zé, Gal Costa e Jards Macalé) quanto com a psicodelia internacional. Todavia, não "bateu". Achei apenas bacana. A capa é uma das melhores de todo o rock nacional.

Liverpool - Por Favos, Sucesso (1969)
Cultuada banda do Rio Grande do Sul. Achei bem legal. Ótimas composições com pitadas psicodélicas equilibradas. Não é clichê, afetado ou pastiche. As referências lisérgicas parecem genuínas.
Vale aqui deixar registrado que também escutei o EP Marcelo Zona Sul lançado pelo grupo no ano seguinte e que igualmente adorei.

Os Da Bahia - Fobus In Totum / Nem Sei De Mim (1970)
Na verdade o grupo se chamava Os Leif's. Era a banda formada pelo Pepeu Gomes com seus irmãos. Esse compacto já demonstra muita das qualidades do guitarrista. Muito legal ambas as faixas.

Equipe Mercado - Mary K. No Esgotô das Maravilhas / Poensonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze (1970)
O nome das faixas já deixa claro o absurdo que estamos diante. Nem soa tão psicodélico, mas sim extremamente inventivo, tanto na poética quanto no instrumental, diga-se de passagem muitíssimo bem arranjado e tocado. As vocalizações chegam a lembrar o que seria feito pela Vanguarda Paulista anos depois. As histórias de rebeldia contadas no livro LSD sobre o grupo deixa tudo ainda mais encantador. Muito legal!

Serguei - O Burro Côr de Rosa / Ouriço (1970)
Claro, sei das lendas envolto a persona do Serguei, mas confesso que nunca tinha escutado suas músicas. Esse compacto é bem legal. Ouvi antes mesmo de ler o texto do livro e fiquei abismado ao notar semelhanças com o famigerado "som de jarro" do 13th Floor Elevator, assim como o Bento Araújo apontou no texto. Vale pela curiosidade.

Bango - Bango (1970)
Fique impressionando com a potência e a força das composições deste que é o único álbum do Bango. Muito bom mesmo. Só a faixa de abertura ("Inferno no Mundo") já deveria ser reconhecida como um clássico do rock nacional. Um dos melhores disco deste período. Simples assim.

Os Lobos - Miragem (1971)
Achei tudo muito bem produzido. Posso estar exagerando, mas a capa é nível Hipgnosis. Bem tocado, arranjado, composições divertidas (tem um humor à la Mutantes). Impressionante como os vocalistas cantam bem (convenhamos, o Brasil não tem GRANDES cantores de rock). As melodias são ótimas. Resumindo, é um trabalho de qualidades surpreendentes para época.

Blow Up - Blow Up (1971)
Um grupo que atravessou uma década num disco que demonstra profissionalismo e qualidades enormes. A faixa "Som D'Avenida" é muito legal. Mais um álbum surpreendente.

Spectrum - Geração Bendita (1971)
Disco cultuado. Sempre vi sua capa por aí, mas só agora ouvi. A banda era formada por típicos hippies, sendo que isso se manifesta no som da banda. No livro LSD o Bento conta as dificuldades que o grupo teve em meio a ditadura militar. Não pirei no álbum, mas vale conhecer.

Hereton + Meta - Hereton + Meta (1971)
Escutando este compacto do Hereton Salvani fica nítido o grande arranjador que ele era. Não me surpreende que posteriormente ele tenha sido diretor musical da TV Record. As canções tem perfil politico e clima quase cinematográfico. É um trabalho curioso.

Módulo 1000 - Não Fale Com Paredes (1972)
Já tinha escutado este cultuado/raro disco, mas confesso que desta vez soou muito melhor. Antes achava extremamente tosco (o que realmente é), mas ele tem um peso "espacial" criativo. É quase um encontro do Black Sabbath com o Hawkwind (dada as devidas proporções). A faixa-título é um clássico cult do rock nacional.

Free-Son - Banguelê (1972)
Para quem curte percussão, afrobeat e/ou música latina, esse disco é prato cheio. Embora um tanto quanto repetitivo, ele é intenso na proposta. É bacana.

Nelson Angelo e Joyce - Nelson Angelo e Joyce (1972)
Já tinha lido muito por ai sobre este disco. Realmente ele é bem especial. Traz a Joyce, que depois veio a fazer grande sucesso, numa parceria folk com o Nelson Angelo. Uma obra aconchegante, bonita e muito bem arranjada.

Paulo, Cláudio e Maurício - Paulo, Cláudio e Maurício (1972)
Muita influência da música brasileira em composições com direcionamento do rock progressivo. Tudo muito bem tocado num clima de jam bastante orgânico. De imediato dá pra perceber que os instrumentistas são diferenciados. Ótimo compacto, principalmente o lado A, inteiramente instrumental.

Alceu Valença & Geraldo Azevedo - Quadrofônico (1972)
Álbum fundamental para a ascenção da música pernambucana no pop brasileiro. Sempre ouvi falar do disco, mas só agora escutei. Achei bom demais. Inclusive a produção é ótima, com direito a arranjos do Rogério Duprat. Há muitas referências da música regional, ainda que numa linguagem bastante contemporânea. Arrojado e divertido. Ótimos violões/violas/guitarrras.

Rubinho e Mauro Assumpção - Perfeitamente, Justamente Quando Cheguei (1972)
O grande ponto deste disco é a qualidade das composições, inclusive apontando para diferentes direções, vide o samba-rock "Os Olhos". Há também delirantes e melódicas guitarras. Muito variado. É bem legal.

Satwa - Satwa (1973)
Parceria do Lula Côrtes com o Lailson. Apenas os dois, munidos de uma viola de 12 cordas e um tricórdio. A fundição da música nordestina com o folk em mantras hipnóticos. Repetitivo por essência, criando climas bonitos e viajantes. Diz no livro que foi um dos primeiros lançamentos independes do Brasil.

Guilherme Lamounier - Guilherme Lamounier (1973)
Já tinha escutado esse disco, mas não lembrava que ele era tão bom. Dono de ótimas melodias e produção típica da época, dá até para considera-lo um dos grandes álbuns do pop rock brasileiro. As letras delirantes são embaladas em ótimos arranjos. Canções acessíveis não menos que cativantes. Seria um clássico se ao menos fosse lembrado. Vale dizer que o Fábio Jr. é um grande admirador dele. Infelizmente seu final foi trágico, visto que ele caiu no ostracismo e desenvolveu esquizofrenia.

Paulo Bagunça - Paulo Bagunça E A Tropa Maldita (1973)
Já tinha escutado esse álbum quando ele foi relançado, mas ele me soou bem melhor agora. Imagine um "Jorge Ben mais pesado". Inclusive ele é também um ótimo violonista. Muito grooveado e dono de matrizes africanas intrínsecas. Fora que tem ótimos refrães (vide "Olhos Risonhos") e é bem gravado. "Microfones Metálicos" prevê o Primal Scream.

Marconi Notaro - No Sub Reino dos Metazoários (1973)
Um disco simbolo do movimento Udigrudi, que concretizou Recife como um polo psicodélico brasileiro. A poesia do Marconi Notaro destaca-se enquanto violas caipiras criam uma atmosfera viajandona. "Sinfonia em Ré" exemplifica muito bem isso. Vale atentar que o Robertinho de Recife dá as caras no disco (vide "Made In PB"). Um álbum dificil, mas que vale a insistência.

Sidney Miller - Línguas de Fogo (1974)
Um outrora sambista com passagens pelos festivais de TV em seu momento "rockeiro". Adoro esse cruzamento da canção popular brasileira com nuances psicodélicas naturais do período. As letras são ótimas, há timbres de fuzz furiosos, a produção opaca tipica da época muito me agrada, a interpretação vocal é introspectiva... um puta disco.

Arnaud - Murituri (1974)
Humorista parceiro do Chico Anysion num baita álbum de samba-rock (mas não só isso, vide o sotaque nordestino da ótima "Antonio Nepomuceno"). Destaque para alguns nomes da ficha-técnica: arranjos de Arthur Verocai, teclados de José Roberto Bertrami, guitarras do Lanny Gordin (ele arrebenta em "Murituri"), vozes de Jane Duboc e até mesmo orquestrações da Orquestra Municipal de São Paulo. Um espetáculo! "Conscachá, Fimará (Magnífico)" é das melhores composições sobre futebol.

Sergio Ricardo - A Noite do Espantalho (1974)
Embora nem sempre lembrado, acho o Sergio Ricardo um dos personagens mais interessantes da música popular brasileira. Suas trilhas sonoras são de eficiência impressionante. Sua participação no festival da Record é emblemática. Esse disco, com fortes elementos regionais, é de grande beleza. Alceu Valença e Geraldo Azevedo participam. É a música nordestina genuína, ácida e rebelde.

Perfume Azul do Sol - Nascimento (1974)
Conheci esse disco raríssimo não faz muito tempo. Lembro de ter adorado o fato dele contar com o Pedrão Baldanza no baixo. Reouvindo, foi novamente ele que saltou aos ouvidos, principalmente nas faixas "20.000 Raios de Sol" (que tem um lance meio Gal Costa) e "Calça Velha". Bom flerte da música brasileira com o rock psicodélico e carga extra de groove.

Assim Assado - Assim Assado (1974)
Eu já tinha escutado esse disco, mas não lembrava que ele era tão legal. É muito variado, indo do samba-rock ao hard rock, rock psicodélico, funk e baião. Tudo muito bem tocado. O problema é a capa e o nome do grupo, que claramente tentou surfar no sucesso do Secos & Molhados, escondendo a personalidade sonora do grupo. Curiosamente, graças a isso também virou um cult.

Alceu Valença - Molhado de Suor (1974)
Disco de estreia solo do Alceu. Sua fase inicial é muito boa, trazendo forte DNA da música nordestina, seja dos violeiros, maracatu ou cantadores. Hoje suas músicas mais pop fazem sucesso com a classe média da Vila Madalena, o que despertou em mim uma birra besta. Mas neste disco, ainda que lançado pela Som Livre, a produção não parece tão lapidada (embora excelentissimamente arranjada e tocada), o que me empolga e atenua meus preconceitos.

Ney Matogrosso - Água de Céu - Pássaro (1975)
Embora não tenha feito sucesso comercial, esse primeiro disco solo do Ney explica muito o porquê do astro que ele se tornou posteriormente (claro, isso além do talento e da personalidade única). Esqueça o amadorismo visto em grande parte dos discos, aqui a produção (do Billy Bond) é excelente. Bruce Henri e Claudio Gabis tocam no álbum. Já as composições trazem nomes como Sá & Guarabyra, Milton Nascimento, João Bosco e Aldir Blanc. Um ficha técnica impressionante. O resultado é um álbum quase conceitual e performances excelentes do ex-Secos & Molhados.

Carlos Walker - A Frauta de Pã (1975)
De um lado a voz terna do Carlos Walker. Do outro arranjos lindíssimos, sendo alguns assinado pelo Radamés Gnatalli. O João Bosco toca no álbum e o Aldir Blanc cedeu algumas composições. Uma obra de beleza e delicadeza exuberante. Vale dizer que o Carlos Walker era bastante jovem quando gravou esse disco e que ele foi apadrinhado pela Elis Regina.

Persona - Som (1975)
Fundamental ler o texto no livro LSD para entender melhor do que se trata. Mas adianto que é uma obra que começou enquanto instalação, para depois virar um brinquedo/jogo que via acompanhado deste disco, que mais parece uma colagem abstrata de sons malucos. Luis Carlini, Lee Marcucci e Franklin Paolillo (todos do Tutti-Frutti) foram responsáveis pela instrumentação. A produção é meio tosca, o que de certa forma contribui para o clima quase aterrorizante do trabalho. Álbum curiosíssímo. A capa é espetacular.


Agora o lance é participar do financiamento coletivo do próximo livro e neste meio tempo ir escutando os álbuns presentes no segundo volume, com 100 discos audaciosos do Brasil entre os anos de 1976 e 1985.

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