quinta-feira, 24 de outubro de 2019

TEM QUE OUVIR: Walter Franco - Revolver (1975)

Walter Franco é um caso ímpar na música brasileira. Vanguardista na essência, usou a forma canção como matéria de desenvolvimento artístico. Impressionou no FIC com a histórica "Cabeça", registrada no emblemático e difícil disco Ou Não (1973). Mas foi dois anos depois, com o clássico Revolver (1975), que o compositor definiu de maneira mais coesa a inquietude de seu trabalho.


Poucas músicas no Brasil soavam tão pesadas em meados da década de 1970 quanto "Feito Gente". Sua batida crua e a guitarra distorcida encaixam perfeitamente na voz ríspida do Walter Franco e, mais ainda, na letra ambígua, que vai do amor ao lixo. Um hino de uma geração dita "maldita".

A poética do artista é explorada por todo o disco em cima de arranjos inusitados, vide "Eternamente", um haikai concretista que cria novos sentidos à palavra ("Eternamente/É ter na mente/Éter na mente/Eterna mente/Eternamente").

Em muitos momentos, seu lirismo qualifica o uso da palavra enquanto sonoridade, abrindo mão de uma "função" ou da noção de "bom-gosto". Isso pode ser exemplificado com "Toque Frágil" ("O sorriso do cachorro tá no rabo"); e com a contemplativamente abstrata "Cachorro Babucho".

Um dos pontos altos do disco é a produção do Pena Schmidt. É impressionante a combinação de violões brejeiros, sítar, percussões reverberosas e efeitos espaciais em "Mamãe D'água". A interpretação ébria/anestesiada do Walter Franco colabora na viagem timbristica.

É não menos que criativo o uso de motivos afro-brasileiros em "Partir do Alto/Animal Sentimental". Claro, tudo com um groove de baixo poderoso e tempero psicodélico. O mesmo vale para o arranjo complexo de "Bumbo do Mundo". Nesse sentido, vale lembrar que muitas da baterias e percussões do disco ficaram a cargo do grande Dudu Portes.

Não dá para ignorar o Walter Franco na história do rock brasileiro diante do peso de "Arte e Manha" e da exuberância progressiva de "Cena Maravilhosa".

Ainda é possível destacar os ecos de Mutantes em "Nothing", a intrigante "Apesar de Tudo é Leve" e o desfecho mântrico com "Revolver".

Considerado por muitos um precursor da sonoridade transgressora da Vanguarda Paulista, Walter Franco veio a produzir outros discos consistentes. Entretanto, Revolver virou um álbum cult. Na verdade é muito mais que isso, é um manifesto da contracultura na música popular brasileira.

Um comentário:

  1. "E ternamente". Muito bons seus comentários! Quer ser meu amigo? @felipedrib ou 32 9 9195-9197

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