Considerando todos os infortúnios da vida de Nina Simone - negra, mulher e pobre, numa América extremamente racista, machista e classista -, é possível dizer que ela não demorou tanto para se estabelecer como artista. Seu piano, que reunia técnicas eruditas com approach jazzistico, além de seu canto grave, logo chamaram a atenção. A música de Nina Simone agradava a todos.
Todavia, foi só quando a artista passou a inserir elementos de contestação social que sua obra ganhou valor imensurável. Embora muitos não tenham visto sua luta com bons olhos, sua rica musicalidade, somada a interpretação incisiva, quase ameaçadora, é indiscutivelmente de grande valor humano. Isso fica bastante claro no disco In Concert (1964).
Gravado no Carnegie Hall, Nina começa o show invocando os irmãos Gershwin na clássica "I Loves You Porgy". Seu canto suave é absurdo. Afinação e dicção perfeita. Puro brilhantismo.
Ousaria dizer que a Gal Costa pegou muito de seu canto da interpretação de Nina em "Plain Gold Ring", com destaque para o arranjo incomum, que cria uma ambientação cheia de suspense. Destaque para o baixo seguro do Lisle Atkinson. Os acordes que Nina discretamente insere ao piano no decorrer da faixa também são de grande sofisticação.
"Pirate Jenny" não se assemelha a nada feito até então na música popular. Por um instante parece que o show vira um musical - ou até mesmo uma ópera -, tamanha a força interpretativa de Nina e o arranjo nada convencional da bateria do Bobby Hamilton. Impressionante!
Mas é em "Old Jim Crow" que a coisa começa transgredir o âmbito musical. Sua letra faz clara referência as leis de Jim Crown, que institucionalizaram a segregação-racial nos EUA.
Já a emblemática "Mississippi Goddamn" é uma resposta ao assassinato de Medgar Evers e ao atentado a uma igreja no Alabama que matou quatro crianças negras. Embora eu tenha a tendência a dizer que música é no primeiro momento uma atividade artística/estética, aqui seu uso politico é inegável e necessário. Histórico!
O disco ainda reserva a exuberante "Don't Smoke In Bed" - onde seu conhecimento erudito ao piano salta aos ouvidos (evitarei a redundância de destacar seu voz) - e a espetacular "Go Limp", uma valsa extremamente divertida, que apresenta uma Nina de humor e simpatia poucas vezes ressaltada em sua biografia.
Definitivamente uma apresentação história de uma das grandes artistas do século XX.
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