quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

A covardia critica e a auto-afirmação dos ditos não preconceituosos

"Não tenho nada contra homossexuais! Gosto do Renato Russo. Meu problema com o Pabllo Vittar é que ele canta mal".

Provavelmente você já leu algo parecido no perfil de alguém no Facebook ou mesmo em alguma discussão de bar. Curiosamente, tal afirmação não necessariamente parte de quem leva a complexificação das artes como fator decisivo na escolha do que vai consumir. Ou então a música de Renato Russo cairia em detrimento quanto posta ao lado de centenas de outros compositores. Nunca vi tal critica ao Pabllo Vittar vir de um fã de Stravinsky.

Tais opiniões vem para expor possíveis preconceitos, já que não vejo tal confronto sobre o "não gostar pois ele é gay" passar pela cabeça de quem admira e, até mesmo, vê como transformação social a ascensão de diferentes gêneros sexuais (e raciais) nas artes. Quem gosta destes artistas provavelmente confrontará dizendo "mas é tão divertido".

Se a não adesão a um artista se dá via estética, por que é necessário expor os não preconceitos pessoais? É justamente essa incapacidade crítica de refutar esteticamente a obra de artistas que pertencem a algum recorte socialmente excluído, que dá a aparente legitimidade social a tais obras ditas artisticamente ruins.

Desafinações como as de Pabllo Vittar não cabem como parâmetro para avaliar sua arte, já que afinação não legitima nada. Já vi Milton Nascimento desafinar e nem por isso deixaria de coloca-lo entre os maiores cantores da música popular brasileira. Se Pabllo passar a cantar afinado, não necessariamente será um grande nome da música nacional.

Se a música de Pabllo não apresenta complexificação poética, o mesmo vale para "Hello, Goodbye" (The Beatles). Paul McCartney é um mal compositor? Acho que não.

Tudo isso para dizer que ninguém aqui usa Wendy Carlos ou John Cage para expor seus não preconceitos. Usa-se Renato Russo, um artista de qualidade tão questionável quanto Pabllo Vittar. Absurdo? Deixem nos comentários quais músicas da Legião Urbana apresentam erudição de suas formas, hibridação com outros gêneros, além complexificação na execução ou mesmo poética. Eu honestamente não conheço.

Tais auto-afirmações de não preconceitos mais parecem uma defensiva de quem tem pensamento retrógrado ou então mera argumentação infantil. Espero honestamente que a segunda opção seja a maioria dos casos.

Dito isso, tenho outro ponto. Sempre tive para mim que o cronista não muda sua realidade. Os Racionais MC's cantaram em "Mágico de Oz" sobre as crianças que viviam nas ruas e, passado 20 anos, as crianças ainda estão lá. Abordar temas sociais espinhosos não dão valor estético e muito menos mudam a realidade social. Ou seja, não existe motivos para covardia ao criticar a obra do Pabllo Vittar. Sua música socialmente tem pouco valor. Já esteticamente, é um pop pasteurizado assim como "Macarena".

Pabllo Vittar não quebra preconceito algum, pois não canta para preconceituosos. Seus fãs (ou mero simpatizantes) não romperam com seus preconceitos por causa de sua música. Seus detratores não necessariamente são os que oferecem perigo aos homossexuais. É preciso reconhecer o inimigo para não cometer falso juízo contra aqueles que, seja por formação religiosa ou desorientação intelectual, tem seus preconceitos morais, embora não façam real uso de tais pensamentos retrógrados.

Usando um outro exemplo: Se "Surubinha de Leve" do MC Diguinho é imoral, pouco importa. Seu julgamento só serve para condenar o pobre coitado. Sua defesa social esconde sua fraqueza estética. Sua compreensão enquanto mero produto o coloca no real espaço que ele merece. E neste caso, por ser um produto sem carisma algum, torna-se facilmente esquecível.

Claro, digo tudo tendo em vista a postura que deveria adotar os indivíduos. A massificação de produtos de entretenimento barato via mídia é algo sempre a se criticar. Não em detrimento de algum personagem "artístico" ruim, mas a favor de alguns nomes talentosos. Adoraria ligar a TV num domingo a tarde e ver um programa com o perfil do Jools Holland, com participação de nomes como Anitta, Hermeto Pascoal, Zé Ramalho, Ratos de Porão, Rashid, Fábio Zanon, Metá Metá e God Pussy. Isso sim geraria uma transformação artística. Mas qual a chance disso acontecer na Rede Globo? Digo isso pois considero o monopólio da midia pior que qualquer produto artístico em si.

Aliás, outro ponto que vale a reflexão: incrível como muitos compram a ideia de que Pabllo Vittar promove transformação social, quando ela é uma artista cooptada pela Rede Globo, o órgão midiático que mais dissemina preconceitos e desigualdades.

Dito tudo isso, penso que a arte deve ser compreendida através da sua forma (que não é social). Se for artisticamente ruim: deve ser pessoalmente avaliada e posta de lado. Se for boa: ótimo, prestou sua função. Se entreteve (independente se é socialmente bacana ou moralmente condenável): foi um bom entretenimento. Simples e eficiente assim. Aparentemente complexo para a maioria.

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