sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Peculiaridades do POP brasileiro

*Logo de cara um adendo: se você se interessa por cultura POP, indústria fonográfica e MPB, o livro Pavões Misteriosos do André Barcinski é de leitura obrigatória. Isso posto, deixo agora minha impressões sobre uma época extremamente peculiar da música brasileira.

A indústria fonográfica e a cultura POP sempre caminharam de mãos dadas. Mas no Brasil existem particularidades típicas de um país subdesenvolvido e adepto da "malandragem".

Um dos fenômenos musicais mais curiosos é o dos brasileiros que cantavam em inglês. Alias, não só cantavam, mas fingiam ser gringos. Com o atraso do lançamento de hits internacionais no país - as vezes chegava a demorar mais de 2 anos -, diretores de gravadoras tiveram uma sacada genial: regravar com artistas locais sucessos internacionais.

Vale o adendo que nada disso era ilegal, já que as gravadoras compravam os direitos das canções e não o fonograma em si. Essa ação era muito mais barata e, respectivamente, lucrativa.

Isso ocorria desde a década de 1960, principalmente com os artistas da Jovem Guarda. Jerry Adriani, por exemplo, fez enorme sucesso regravando canções italianas. Mas ok, todos sabiam que Jerry era brasileiro, tanto que paralelamente ele também apresenta canções exclusivas do seu repertorio, vide "Doce, Doce Amor" (vale a curiosidade, composta por Raul Seixas).


Bizarro foi quando brasileiros começaram a se passar por artistas internacionais. Daí surgiram nomes como Malcolm Forrest, Terry Winter, Pete Dunaway, Morris Albert, Dave Maclean, Patrick Dimon, dentre outros.

Mark Davis, que fez enorme sucesso com "Don't Let Me Cry", era na verdade o Fábio Jr.. Para piorar, nesse meio tempo ele foi também Uncle Jack. A coisa era tão armada que o Fábio Jr. não podia dar entrevista, já que correria o risco de ser desmascarado.


Mas Fábio Jr. não foi o único que posteriormente "abrasileirou". Jessé, por exemplo, era o Tony Stevens e o Christie Burgh. Já a dupla Cristian & Ralf era, respectivamente, Don Elliot e Chrystian.

Morris Albert foi o único brasileiro que chegou a desfrutar de prestigio internacional cantando em inglês (anos depois teve o Sepultura, mas aí é outro papo). Além de ter feito grande sucesso comercial, sua canção "Feelings" chegou a ser interpretada por Frank Sinatra, Nina Simone, Johnny Mathis e até mesmo pelo Offspring.



Outro caso curioso na nossa indústria fonográfica é Os Carbonos, grupo formado por ótimos músicos de estúdio e que tinha como grande qualidade copiar sucessos internacionais. É interessante pensar que a trilha sonora da novela Dancin Days (lançada pela Som Livre), não continha as versões originais dos hits do Bee Gees, mas sim regravações dos Carbonos com o grupo vocal Harmony Cats. O público pouco se importou se era cópia ou não. O disco foi um enorme sucesso.


É preciso lembrar que Os Cabornos não eram somente encarregados de copiar sucessos internacionais, já que serviram como banda de apoio para inúmeros hits brasileiros da época, vide "Que Pena" (Jorge Ben), "Fuscão Preto" (Almir Rogério), "A Onde A Vaca Vai O Boi Var Atrás" (João da Praia), além de jingles, vide "Toddy, Sabor Que Alimenta". Na maior parte das vezes eles não eram creditados, já que recebiam por hora. Eles sequer sabiam o que estavam gravando. Apenas liam a partitura e obedeciam o arranjo.


Outro exemplo de como a coisa era esquizofrênica no Brasil é que qualquer sucesso internacional ganhava vida própria no país. E não me refiro somente as músicas, mas também aos grupos. Um exemplo é o Brazilian Genghis Khan, uma versão do grupo POP alemão Dschinghis Khan. Todavia, o sucesso "Comer, Comer" não tinha relação alguma com o grupo europeu.

Tudo era tão maluco que sequer o Brazilian era liderado por um brasileiro, mas sim pelo argentino Jorge Danel. Se existe um exemplo de globalização cultural POP, é esse.

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