quarta-feira, 6 de novembro de 2013

TEM QUE OUVIR: Tropicália ou Panis Et Circencis (1968)

Dentre tantos movimentos da música brasileira, nenhum foi tão impactante quanto a Tropicália. Embora seja possível argumentar que essa hegemonia seja artificial - em detretimento da projeção do que seria uma genuína manifestação artística -, a realidade se impõe, revelano o tropicalismo como o momento mais inovador e ameaçador até aquele momento da canção popular. Sendo assim, Tropicália ou Panis et Circencis é um patrimônio histórico da música mundial.


Lançado em 1968, após o lendário festival da TV Record, no auge do flower power e da guerra do Vietnã, no ano da morte do Martin Luther King e da implantação do AI-5 pelo regime militar brasileiro, esse disco manifesto soa explosivo e, acima de tudo, necessário.

Arquitetado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, o álbum traz a participação de diversos artistas que ajudaram a fortificar o movimento, vide Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa, Rogério Duprat, Nara Leão, Capinam e Torquato Neto. Todos estão representados de alguma forma na emblemática capa do disco, expondo o ambiente de coletividade.

O tropicalismo surgiu como uma forma de interligar a cultural regional com as manifestações de vanguarda e a arte pop internacional. As referências eram muitas, da Banda de Pífanos de Caruaru, passando pela psicodelia do Jimi Hendrix - mesmo após a passeata contra a "imperialista" guitarra elétrica -, os Beatles, o concretismo, o Movimento Antropofágico de Oswald de Andrade, a Pop Art do Andy Warhol, o visual de Carmen Miranda, as instalações de Hélio Oiticica, o samba-rock do Jorge Ben, o cinema novo de Glauber Rocha, a expressão popular de Chacrinha e o teatro anarquista de Zé Celso. Somando todas essas peças ao talento do maestro Julio Medaglia, do guitarrista Lanny Gordin, do poeta Wally Salomão, dos produtores Guilherme Araújo e Manoel Barenbein e dos compositores Jards Macalé e Jorge Mautner, esse disco foi a ponta do iceberg de uma transformação estética da canção brasileira. 

A composição calcada no violão psicodelicamente abrasileirado numa poesia de Capinam em "Misere Nobis" é quem abre estrondosamente o álbum. Essa fusão ocorre também em "Geleia Geral", desta vez com letra do Torquato Neto.

A releitura da triste "Coração Materno" (Vicente Celestino) feita por Caetano Veloso mostra que, apesar do movimento apontar para novos rumos, ele não virava as costas para o passado musical do país. Mais uma prova disso é "Lindoneia", uma especie de bolero mórbido interpretado pela Nara Leão, outrora musa da bossa nova. Já Gal Costa, musa tropicalista desde sempre, passeia maravilhosamente pela linda "Baby".

Se tem uma música acima de qualquer julgamento é "Panis Et Circensis", onde a dobradinha Caetano/Gil elabora a letra musicada pelo sempre criativo Os Mutantes. Um clássico!

"Parque Industrial" talvez seja a canção mais representativa do álbum, tendo em vista que todos os integrantes do movimento participam da faixa, celebrando a música "made in brazil".

O disco ainda reserva faixas como a latina "Três Caravelas", a minimalista "Enquanto Seu Lobo Não Vem", a melódica "Mamãe, Coragem", a vanguardista/lisérgica/afro-brasileira "Bat Macumba" e o "Hino ao Senhor do Bonfim", amarrando perfeitamente a obra.

Tropicalia ou Panis et Circencis não é necessariamente o melhor registro dos envolvidos no trabalho, mas certamente é o mais emblemático. Tem quem deteste e tente desesperadamente diminuir o valor da obra. Já outros exaltam os tropicalistas com fervor desnecessário. Mas por trás de tudo isso está uma obra complexa, que definiu a estética contracultural no país e abriu diversas portas musicais/comportamentais/politicas. Para o bem ou para o mal, a história do Brasil passa por aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário