quarta-feira, 3 de agosto de 2011

TEM QUE OUVIR: Secos & Molhados - Secos & Molhados (1973)

Vou direito ao ponto: eis aqui um dos maiores patrimônios da cultura popular brasileira. O disco de estreia do Secos & Molhados, lançado em 1973.


Antes de tudo é preciso contextualizar o período em que a obra foi lançada. O Brasil vivia no auge da censura, arma essa de uma ditadura truculenta. Sendo assim, um álbum que trazia na capa homens fortemente maquiados já era subversivo o suficiente para chamar a atenção. Mas nada adiantaria a emblemática capa - e a forte divulgação da Rede Globo, que os colocou logo na primeira edição do Fantástico - se as músicas não tivessem qualidade e apelo popular. E tinham/tem.

O sucesso foi tão grande que surpreendeu até mesmo a gravadora Continental, que não estava preparada pra demanda de mais de 1 milhão de cópias, recorde no Brasil, até mesmo para os padrões do Roberto Carlos. Esse número é explicado também graças ao chamado Milagre Econômico, que permitiu que mais casas tivessem acesso a toca-discos e rejuvenesceu os ouvintes de música pop.

A primeira canção do álbum é "Sangue Latino", dona de uma simples e potente linha de baixo. A influência de música regional se revela no fraseado nordestino da viola caipira. Não podemos também ignorar a forte letra cantada com a voz soprana/convicta/sensual/"feminina" de Ney Matogrosso, servindo de combustível para uma geração contestadora.

O grande hit da banda aparece logo na sequência. A lúdica "O Vira" tem mais uma vez o baixo do argentino Willy Verdaguer em destaque, assim como a estridente guitarra do John Flavin. A influência da dança portuguesa que dá nome a música aparece na inclusão do acordeon no arranjo.

Em "O Patrão Nosso de Cada Dia" fica clara a genialidade do compositor João Ricardo ao elaborar estupenda letra, mais uma vez interpretada magistralmente por Ney Matogrosso. Destaque para a linda melodia de flauta.

Em "Amor", Willy Verdaguer demonstra inspiração ao elaborar umas das mais emblemáticas linhas de baixo da música brasileira. Já na épica "Primavera Nos Dentes" o destaque é mesmo o conjunto. Em sua longa introdução, as influências de Pink Floyd e do blues inglês ficam bastante evidentes. O grupo esbanja competência nos vocais harmonizados, que servem de meio para uma letra contra o regime militar. 

"Assim Assado" traz uma mistura inacreditável de influências e instrumentação, mas é a guitarra carregada de fuzz que fala mais alto. Já "Mulher Barriguda" é um rock maravilhosamente simples, mas com uma letra que retrata o temor da população no ambiente de ditadura. Sei que vou cair na mesmice, mas mais uma vez Willy Verdaguer é o grande destaque, colocando seu baixo para solar sem atropelar os outros instrumentos, dentre eles um insano piano e uma gaita ultra melódica.

O disco também apresenta duas canções curtinhas. Uma delas é a poética "El Rey", musicada pelo talentoso (e subestimado) Gerson Conrad. A outra é a melódica e tensa "As Andorinhas".

"Rosa de Hiroshima" (Vinícius de Moraes) é sem dúvida umas das mais belas incursões da poesia na música. O violão de João Ricardo é uma aula de delicadeza, assim como a interpretação emocionante de Ney Matogrosso. Na sequência temos "Prece Cósmica", um rock de leveza incrível, coberto por uma guitarra falante. 

A obra termina com "Fala", mais uma das peças brilhantes de João Ricardo, carregada por uma linda orquestração. A bateria de Marcelo Frias cheia de viradas inteligentes também merece destaque, assim como o frenético sintetizador - raro na época - tocado pelo genial Zé Rodrix.

Esta surpreendente obra ainda hoje soa espetacular. O melhor disco do pop brasileiro.

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