segunda-feira, 23 de abril de 2018

Pitacos sobre o show do Radiohead

Alguns shows eu assisto com doses equivalentes de prazer e indiferença. Foi assim com o Chico Buarque há pouco mais de um mês. Claro, ele é um excelente compositor e seu show é ótimo, mas não tenho muito a dizer além disso. Todavia, sobre a apresentação que o Radiohead fez ontem em São Paulo, me vem a vontade de reforçar alguns pontos.


Vale começar dizendo que nem mesmo a promoção "compre 1 leve 2" foi suficiente para lotar o Allianz Parque. Confesso achar natural. Não seria mesmo o single de "Creep" suficiente para levar mais de 60 mil pessoas ao estádio para um show hermético como o do Radiohead. 30 mil pessoas já me impressionam. As brechas livres e o público interessado mais no show do que no hype ajudaram a experiência no evento. Todavia, não estranhem se eles demorarem mais 10 anos para voltar ao Brasil.

Outro ponto foram os shows de abertura. Peguei o final do Aldo The Band, banda que, pelo pouco que ouvi, não me interessou, mas que no momento que adentrei o estádio fazia um esporro shoegaze interessante.

Depois veio o Junun, grupo de música indiana que tem em sua formação o Jonny Greenwood. Claro, não é das apresentações que melhor funcionam num estádio, mas ainda assim foi bem divertido e, até mesmo, psicodélico.

O mesmo vale para o espetacular DJ/produtor Flying Lotus, que conseguiu com seu espetáculo em 3D e canções de peso sônico fazer o tempo passar mais rápido. Rolou até mesmo sample de "Ave Lúcifer" dos Mutantes.

Ah, vale reforçar um ponto: sabe aquelas canções de classic rock que os ouvintes da KISS FM tanto adoram que ficam ecoando nos PA's antes dos shows? Coisas como "Back In Black" do AC/DC e "Sloud I Stay Or Shoul I Go" do The Clash. Pois então, aqui foram substituídas por músicas pianísticas minimalistas na linha do Philip Glass e músicas indígenas, daquelas mais tradicionais possíveis. Seria de alguma tribo brasileira? Fica a dúvida. Só sei que em certo momento, a célula rítmica de uma música me lembrou a introdução de "15 Step". Coincidência? De certeza somente que tais canções passaram pela curadoria do grupo, sendo somente assim justificadas.

Mas vamos logo ao que interessa: a apresentação do Radiohead. E é justamente aqui que a coisa beirou o absurdo.

Como em todos os shows da tour, eles abriram com a delicada "Daydreaming", fazendo pouco uso de iluminação e telões. Nada de abertura de show explosiva, o público teve que adentrar a banda através de uma balada ambient ao piano. Isso para logo na sequência vir a pesada (que grave absurdo!) "Ful Stop". Foi a primeira vez que vi ecoar um krautrock paranóico e repetitivo num estádio. Coisas que só o Radiohead consegue! A sequência com a dançante "15 Step" até ficou pequena perto das demais, sendo esmagada posteriormente pela estrondosa "Myxomatosis".

Aqui vale destacar a qualidade de som. Tudo com volume consideravelmente alto (ao menos nas cadeiras da arquibancada) e definição de timbres impressionante. Acho que foi a primeira vez que ouvi o som da esteira da caixa num show em estádio. Pode parecer bobagem, mas para apreciar o som do Radiohead, tais nuances são fundamentais. O fato de não haver pessoas conversando na platéia e nem celulares levantados tirando a concentração também contribuem para a imersão ao espetáculo.

As experimentações ruidosas e eletrônicas de "Bloom", "Everything In Its Right Place" (rolou um errinho no meio da música que levou o baterista Philip Selway parar e voltar no ritmo correto, não?), "The Gloaming", "Weird Fishes/Apeggi" e, principalmente, da excelente "Idioteque", que eu jurava perder força ao vivo, soaram impressionantes. Parece que a banda consegue reproduzir todas as texturas de estúdio ao vivo, só que com uma energia extra. Não foi difícil encontrar na platéia pessoas dançando em ritmos esquizofrênicos.

Das faixas guitarristicas e explosivas no começo da carreira, tivemos a excelente "My Iron Lung", uma prova definitiva de que o Radiohead é também uma grande banda de rock simples. "2 + 2 = 5" é mais um grande exemplo rockeiro da banda.

Jonny Greenwood fez o melhor uso de arco em guitarra da história (neste momento, foda-se o Jimmy Page) na linda "Pyramid Song", dona de um dos ritmos de pianos mais tortos na música pop. Entre as belas baladas destaco também "All I Need", "Exit Music (For A Film)" e a exuberante "Nude", com um show de iluminação e interpretação majestosa do Thom Yorke. Estranhamente, a ótima "No Surprises" não me causou grande emoção, embora o enigmático "Ninguém faz porra nenhuma por ninguém, e quem faz é jogado na cadeia" do vocalista tenha deixado algumas questões em aberto.

Agora devo salientar que paguei com a língua: sempre disse que considero o Radiohead mais "experimental" do que propriamente "triste", fama que rondeia o grupo desde "Creep". Todavia, não é que a tristeza me dominou em "Let Down" e na derradeira "Fake Plastic Tree". Assumo que deixei algumas silenciosas lágrimas. Acontece.

A clássica/espetacular "Paranoid Android", que arrisco dizer ser a melhor composição da banda, também não fez feio no fim do show. Um final apoteótico que ficará na minha memória durante muito tempo. Um dos melhores shows que já vi em estádio. Um dos melhores de uma banda que emergiu na década de 1990. Um dos melhores grupos da história.

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*Algumas observações após ler a experiência de outras pessoas no show:

Li muitas pessoas reclamando da qualidade do som e, até mesmo, da baixa altura do palco, que dificultou a visão de quem estava na pista comum. Acredito que tudo seja realmente possível. É lamentável pessoas pagarem caro pelo ingresso e não poderem usufruir do espetáculo em toda sua magnitude. Por sorte, nas cadeiras não tive o mesmo problema.

Algo que constatei e que havia esquecido de salientar é que, apesar do público ao meu redor estar em silêncio, os vendedores com seus "cerveja e água gelada, aceitamos cartão" realmente roubam um pouco a atmosfera do espetáculo. Todavia, honestamente, encarei com paciência e naturalidade esse problema. Até ri quando no meio do show hipnótico do Junun um vendedor emulando o canto indiano gritou "achei que era show de roooock, comprem minha cerveeeeeeja". Inaceitável foi pagar 12 reais numa itaipava choca.

Sobre os telões, achei tudo lindo (exceto a parte que deu pane, claro). Prefiro as projeções e o visual que ele causou ao show junto da iluminação, do que simplesmente focar na cara do Thom Yorke. Entendo quem estava longe e achou ruim, mas não foi o meu caso.

Sobre o setlist nem tem muito o que opinar. Tenho minhas preferências, mas sou a favor da banda apresentar o que ela quiser. Não dá para agradar todos. Eu trocaria uma música ou outra, mas aí é mera questão pessoal. No geral eu adorei.

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