domingo, 6 de agosto de 2023

TEM QUE OUVIR: João Donato - A Bad Donato (1970)

João Donato é um dos personagens centrais da música brasileira. Nascido no Acre, logo se mudou para o Rio de Janeiro, onde despontou enquanto expoente da bossa nova. Como tantos, teve prestigio entre "os do meio", mas não alcançou apelo popular. Foi para os EUA, onde desenvolveu uma carreira musicalmente vitoriosa, representada no hoje cultuado A Bad Donato (1970), seu oitavo disco, bancado e distribuído no EUA, Japão e França pela Blue Thumb Records.

Nesta época o Donato já havia acumulado experiências que naturalizaram a fusão de estilos em sua obra. Do conhecimento enquanto multi-instrumentista (acordeão, piano, bandolim, trombone), passando pela herança da bossa nova, a influência do jazz americano, a interferência da música latina, do piano cubano e, neste disco, da música funk e do rock psicodélico contemporâneo, tanto em som, quanto em experiência lisérgicas com LSD.

Gravado em Los Angeles, sua sonoridade não deve para nenhum álbum americano e europeu do período. É robusto, cristalino e brilhantemente arranjado e executado. Também pudera, os arranjos ficaram a cargo do Eumir Deodato e os instrumentistas atendem pelo nome de Bud Shank, Oscar Castro-Neves, Dom Um Romão, Paulinho Magalhães, Joe Porcaro, além da orquestra do Stan Kenton.

O mitológico e constantemente revistado tema de "The Frog (A Rã)" abre o disco em sua versão mais contagiante. É dançante, frenética e colorida. Uma melodia simples e irresistível sustentada por uma caixa de bateria à la escola de samba, uma linha de baixo consistente e piano elétrico com wah-wah. 

O órgão de "Celestial Showers" somado aos metais conseguiu a proeza de traduzir o clima ameno do entardecer da bossa nova para o mercado americano sem soar cafona. Muito pelo contrário, a faixa tem um fervor entusiasmante.

O funk e a música brasileira nordestina se encontram em "Bambu". É facilmente reconhecível o estilo do acordeão transportado para o órgão. É o típica "brasilidade" grooveada que os gringos piram e fazem deste disco um cult a ser explorado (e inflacionado) por DJs e colecionadores.

Em "Lunar Tune" os graves do trombone, o violão de nylon, a guitarra, teclados e metais dialogam num perfeito transe enquanto baixo e bateria produzem repetitivamente uma levada em 6/4. Para mim soa como o que seria o krautrock se o gênero fosse brasileiro.

Há grande lirismo e sofisticação na feição de "Cade Jodel", explicitado por seu ritmo, progressão harmônica e melodia. Isso sem mencionar o arranjo e a execução, claro.

O groove rola solto no "blues-soul" "Debutante's Ball", dona de baixo vigoroso e brasilidade natural. O som de bateria, baixo e dos teclados em "Straght Jacket" é de jogar o ouvinte pra trás. É incrível pensar na pesquisa com novos instrumentos que o João Donato fez neste período. Dos remanescentes da bossa nova, foi talvez o artistas que mais ousou neste sentido.

Fico imaginando "Mosquito" sendo executada por esse timaço em algum festival americano ou europeu do período. Ia fazer os hippies fritarem e deixarem os músicos do Sly & The Family Stone e Santana assustados. Vale dizer que essa levada no teclado tem muito da música cubana.

As acentuações rítmicas em "Almas Irmãs" são coisa de doido. Complexo sem perder o groove dançante. Por sua vez, "Malandro" é mais um momento de eletrificação lisérgica/funky da bossa nova. Espetacular.

Após esse disco, João Donato colecionaria outros momentos de prestigio e ostracismo digno de um artista que nunca perdeu a excelência. A Bad Donato continua sendo uma convidativa porta de entrada a este mundo.

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