terça-feira, 29 de maio de 2018

TEM QUE OUVIR: Sparks - Kimono My House (1974)

O rock é um estilo estereotipado. Embora diferentes facetas englobem o gênero, existe uma sonoridade no imaginativo de quem aprecia a vertente. Extrapolando tais limites estéticos, o Sparks revelou-se um dos grupos mais criativos do rock setentista. Não por acaso sua música é comumente rotulada de art rock.


Kimono My House (1974) é o terceiro trabalho da banda formada pelos irmãos Russell (voz) e Ron Mael (teclados e um dos bigodes mais legais do rock). É também o auge criativo e comercial do grupo.

Logo na espetacular "This Town Ain't Big Enouth For Both Of Us" já é possível encontrar algumas das principais características do Sparks: falsetes operísticos, timbres bizarros, arranjos nada convencionais, ritmos estranhamente dançantes e um certo humor nonsense. Sonoplastia tipica de filmes western também faz parte desta faixa.

A leveza pop de "Amateur Hour" coloca o grupo dentro da cena glam. É uma das faixas mais descontraídas do período, ainda que de sofisticação estilística.

A sonoridade grandiosa e a interpretação teatral em "Falling In Love With Myself Again" demonstra a força dos outros integrantes da banda. "Here In Heaven" é um equilibrio poderoso de sensibilidade melódica com peso instrumental, com destaque para a performance do guitarrista Adrian Fisher.

O lado B é recheado de outras grandes canções, vide a futurista "Hasta Manana Monsieur", a quase infantil "Talent Is An Asset", a divertida "Complaints", a proto-new wave "In My Family" e a opereta "Equator".

Por mais peculiar que seja o som do Sparks - e provavelmente justamente por isso -, eles serviram de inspiração para inúmeras outras bandas. É possível reconhecer isso no Devo, Depeche Mode, The Smiths, Faith No More, Ween, Franz Ferdinand e Justice.

Passeando pelo Drumeo

Entre tantos canais de música bacanas no YouTube, um dos meus prediletos é Drumeo. Dificilmente visito o canal, mas quando entro sou capaz de perder horas apenas vendo performances de grandes bateristas. Vou deixar aqui uma pequena amostra para vocês.

Todd Sucherman
Eu até concordo que Styx é cafona, mas se liguem nessa performance do Todd Sucherman. Não é comum encontrar no rock um baterista com tanta precisão quanto ele.

Billy Cobham
Meu baterista predileto. É interessante perceber que, conforme ele foi envelhecendo, seu estilo ficou mais "relaxado" (no bom sentido). Ele demonstra cuidado a cada nota tocada.

Bernard "Pretty" Purdie
Bernard, a lenda. Não existe baterista mais carismático. Ele não grooveia, ele dança.

Antonio Sanchez
Tem quem considere o maior baterista da atualidade. Vendo este vídeo é difícil se colocar contra.

Mark Guiliana
Só esse solo da introdução já mostra que ele é um cara diferenciado. Ele está na vanguarda da bateria. Poucos exploram a dinâmica do instrumento e os hamônicos de cada tambor quanto ele.

Gavin Harrison
Se o cara foi chamado para tocar no King Crimson, é claro que ele manda bem. Gosto de como ele é virtuoso sem soar espalhafatoso. Cada nota está no lugar certo.

Dennis Chambers
Uma aula de groove através de uma lenda.

Matt Garstka
O mais alto patamar do djent na bateria.

Benny Greb
É jazz, é quebrado e é grooveado.

Tony Royster jr.
O pivete cresceu. E que baita timbre de batera ele tá tirando, hein.

Thomas Lang
Uma amostra de virtuosismo executado com uma facilidade absurda.

Billy Rymer
O ótimo baterista do Dillinger Escape Plan numa pequena amostra da riqueza rítmica que envolve o som absurdamente pesado e intenso do grupo.

Pete Lockett
Para quem se interessa por ritmos complexos oriundos da música indiana, é fundamental conhecer o trabalho deste baterista.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Mummies, Alien Sex Fiend, Johnny Alf, Soulwax e Robert Gordon

THE MUMMIES
Folegarem rock n' roll ultra divertida. Os discos são ótimos, mas mais legal é procurar registros ao vivo em vídeo. É cada performance.

ALIEN SEX FIEND
Adoro essa faceta mais pesada do gótico, então fui atrás dessa banda que se intitulava fazer deathrock. O disco Acid Bath (1984) é bacana.

JOHNNY ALF
Acorde, faça um café e ouça Johnny Alf. Sem afetação, apenas siga a recomendação. Seu dia será melhor. No meu caso fui de Diagonal (1964). Que classe, que balanço.

SOULWAX
Já tinha lido algo sobre o grupo fazer uma fusão de rock com música eletrônica, algo comum na virada do milênio. Todavia, fiquei impressionado como o disco Much Against Everyone's Advice (1998) soa orgânico. Ótimos composições, arranjos e produção. Espetacular.

ROBERT GORDON
Está certo que o Robert Gordon é um cara bacana, mas o que importa mesmo são as guitarras do Link Wray. Fresh Fish Special (1978) é discão.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

TEM QUE OUVIR: Descendents - Milo Goes To College (1982)

Antes mesmo de ouvir o álbum Milo Goes To College (1982) do Descendents, eu já via sua capa estampada em camisetas de amigos. Todo um cenário que para mim até então representava a juventude noventista, ao ouvir esse disco foi por água abaixo. O pop punk nada mais que a apropriação da sonoridade iniciada aqui.


Basicamente o que Buzzcocks representa para o punk rock, o Descendents representa para o hardcore. O grupo não é tão engajado quanto seus contemporâneos, mas traduz em seu som um anseio jovem por liberdade. Além do mais, a energia presente na execução das faixas renova a adrenalina de qualquer ouvinte.

A cozinha formada por Bill Stevenson (bateria) e Tony Lombardo (baixo) é espetacular. O primeiro espanca sua bateria trazendo levadas de tons e caixa, enquanto o segundo está sempre procurando um espaço para melodias através de seu instrumento. Isso fica evidente na divertida "Myage", canção que abre o disco.

Faixas curtinhas como "I Wanna Be A Bear", "Tony Age" e "M-16" evidenciam o fato do grupo não obedecer estruturas ao compor. Já "Catalina" é de aprimoramento embasbacante para uma banda iniciante vinda de um gênero tido como tosco.

Embora a intensidade em faixas como "I'm Not A Punk", "Suburban Home" e "Bikeage" seja imensa, é interessante notar como tudo soa com grande clareza, o que deixa clara a competência técnica da banda.

A auto afirmativa "I'm Not A Loser" e a rebelde "Parents", embora inocentes, explicam um pouco o porque tantos jovens terem se identificado com a banda.

O grupo conseguiu formar toda uma identidade musical e estética, sendo até hoje cultuado entre uma geração que formou-se através deste disco. Tudo isso num álbum que ao todo não passa dos 23 minutos.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Os discos mais bem produzidos segundo eu mesmo

O Júlio Victor do canal Tá Na Capa fez um vídeo citando 5 discos que para ele tem as melhores produções. Roubei a ideia e fiz a minha lista. Compulsivo que sou, fui listando sem estabelecer um número. Nem pensei muito, fui anotando os primeiros álbuns que vieram a mente.

Nenhum que citarei é obscuro. Muitos são clássicos. Todavia, embora possivelmente você já tenha escutado todos, acho que vale a pena dar uma reouvida atentando-se a produção.

Lembrando que produção não se restringe a questões técnicas (captação, mixagem, masterização), mas também a escolha de repertório, elaboração de arranjos, direção na gravação e até mesmo na criação de um conceito enquanto obra.

Exatamente por englobar tantos fatores, citarei nos respectivos discos o que mais me chama a atenção, embora as produções como um todo sejam majestosas.

Outras centenas de álbuns mereceriam menção. Inclusive, a maioria dos presentes no "Tem Que Ouvir" deste blog tem grandes produções. Todavia, pessoalmente são esses os meus escolhidos. Deixem nos comentários a lista de vocês.

Joe Meek - I Hear A New World (1960)
O nome do disco já diz tudo. Esse álbum soa como se o Joe Meek pegasse os overdubs e a manipulação de fitas do Les Paul, o "wall of sound" do Phil Spector (antes do próprio) e os experimentos de música eletrônica de vanguarda e colocasse tudo num disco "pop". Nada soa igual. Lembrando que o Joe Meek foi um dos nomes mais importantes para o desenvolvimento da engenharia de áudio.

John Coltrane - A Love Supreme (1965)
Após uma imersão espiritual do John Coltrane que o levou o a arranjar meticulosamente todas as músicas do disco (algo raro no jazz, estilo que prima por improvisos), restou ao lendário Rudy Van Gelder a tarefa de captar com maestria a atmosfera do estúdio. Se A Love Supreme sobrevive a mais de meio século como o principal registro de um dos melhores instrumentistas da história, muito disso se deve a clareza da gravação.

The Jimi Hendrix Experience - Electric Ladyland (1970)
Gosto sempre de reforçar que o Jimi Hendrix era não "só" um excepcional guitarrista/compositor/cantor, mas também um magnifico produtor. É clichê dizer isso, mas a verdade é que ele usava o estúdio como instrumento, sendo aqui o lendário Recorď Plant um dos laboratórios. Electric Ladyland é o seu auge. Menção para o mitológico engenheiro de áudio Eddie Kramer.

Black Sabbath - Black Sabbath (1970)
Embora seja indiscutivelmente um clássico, sendo até mesmo apontado como o álbum que deu a luz ao heavy metal, Black Sabbath é comumente diminuído, possivelmente devido a força dos trabalhos posteriores da banda. Todavia, adoro a rusticidade tanto da captação quanto da performance. Tudo soa extremamente orgânico. É possível encontrar deslizes na execução, mas isso só colabora para traduzir a força interpretativa daqueles quatro jovens da zona industrial da Inglaterra. Em tempos onde o heavy metal tornou-se tão meticuloso, voltar as origens do estilo e perceber a espontaneidade do gênero se faz necessário.

Marvin Gaye - What's Going On (1971)
Como se não bastasse ter o Marvin Gaye no auge da sua performance vocal e compondo como nunca antes (nem depois) na história da soul music, os músicos de apoio da Motown dão um show à parte. Orquestrações, bateria, baixo (do icônico James Jamerson), guitarras, metais, congas, dezenas de vozes... tudo dialogando fluidamente em arranjos majestosos. O desenvolver do disco através de cada faixa é de excelência poucas vezes vista. Lindo.

Deep Purple - Machine Head (1972)
Seleção de repertório que mais parece uma coletânea de classic rock. Interação dos músicos espetacular. Captação crua e cristalina do Martin Birch. Não tem erro. Espetacular!

Pink Floyd - The Dark Side Of The Moon (1973)
Talvez o disco da minha vida. O conceito, a capa, as letras, as melodias, os arranjos, as performances, os timbres, a mixagem... é perfeito. Tudo isso justifica o porquê de não só o Pink Floyd ter se tornado um grupo lendário, mas também o produtor Alan Parsons.

Led Zeppelin - Houses Of The Holy (1973)
Ignore o quão clássica/maravilhosa/influente é a banda. Apenas atente-se para a música que abre o discom "The Song Remains The Same". As camadas de guitarra, a profundidade da bateria, o timbre enorme de baixo... é demais! Grande parte da admiração mística que tenho pelo Jimmy Page se deve as suas produções.

Rita Lee - Fruto Proibido (1975)
Muita gente não gosta, mas eu adoro o som dos discos setentistas brasileiros. É verdade que por ser o período de maior desenvolvimento da música popular, isso ajuda no resultado da produção de um disco como um todo. Mas aqui não me refiro a composição, mas sim exclusivamente aos timbres toscos daquelas baterias que soam como se fossem de papelão. Sou fã dessa sonoridade. Com repertório e músicos maravilhosos, além do acabamento do Andy Mills, Fruto Proibido é um destaque do período.

The Congos - Heart Of The Congos (1977)
Gravado pelo lendário Lee "Scratch" Perry no mitológico Black Ark Studios, Heart Of The Congos é uma amostra genuína de toda a sensibilidade, crueza e exuberância do reggae jamaicano. As dezenas de overdubs e efeitos paranoicos do Lee Perry são de criatividade absurda. O disco parece permanecer a um espaço/tempo exclusivo dele. Tudo soa muito atmosférico, vagaroso e "esfumaçado". Uma maravilha alcançada com tecnologia arcaica. 

David Bowie - "Heroes" (1977)
O talvez mais bem acabado disco da cultuada trilogia de berlim do David Bowie (embora eu também ame o Low). A junção de forças do Bowie com o Brian Eno, Tony Visconti, Robert Fripp e outros músicos espetaculares, deu a luz a uma das sonoridades mais sui generis da música. É cósmico, frio, expressionista, fúnebre, encantador... na realidade nem tenho palavras para descrever o quão transformadora foi a apropriação do krautrock feita pelo Bowie para a história da música.

The Clash - London Calling (1979)
Um clássicos indiscutível, mas que nem sempre é lembrado por sua produção. Se o disco representa o amadurecimento do punk rock, muito disso se deve ao cuidado com os arranjos, a seleção de repertório e a variedade timbristica do disco. Polido, mas sem descaracterizar a essência da banda.

Michael Jackson - Off The Wall (1979)
Michael Jackson no seu auge enquanto interprete. Composições clássicas de nomes como Paul McCartney, Stevie Wonder e Rod Temperton (e do próprio Michael, claro). Produção/arranjos do Quincy Jones. Alguns dos melhores músicos de estúdio de todos os tempos (George Duke, Louis Johnson, Steve Porcaro, John Robinson, Larry Carlton...). É chover no molhado falar deste disco. Apenas dê atenção a como a mixagem soa limpa diante de arranjos complexos com dezenas de instrumentos tocando ao mesmo tempo.

The Cult - Electric (1987)
Aqui eu poderia ter colocado o Back In Black, mas considero Electric o aperfeiçoamento da proposta iniciada com o AC/DC. Obviamente não estou aqui comparando as composições (Back In Black é de excelência, inventividade, alcance e qualidade muito superior), mas sim a força da execução e a captação/mix/master do disco. Quando o assunto é produção de rock n' roll, é desse disco que me lembro. Anos depois o AC/DC chamou o Rick Rubin para trabalhar com eles. Aposto que era essa sonoridade que eles tinham em mente.

My Bloody Valentine - Loveless (1991)
Tudo soa tão enorme e impressionantemente gracioso que eu fico até confuso. Paredes de guitarras formando uma nuvem sônica. Ainda hoje é copiado, mas nunca chegam perto. Só não precisava a banda estourar o orçamento da gravadora Creation, né? Tudo em nome da perfeição do shoegaze.

Metallica - Metallica (1991)
É carne de vaca, mas o que posso fazer se toda vez que entra a bateria de "Enter Sandman" ou a guitarra de "Sad But True" eu penso "vish maria!". Ok, não sou dos maiores fãs do repertório do disco, mas esse trabalho definiu um novo padrão de qualidade no que se refere a mixagem e masterização (ao menos no rock/metal). Argumentar contra é perda de tempo. Mérito não só do Bob Rock, mas também dos engenheiros Randy Staub e George Marino.

Pantera - Far Beyond Driven (1993)
Quase tudo que eu disse para o Metallica também vale aqui. A diferença é que adoro todas as composições e que a banda toca muito melhor, extraindo timbres e performances demolidoras. O grande nome na produção neste caso é o Terry Date.

Nirvana - In Utero (1993)
Sou fã do Steve Albini. O modo com que ele encara a massa sonora que as bandas produzem, sempre me encantou. Ele não parece podar o som. Os artistas reverberam em intensidade e crueza em suas mãos. Sua produção é anti-polimento, é a pura entranhas dos artistas. In Utero é uma das melhores amostras disso (uma ótima banda e um excelente compositor ajudam).

Soundgarden - Superunknown (1994)
Já vi muita gente dizendo que meados da década de 1990 foi o auge da produção analógica, que começava a ser substituída (ou misturada) por equipamentos digitais. Tendo a concordar. Pegue como exemplo o Superunknown. Acho sua sonoridade uma evolução do Led Zeppelin (que já era fantástico, tanto que citei nessa lista). Atente-se, não me refiro a qualidade das composições nem da importância histórica, me refiro a captação, timbres, largura, volume, peso, cristalinidade. No que se refere a produção de rock, acho difícil superar o que foi alcançado aqui. Vale dizer que a mixagem é do Brendan O'Brien e a masterização do Dave Collins.

Nine Inch Nails - The Downward Spiral (1994)
Adoro o peso claustrofóbico produzido por grupos como o Ministry. Nessa onda de rock industrial, The Downward Spiral pode ser facilmente apontado como o ápice criativo. Tudo soa intenso, corrosivo, pesado e bem construído. Fora que a fluidez na ordem das faixas, o que é fundamental para o êxito da experiência auditiva. O Trent Reznor está no auge enquanto compositor e interprete. A mão pesada do Flood também não pode ser ignorada.

Björk - Post (1995)
Se a competência da Björk enquanto cantora e compositora está acima de qualquer suspeita, vale reforçar o magnitude da produção de seus discos. Tudo soa muito bem, sendo a extensão da sua mente. A produção é intrínseca ao seu processo criativo. Adoro muitos de seus discos, mas tenho afeto pelo Post. A ficha técnica nomeando produção do Tricky, programações do Howie B, arranjo de cordas do Eumir Deodato e mixagem do Spike Stent só atesta minha predileção.

Raimundos - Raimundos (1994)
Não existem muitos discos no rock brasileiro melhores que o primeiro do Raimundos. E não se trata aqui de procurar/citar melhores - que, claro, existem -, mas de reconhecer a urgência da gravação e o peso dos instrumentos. Trata-se de valorizar a criativa fusão de hardcore com forró, a sagacidade das letras e a fuleragem da banda como um todo, justamente numa época em que o rock nacional estava tão em baixa e que a indústria exigia cada vez mais polidez e pasteurização sonora. Esse disco é para mim o exemplo máximo de produção de rock no Brasil. É o resultado genuíno de um produtor que entendeu a essência de uma banda, soube capta-la sem recorrer a invencionismo e a lançou pelo seu próprio selo. É o estilo de produção que eu acredito. Méritos do Carlos Eduardo Miranda.

The Flaming Lips - The Soft Bulletin (1999)
Eu deixei de fora o Pet Sounds do Beastie Boys propositadamente por achar que sua produção é "superestimada". Mas não no sentido de ser ruim, mas por entender que o álbum tem diversas outra qualidades que são atenuadas ao destacar sua produção. Dito isso, existem uma infinidade de discos influenciados pela sonoridade do Pet Sounds que eu adoro. O maior exemplo é o magnifico The Soft Bulletin. Vale dizer que, embora ele remeta a um estilo de produção já consagrado, ele não é pastiche, sendo na verdade uma atualização de uma estética do passado. Quem assina a produção é o talentosíssimo Dave Fridmann.

Radiohead - Kid A (2000)
O tal disco experimental/eletrônico do Radiohead. Representa muito bem a virada do milênio. Por mais sofisticado e esquisitão que seja, considero que foi a produção que ajudou no êxito comercial do disco, sendo que aqui a produção se mistura com as composições em si, dada a importância dos timbres para construir as texturas riquíssimas do disco. Por mais incrível que a banda seja, o Nigel Godrich merece importante menção. 

The White Stripes - Elephant (2003)
Por mais talentoso que o Jack White seja enquanto instrumentista e compositor, o que assegurou o êxito do seu trabalho foi a sua produção não soar pastiche. O fato dele ter conseguido atualizar e trazer uma veia pop contemporânea ao blues do começo do século passado, é de uma sabedoria e competência tremenda.

Burial - Untrue (2007)
Parti para essa lista já pensando que tinha que ter um álbum de música eletrônica. Dois segundos depois já havia escolhido o Untrue. Adoro as composições, o desenvolvimento das faixas, os timbres, a atmosfera, como ele passeia tanto pela música ambient quanto pelo uk garage, trip hop e dubstep. É um disco profundo, muito disso devido a produção. Imersivo.

Deftones - Diamond Eyes (2010)
Um clássico aqui em casa. Adoro as produções do Nick Raskulinecz, sendo atualmente a minha principal referência de produção no rock. Tudo dele soa denso e estranhamente emocionante, embora coberto por um peso absurdo. Com o Deftones essa qualidade chegou a um ponto embasbacante.

Death Grips - Bottomless Pit (2016)
Abstrato, problemático, denso, experimental, esquizofrênico e tudo mais que possa ser usado para descrever algo insano. A banda como um todo é sensacional e parece trabalhar pensando "somente" no resultado da produção. Da composição a execução, passando pela pós-produção, tudo é uma nova oportunidade para elevar a saturação caótica de suas músicas. Uma forma de construção artística musical de grande qualidade estética.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Minha seleção de "músicas gostosinhas"

Não sei se é só comigo, mas um termo tornou-se recorrente em conversas com amigos.

Em situações do dia-a-dia, com pessoas comuns - não seres que escutam Death Grips para dormir - sempre que surge uma música bem melosa e de qualidade questionável, ressalvo brevemente a chatice/pobreza da canção. Como resposta recebo um "mas a música é tão gostosinha".

Tal afirmação tem alimentado uma repulsa pessoal por qualquer música que possa ser considerada "gostosinha". Todavia, isso nada tem me ajudado a superar os traumas gerados por tais canções. Sendo assim, parto para uma nova abordagem: apresentar composições mais "arrojadas" neste território musical.

Não há o que defina as tais "músicas gostosinhas", mas entre características é bem possível encontrar letras bobinhas, performances delicadas e melodias tão contida quanto atraentes.

E como diferenciar quando a música é boa ou não? Aí depende de conseguir reconhecer valores subjetivos atrelados a qualidade composicional. Claro, exatamente por ser subjetivo, é no mínimo bobagem bater o martelo na sentença de uma obra artística. E é justamente por isso faço deste post uma seleção PESSOAL de "músicas gostosinhas".

Obs 1: Achou toda essa conversa uma bobagem? Tudo bem, ao menos as músicas abaixo são sensacionais. Faça bom proveito.

Obs 2: Mais para frente faço um post só com "músicas felizes", mais um "gênero" deturpado por meus amigos.

Chet Baker - My Deal
Não basta a interpretação contida e majestosa do Chet Baker, tem também o instrumento mais "gostosinho" da história: a celesta.

Velvet Underground - Who Loves The Sun
Uma amostra de que a "fase canções" do Velvet Underground é tão boa quanto as doideras iniciais da banda.

Pink Floyd - If
Tão delicada, tão simples e tão gostosinha que chega a cortar o coração.

Neil Young - Only Love Can Break Your Heart
Balada simples num 3/4 que dá até para cantar numa ciranda com os eleitores do PSOL.

Otis Redding - (Sittin' On) The Dock Of The Bay
Um dos maiores cantores de todos os tempos assobiando uma melodia despretensiosa. Impossível ser melhor que isso.

Bob Marley - Is This Love
O clima vagaroso de uma das faixas mais tocadas da história e que, ainda assim, preserva uma doçura arrebatadora.

Belle And Sebastian - She's Losing It
Praticamente sinônimo de "música gostosinha" no indie rock. Acompanha chá e bolinhos. Ofensivo de tão inofensivo.

Courtney Barnett & Kurt Ville - Over Everything
O indie rock atual numa amostra perfeita de suavidade sem ser besta.

Gilberto Gil e Caetano Veloso - Esotérico
Ver esses dois cantando "Esotérico" é de uma graciosidade gritante. Linda composição.

Rita Lee - Tempo Nublado
Adoro a guitarra do Lanny Gordin dialogando com a voz afrodisíaca da Rita, a linha grooveada de baixo, os teclado jovenguardianos, o clima psicodélico... uma gostosura de canção.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Blind Willie Johnson, Built To Spill e Isaac Stern

BLIND WILLIE JOHNSON
Um daqueles bluesman que a gente (ou sou só eu?) burramente não dá a devida atenção. Que voz! Tudo que o Tom Waits queria atingir enquanto performance vocal está aqui.

BUILT TO SPILL
Vão tocar no Brasil, ouvi elogios, mas confesso que nada conheço. Peguei o cultuado disco Perfect From Now On (1997) para ouvir e achei ótimo. É um indie rock cheio de dinâmica e climas, isso sem recorrer a nenhuma instrumentação absurda. Ótimo trabalho de guitarras.

ISAAC STERN
Durante toda essa semana, antes de dormir ouvia algo do violinista Isaac Stern. Sua interpretação ao lado do pianista Alexander Zakin para composições do César Franck é impressionante.

terça-feira, 15 de maio de 2018

TEM QUE OUVIR: Eric B. & Rakim - Paid In Full (1987)

Em tempos onde fala-se tanto sobre flow, o clássico Paid In Full (1987) do Eric B. & Rakim deve ser revisitado como fonte de inspiração


É verdade que grandes discos de hip hop já haviam sido lançados até então. Todavia, é facilmente perceptível o grau de amadurecimento lírico e rítmico do Rakim ao cantar. Seu flow faz parte do desenvolvimento do rap. Não digo isso apenas como forma de enaltecer a história do hip hop, mas como apreciação de um brilhante MC ainda para os padrões atuais.

Após samplear os metais da J.B.'s, Rakim surge com o pé na porta da grooveada "I Ain't No Joke". A épica "My Melody" é perfeito exemplo de lirismo e da profundidade de sua interpretação. Fora que seus delays dão um clima quase dub.

Eric B. também demonstra inquietação na pesada "Eric B. Is On The Cut", com direito a scratches violentos, que fazem sua música até mesmo se aproximar da cena industrial do Throbbing Gristle, tamanho o impacto rudimentar de suas produções.

Impossível passar indiferente diante do balanço contagiante de "I Know You Got Soul" e "Paid In Full". Muito do que foi feito no rap noventista tem suas raízes na malandragem de "Move The Crowd".

O som de baixo em "As The Rhyme Goes On" é estrondoso. Vale também se atentar para a produção de "Eric B. Is President", com direito a efeitos vocais, samples primorosos, beat consistente e variação timbristica.

Flow criativo e produções pesadas, mas sem invencionismo besta, além de composições bem amarradas. Tudo isso em apenas de 10 faixas. O mundo do rap atual, por melhor que seja, ainda tem muito o que aprender com Paid In Full.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

TEM QUE OUVIR: Earth - Earth 2: Special Low-Frequency Version (1993)

No começo da década de 1990, a música pesada já havia se desenvolvido o suficiente para subdividir-se em inúmeros gêneros. E todos nós sabemos que, com a evolução, surge a vanguarda, produzindo obras nem tão palatáveis ou comerciais, embora de grande relevância estética. É assim que podemos encarar o álbum Earth 2, lançado pela Sub Pop em 1993.


De capa graciosamente solene, com referência nas artes de álbuns de new age e ambient, sonoramente o disco revela proximidade com a cena sludge, stoner, doom e, até mesmo, grunge. Embora ainda bastante primitivo, é um dos álbuns fundamentais para o que ficou conhecido como drone metal, estilo marcado por sons continuos, graves, distorcidos e reverberosos. Tudo no limite nos amplificadores.

O que encontramos são camadas e mais camadas de guitarras e baixos cavernosos, atmosféricos, fúnebres, densos, lentos, inquebráveis, dentre tantas outras propriedades que tentam traduzir a massa sonora de difícil penetração criada pelo Earth, grupo americano liderado pelo Dylan Carlson.

Ao ouvir as longas três faixas que juntas formam os intensos 73 minutos do disco, sempre chego a conclusão que o melhor nome para a banda seria Center Of The Earth, tamanha a obscuridade produzida pelo grupo.

Sua audição, inicialmente estranha, é comparável a uma viagem de barco em alto-mar, que provoca desconforto devido seus movimentos, embora seja bela em sua paisagem.

É comum as paredes vibrarem com as frequências graves do álbum. Poucos discos conseguem fisicamente interferir no seu ambiente de reprodução quanto esse. Essa qualidade desperta no ouvinte diferentes sentidos, queira ele ou não. Angústia? Relaxamento? Tudo é possível.

Embora bastante experimental e inovador no resultado, não é absurdo descrever o Earth como se fosse o Tony Iommi emulando o disco Music For Airports do Brian Eno. Por mais estranho, repetitivo, minimalista, terroso e rudimentar, o álbum é de grande complexidade formal e estética.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

ACHADOS DA SEMANA: Bobbie Gentry, Gérard Grisey, Mike Marshall & Hamilton de Holanda e Metal Church

BOBBIE GENTRY
Ao que consta, "Ode To Billy Joe" é um clássico sessentista. Confesso que só agora escutei. Ótima faixa, mas destaco o disco de 1967 como um todo. Importante cantora-compositora da country music.

GÉRARD GRISEY
Eu estava pesquisando alguns trabalhos do Grisey, um dos mais relevantes compositores de música contemporânea, bastante conhecido por seu trabalho de música espectral. "Partiels" é uma daquelas obras que não dá para passar indiferente.

MIKE MARSHALL & HAMILTON DE HOLANDA
Dois virtuoses do bandolim. Um do instrumento mais usado no bluegrass, o outro no choro. Ambos de excelência técnica e interpretativa exuberante. New Worlds (2006) é um tremendo disco.

METAL CHURCH
Primeirão do Metal Church, lançado em 1984. Uma entre tanta pérola do heavy metal oitentista que nunca tinha escutado. É um bom exemplo de speed metal. Gostei bastante do instrumental. Tem riffs espetaculares e o baterista é excelente. Já o vocalista é apenas aceitável. Vale ressaltar que esse disco é uma das primeiras produções do Terry Date.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

A antologia "correta" dos anos 80 pelo rock

Dentre as figuras mais interessantes do pop nacional está o Lobão. Ele é um compositor talentoso, teve passagem meteórica pelas bandas Vimana e Blitz, tocou em discos do Walter Franco e Marina Lima, é dono de bons momentos solo e comprou brigas com meio mundo (artistas, platéia, mídia e gravadoras). Goste ou não, é uma figura inquietante. Tão inquietante que as vezes se perde no próprio personagem.

Sua visão politica retrógrada e infantil - ainda que com pose de intelectual - é tão falha que, sobre o trágico desabamento do prédio no centro de São Paulo essa semana, conhecidamente ocupado por moradores sem teto, ele de maneira simplista disse: "é o desmascaramento dessa milícia que fica invadindo prédios". Para ele, o não acesso a moradia é "vitimismo, paumolecencia e cafonice"

Foi então que tive contanto com seu mais recente trabalho - Antologia Politicamente Incorreta Dos Anos 80 Pelo Rock - e entendi o seu problema. Ouso dizer que o Lobão perdeu a capacidade de ser criterioso. O disco é de uma ruindade absoluta. Escolha de repertório careta, mal tocado, interpretação vocal risível - uma dúvida sem ironia, o Lobão cantou alcoolizado, medicado ou doente? -, a produção é um marasmo... tudo errado! Eis um já clássico do mal gosto:


Ouvindo o disco eu lembrei do Ed Motta, um cara que não economiza palavras e toma lados, mas que ao contrário do Lobão, é de uma competência sonora impressionante. Aí dá até para levar a sério qualquer absurdo que o Ed ouse dizer. Mas produzindo o que o Lobão tem apresentado, dá até uma certa tristeza. Ele tornou-se uma figura decadente. E não digo isso em tom de ofensa, mas de constatação.

Como uma das criticas que levantei ao novo trabalho do Lobão foi o repertório, refutarei postando aqui músicas dentro do tal BRock oitentista que seriam escolhas muito mais criativas e interessantes do que "Vítima do Amor", "Primeiros Erros", "Louras Geladas" e "Somos Quem Podemos Ser". Não sei se elas se encaixariam na voz dele, mas como as escolhidas por ele não também não se encaixaram, tal questão é inválida.


- Patrulha do Espaço: Festa de Rock
Rock nacional oitentista, mas ainda com o cheiro setentista. Banda extremamente importante e competente, embora nem sempre lembrada. Seria uma boa faixa para abrir o disco.

- Rita Lee: Nem Luxo, Nem Lixo
Rita inaugurou o pop rock oitentista com uma classe que posteriormente ninguém foi capaz de reproduzir. Ótima composição, arranjo e execução. Pop, radiofônico e muito bem feito.

- Guilherme Arantes: Estranho
Entre o pop brasileiro, Elton John e o rock progressivo. Subestimado compositor e interprete.

- Lulu Santos: Um Certo Alguém
O legitimo artesão do pop rock oitentista brasileiro em uma de suas melhores canções.

- Arrigo Barnabé: Sabor de Veneno
Ousado, alternativo, complexo e irreverente. O Arrigo e toda a vanguarda paulista é um capitulo de destaque no rock brasileiro, embora muitas vezes ignorado.

- Robertinho de Recife: Fogo
Um dos instrumentistas mais talentosos do pop nacional em sua fase metal, inaugurando o estilo no Brasil. Um clássico de ingenuidade divertidíssima. 

- Ratos de Porão: Amazônia Nunca Mais
Uma das melhores banda de hardcore não só do Brasil, mas do mundo.

- Cólera: Medo
Redson, uma das grandes mentes do punk rock nacional, em um clássico do estilo.

- Inocentes: Pátria Amada
Falar de punk brasileiro e não citar o Inocentes seria um erro grosseiro. Espetacular faixa.

- Garotos Podres: Vou Fazer Cocô
Uma pérola cheia de humor que nem o Lobão conseguiria arruinar. Ou conseguiria? 

- Plebe Rude: Minha Renda
Com um repertório tão bacana, o Lobão tinha mesmo que recorrer a óbvia "Até Quando Esperar"?

- Camisa de Vênus: Correndo Sem Parar
Com um repertório tão bacana, o Lobão tinha mesmo que recorrer a óbvia "Eu Não Matei Joana D'arc"?

- Titãs: Igreja
A eterna birra ao tentarem deslegitimar os Titãs na história do rock nacional. Começou com a BIZZ, mas agora domina grande parte da cultura nacional. Tá certo que a banda só vem errando há umas duas décadas, mas eles tiveram bons momentos.

- Barão Vermelho: Declare Guerra
Barão, sem Cazuza, é o auge do rock n' roll brasileiro. 

- Ira!: Rubro Zorro
Um clássico da cena alternativa paulistana.

- Patife Band: Poema Em Linha Reta
A Patife Band gravou aquele que é para mim o melhor (não o maior ou mais importante, mas o melhor) disco do rock nacional oitentista. Simples assim.

- Golpe de Estado: Não É Hora
Zero de influência brasileira. É o legitimo hard rock tocado por músicos muito acima da média.

- André Christovam: Genuíno Pedaço do Cristo
Um guitarrista espetacular em sua brilhante fusão de blues com sotaque brasileiro. É fino.

- Sarcófago: Satanic Lust
Influenciou meio mundo no metal escandinavo. Mas o Lobão só tem olhos para o Engenheiros do Hawaii.

- Sepultura: Inner Self
Um clássico que revelou a banda para o mundo.

- Fellini: Rock Europeu
Porque a Legião Urbana não é a melhor representante do pós-punk nacional. 

- Picassos Falsos: Bolero
Um dos grupos mais interessantes e subvalorizados do rock nacional. [1]

- DeFalla: Não Me Mande Flores
Um dos grupos mais interessantes e subvalorizados do rock nacional. [2]

- Violeta de Outono: Dia Eterno
Um dos grupos mais interessantes e subvalorizados do rock nacional. [3]

ACHADOS DA SEMANA: Alan Hovhaness, Elomar, Mulatu Astatke e Gonzaguinha

ALAN HOVHANESS
Confesso que até então nunca havia imaginado o cruzamento de baleias com orquestra (???). Pois é.

ELOMAR
Um ótimo compositor/interprete da música genuinamente brasileira (ao menos na visão do Tinhorão). Sempre com muito lirismo e passagens de viola inspiradíssimas. ...Das Barrancas do Rio Gavião (1973) é bem bonito.

MULATU ASTATKE
O mestre do jazz etíope em sua constante incursão melódica pela música árabe. Incrivelmente tem um balanço de salsa. O álbum Mulatu Of Ethiopia (1972) é um espetáculo.

GONZAGUINHA
Cresci num mundo em que não é "aceitável" gostar do Gonzaguinha (misto de ignorância e preconceito). E no geral, nem faz minha cabeça mesmo. Mas "Piada Infeliz" é muito boa. Na real, todo aquele disco de 1974, ainda assinado como Luiz Gonzaga Jr., é ótimo. Tem maravilhosos arranjos.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

TEM QUE OUVIR: Nina Simone - In Concert (1964)

Considerando todos os infortúnios da vida de Nina Simone - negra, mulher e pobre, numa América extremamente racista, machista e classista -, é possível dizer que ela não demorou tanto para se estabelecer como artista. Seu piano, que reunia técnicas eruditas com approach jazzistico, além de seu canto grave, logo chamaram a atenção. A música de Nina Simone agradava a todos.

Todavia, foi só quando a artista passou a inserir elementos de contestação social que sua obra ganhou valor imensurável. Embora muitos não tenham visto sua luta com bons olhos, sua rica musicalidade, somada a interpretação incisiva, quase ameaçadora, é indiscutivelmente de grande valor humano. Isso fica bastante claro no disco In Concert (1964).


Gravado no Carnegie Hall, Nina começa o show invocando os irmãos Gershwin na clássica "I Loves You Porgy". Seu canto suave é absurdo. Afinação e dicção perfeita. Puro brilhantismo.

Ousaria dizer que a Gal Costa pegou muito de seu canto da interpretação de Nina em "Plain Gold Ring", com destaque para o arranjo incomum, que cria uma ambientação cheia de suspense. Destaque para o baixo seguro do Lisle Atkinson. Os acordes que Nina discretamente insere ao piano no decorrer da faixa também são de grande sofisticação.

"Pirate Jenny" não se assemelha a nada feito até então na música popular. Por um instante parece que o show vira um musical - ou até mesmo uma ópera -, tamanha a força interpretativa de Nina e o arranjo nada convencional da bateria do Bobby Hamilton. Impressionante!

Mas é em "Old Jim Crow" que a coisa começa transgredir o âmbito musical. Sua letra faz clara referência as leis de Jim Crown, que institucionalizaram a segregação-racial nos EUA.

Já a emblemática "Mississippi Goddamn" é uma resposta ao assassinato de Medgar Evers e ao atentado a uma igreja no Alabama que matou quatro crianças negras. Embora eu tenha a tendência a dizer que música é no primeiro momento uma atividade artística/estética, aqui seu uso politico é inegável e necessário. Histórico!

O disco ainda reserva a exuberante "Don't Smoke In Bed" - onde seu conhecimento erudito ao piano salta aos ouvidos (evitarei a redundância de destacar seu voz) - e a espetacular "Go Limp", uma valsa extremamente divertida, que apresenta uma Nina de humor e simpatia poucas vezes ressaltada em sua biografia.

Definitivamente uma apresentação história de uma das grandes artistas do século XX.